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Dia: 10 de Agosto, 2013

10 de Agosto, 2013 José Moreira

O “anjo da guarda”

Alguns jornais noticiavam, hoje, que uma criança de 4 anos caíra de um 3º andar de um prédio. A queda foi, no entanto, amortecida por um toldo de uma loja, curiosamente, pertencente aos progenitores, daí que a criança não tivesse sofrido mais que ferimentos ligeiros.

Uma vizinha, dando de barato a existência do referido toldo, assegurou ao interessado repórter que “foi o anjo da guarda que a amparou”.

Não vou, de forma alguma, pôr em causa a afirmação da presumivelmente devota e respeitável senhora, sendo que o presumivelmente se aplica a ambos os adjectivos que se lhe seguem. Se ela garante que foi o anjo da guarda, quem sou eu para duvidar, pois até podia ser um anjo da covilhã, de castelo branco ou de pinhel. Por acaso, foi da guarda, alta cidade da vetusta beira. Mas há perguntas que me ficam a bailar na cabeça, a saber:

  • Foi o anjo que estendeu o toldo?
  • Não teria sido mais fácil, ao anjo da guarda, evitar que a menina se aproximasse do local da queda, nem que fosse através de duas palmadas no rabo? Ou será que a divina criatura quis mostrar o seu poder, obrando da forma mais difícil?
  • Os babados papás poderão, a partir da afirmação da presumivelmente devota e respeitável senhora, descurar (ainda) mais os seus deveres parentais, ou há o receio de que o anjo da guarda, ou de outra cidade qualquer, vá de férias?
  • Se o toldo estivesse recolhido, como é que o anjo da guarda se desamerdaria?
  • Quando é que a comunicação social deixa de dar eco a estas (e outras) barbaridades religiosas?
  • A quem interessa a prossecução do obscurantismo?
10 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

DN – Suplemento Q – OUVIR

Suplemento Q_o convidado. Hoje, DN

 

Convidado como presidente da Associação Ateísta Portuguesa, deixo aqui as respostas que dei:

OUVIR

Recordo Os vampiros, de Zeca Afonso, talvez pelo momento presente em que a crise do capitalismo encontrou a saída na fuga para a frente, sem reparar na angústia, medo e revolta que semeia com o ultraliberalismo a que, neste momento, quer condenar-nos, em Portugal, na Europa e no Mundo.

Vem-me à memória a primeira quadra: «No céu cinzento sob o astro mudo / Batendo as asas Pela noite calada / Vêm em bandos Com pés veludo / Chupar o sangue Fresco da manada». Não posso deixar de pensar no homem generoso que pôs o seu talento ao serviço dos seus valores numa dádiva constante de um sonhador, para quem a vida foi madraça, e que tanto deu recebendo tão pouco.

Ouvir Zeca Afonso é prestar homenagem a um grande cantor de intervenção que ajudou a mudar Portugal quando não se sonhava que, numa manhã de abril, nasceriam cravos nos canos das espingardas.

Pedra Filosofal – Este belo poema, de António Gedeão, atinge uma sonoridade especial na voz de Manuel Freire. Enquanto houver homens e mulheres para quem o sonho comande a vida, não deixará de ser ouvido. É um hino à liberdade que nos interpela e extasia os sentidos.

Gosto de ouvir a Pedra Filosofal, fechar os olhos e sonhar, porque sei que «sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida, entre as mãos de uma criança». Quando o mundo volta a ser a preto e branco, quando a realidade quotidiana nos empurra para a melancolia, valem-nos os poetas e cantores para descobrir, por entre as nuvens pardacentas das noites escuras, o raio de luz que desponta para iluminar a aurora dos dias.

Ouvir música, como a referida, e ler um bom livro apazigua e traz a serenidade a que todos devíamos ter direito.

10 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

DN – Suplemento Q – VER

Suplemento Q_o convidado. Hoje, DN

Convidado como presidente da Associação Ateísta Portuguesa, deixo aqui as respostas que dei:

VER

Casablanca é o filme da minha geração

Sendo um filme romântico, fica para sempre a tensão dramática do tema, o desempenho notável de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman e o dilema dilacerante entre a virtude e o amor, numa situação extrema onde o sacrifício do amor é cruel e obrigatório.

Só um filme em que o interesse do tema, a realização exemplar e o sublime desempenho dos atores se conjugam para documentar um dos mais dramáticos momentos da história da Humanidade, podia resistir aos 70 anos que já leva a cativar sucessivas gerações de cinéfilos e espectadores comuns.

Rever Casablanca é uma viagem ao Governo de Vichy e à demência nazi que apavorou a humanidade, particularmente a Europa, e prestar homenagem à resistência heroica que uniu as mais diversas correntes democráticas contra o esmagamento das liberdades pelo extremismo ideológico do nazismo que reuniu o que pode haver de pior em qualquer ideologia: o imperialismo, o racismo e a xenofobia, numa orgia de horror, violência e morte.

Citizen Kane ou «O Mundo a Seus Pés» é um filme de suspense com uma realização soberba de Orson Welles. A palavra “Rosebud“, com que começa, pronunciada imediatamente antes da morte do magnate do jornalismo, acerca do qual se desenrola o filme, perdura pela vida de quem o viu e sentiu necessidade de o rever. «Rosebud» é a palavra enigmática, quiçá, algo que Kane perseguia e não conseguiu, talvez o fracasso derradeiro de quem subiu ao cume do poder, tornando-se um dos homens mais ricos do mundo, e algo lhe escapou.

Citizen Kane é um filme obrigatoriamente presente na história do cinema. Desde a direção artística à banda sonora, da fotografia à montagem, tudo se conjuga para a apoteose do ator protagonista, o próprio Orson Welles, que interpreta a vida de um homem pobre cuja indiferença alheia o levou a construir uma fortuna colossal e um poder imenso.