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Dia: 19 de Junho, 2011

19 de Junho, 2011 Ludwig Krippahl

Treta da semana: justiça divina.

Há 20 anos, em Israel, um advogado descrente insultou um tribunal rabínico. Como castigo, foi amaldiçoado para que o seu espírito reencarnasse num cão. Há umas semanas, um cão entrou num tribunal na zona ultra-ortodoxa de Mea Shearim, em Jerusalém. Assustou algumas pessoas e não queria sair, pelo que um dos juízes, rabino, concluiu que seria a reencarnação do tal advogado. Só podia. Então sentenciou o cão a ser apedrejado até à morte, exortando as crianças do bairro a executar a sentença. Mas, ao que parece, o cão conseguiu fugir (1).

Além da demonstrar a ineficácia da justiça divina, este episódio mostra também, de forma sucinta, três aspectos preocupantes da religião. O primeiro é esta atitude de tomar como certa uma especulação infundada. Este rabino não tem forma nenhuma de saber se o cão tem mesmo a alma daquele advogado. Não consegue distinguir esta hipótese de alternativas como ter a alma de outro advogado, de um vendedor de gelados, de cão ou nem sequer ter alma alguma. O segundo é esta fé em hipóteses infundadas justificar actos cruéis, injustos, imorais ou simplesmente estúpidos. Uma vez estabelecido, pela “razão” da fé, que o cão tinha a alma do tal advogado, então toca a apedrejar o animal. Finalmente, infectar as crianças antes que ganhem resistência contra estas parvoíces.

A defesa costumeira é que estes exemplos são extremos, anormais, e que a Religião Verdadeira™ não comete tais erros. É falso. Milhares de milhões de religiosos vivem convencidos de coisas destas. Almas, reencarnação, a inspiração divina de profetas e líderes religiosos ou até o número exacto de pessoas que coexistem na mesma substância do criador do universo. Tudo isto é tão infundado como o diagnóstico do rabino. Milhares de milhões de religiosos usam as suas fezadas para justificar comportamentos imorais, tais como impedir o uso de profilácticos que podem salvar milhões de vidas, discriminar as mulheres, ingerir-se na vida íntima dos outros ou reprimir, por vezes com violência, opiniões divergentes das suas. E todas as religiões se esforçam por impingir aos filhos os disparates dos pais.

A fé de cada um é consigo, mas as religiões são um mal a evitar. A falsa autoridade de quem se diz perito em coisas que ninguém pode saber é, logo à partida, desonesta. O rabino não sabe que o cão tem a alma do advogado, o padre não sabe que a contracepção é pecado e o teólogo não sabe que o seu deus criou o universo. Todos estes mentem ao dizer que sabem quando apenas especulam. E esta aldrabice serve, inevitavelmente, para obter poder e privilégios à custa dos outros.

O problema não é a crença em deuses mas sim nas tretas de quem diz saber como eles são.

1- BBC, Jerusalem rabbis ‘condemn dog to death by stoning’, e Ynet news, Dog sentenced to death by stoning

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