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Dia: 23 de Fevereiro, 2010

23 de Fevereiro, 2010 Carlos Esperança

Considerações sobre o ateísmo

O ateísmo é definido sempre pela negativa (a-teísmo, des-crença) como se existisse só em função das religiões e não tivesse mérito próprio para responder às manifestações religiosas e pseudo-científicas com uma abordagem científica, racionalista e humanista.

É indiscutível que a negação de Deus provoca uma enorme agressividade nos crentes, seja pelos interesses ligados às religiões, seja pelo pavor de que os ateus, livres das amarras de um ente superior criado para assustar os homens, possam subverter a moral e corromper os princípios em que a sociedade assenta em cada momento histórico.

De facto, a negação de Deus é a suprema negação que transporta uma carga emocional pesada, uma espécie de «mãe de todas as negações», como se pudesse ser a responsável por todas as calamidades e tragédias que a superstição lhe reserva.

Durante muitos séculos as referências à descrença aparecem apenas nos testemunhos dos que a reprimiram, pelo que a história do ateísmo se confunde com a história das perseguições feitas pela fé que, no catolicismo, foram especialmente activas nos séculos XVI e XVII.

No entanto o ateísmo é plural, como, aliás as religiões. Desde o ateísmo materialista, puro e duro, guindado à categoria de religião por regimes totalitários, até aos cépticos, panteístas, agnósticos e ateus que percorrem hoje todo o espectro político das modernas democracias e as próprias concepções liberais da economia que vêem nos interditos religiosos ao lucro uma ameaça à livre iniciativa.

O caminho faz-se caminhando, como diz num belo poema o poeta andaluz, António Machado, e o ateísmo tem vindo a afirmar-se como o espaço onde homens e mulheres constroem os seus valores e uma moral humanista alheia aos caprichos dos deuses e às ameaças do Inferno. A história do ateísmo é também a história desse combate pela autonomia da moral, sem especulações metafísicas nem orientação espiritual do clero.

Não há razão para que os que crêem persigam os que não crêem e vice-versa. Este terá de ser o paradigma das sociedades livres onde a laicidade do Estado seja o garante da legitimidade de todas as crenças, descrenças e anti-crenças.