Loading

Dia: 22 de Abril, 2010

22 de Abril, 2010 Ricardo Alves

A ausência de autoridade ética da ICAR

A António Marto, bispo de Leiria-Fátima da ICAR, pertencem as declarações mais chocantes produzidas por um católico português sobre o escândalo do encobrimento eclesiástico de crimes de abuso sexual de menores. Disse António Marto: «A nossa lei, tanto quanto me consta, não obriga, como a francesa ou a inglesa, a denunciar os casos à Justiça civil, mas, se tal se colocar, fá-lo-emos». O som das declarações é particularmente impressionante pela frieza e indiferença de António Marto (e pode ser ouvido aqui).

Não vou entrar na discussão do que a lei obriga ou não a fazer. Desejo que a lei seja igual para todos, e dificilmente concebo que alguém possa saber de um crime grave (abuso sexual de menor ou homicídio, por exemplo), sem sentir a obrigação ética de o denunciar. O «remorso e a vergonha» não chegam.

Todavia, grande parte dos portugueses consideram a ICAR uma «autoridade moral». Mas como se pode considerar uma autoridade ética quem não afirma claramente a obrigação de denunciar um crime de sangue, em particular quando as vítimas, por serem crianças, podem não compreender os seus direitos?

Era a esta questão que eu gostaria que os católicos honestos respondessem.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

22 de Abril, 2010 Carlos Esperança

O Papa e a tolerância de ponto

Nenhum democrata contesta o direito de o Papa visitar Portugal, por mais discutível que seja a intenção de manter vivo um embuste que transformou uns inóspitos campos de pastorícia num centro de combate à República e ao comunismo, primeiro, e num destino vitalício de superstição popular, depois.

O respeito pelos crentes que viajam de joelhos e se arrastam em sofrimento, cumprindo promessas, solicitando milagres, maravilhados com as vestes talares dos clérigos e com a multidão de crentes em êxtase, não permite ridicularizar as encenações sazonais que a máquina eclesiástica põe em palco com especial entusiasmo nos dias 13.

Bento XVI tem-se esforçado por ser ainda mais impopular do que os seus antecessores para todos aqueles que não comungam da fé de que vive e não partilham as ideias que o tornaram a personalidade mais reaccionária entre os dirigentes da Europa democrática.

B16 é um arauto do retrocesso civilizacional, regedor do minúsculo Estado teocrático e patriarcal cuja representação na ONU lhe serve para tentar boicotar todos os programas a favor do planeamento familiar, dos direitos das mulheres, da luta contra a Sida ou das minorias sexuais, numa deriva fundamentalista que o leva a aliar-se às piores ditaduras
da Organização da Conferência Islâmica.

B16 é ultraconservador e reaccionário, mesmo para um líder religioso, difundindo uma visão retrógrada do cristianismo, dogmática e misógina, na linha dos movimentos mais hostis ao concílio Vaticano II – o Opus Dei e a Legião de Cristo –, não havendo razão para regozijo pela sua presença em Portugal. Mas isso é assunto dos crentes.

Para os cidadãos laicos, mesmo crentes, há razões particularmente intoleráveis para a forma como o Estado e algumas autarquias se comportam com a visita deste Papa. A tolerância de ponto é um acto de subserviência inaceitável mesmo que o dignitário em causa fosse mais recomendável.

Não acredito, como afirmam os avençados do divino, que «Deus está no pensamento e no coração de cada homem» e estou certo de que a questão espiritual, por mais relevante que seja, não é apanágio das funções do Estado cujo papel é antes o de se ocupar das questões sociais.

Se o catolicismo faz parte do património cultural de Portugal, o País não é já a nação consagrada ao Imaculado Coração de Maria, depois de várias décadas de democracia, mas uma República separada das Igrejas como estabelece a CRP. O seu objectivo não é procurar que muitos portugueses creiam, mas que vivam melhor, cada vez mais livres e mais iguais. É essa a missão que incumbe ao Estado e não a de se ajoelhar.