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Dia: 19 de Fevereiro, 2010

19 de Fevereiro, 2010 Ludwig Krippahl

Hitchens, 1: a religião envenena tudo.

A palestra do Christopher Hitchens ontem (1) não deve ter surpreendido quem já tivesse lido alguma coisa dele. Nem pelo conteúdo, que foi o previsto, nem pela forma, pois no que ele escreve nota-se que é um comunicador extraordinário. Mas foi uma experiência interessante vê-lo ao vivo. Vou aproveitar algumas ideias que ele expôs como inspiração para uns posts, começando pela mais óbvia.

Hitchens defende que a religião envenena tudo quer pelas suas consequências quer pelos seus princípios. Não há nenhum acto que se reconheça como bom que seja exclusivo dos religiosos e, para ser uma pessoa boa e ter valores louváveis, não é preciso ter religião. Por outro lado, facilmente nos ocorrem actos e valores condenáveis associados a práticas religiosas, desde os sacrifícios humanos e a inquisição aos ataques bombistas e à mutilação genital de raparigas. Ele não o mencionou mas, antecipando já as criticas costumeiras, saliento que isto não quer dizer que todos os ateus sejam boas pessoas. O ponto aqui é que a religião é desnecessária para se ser bom e é motivo para muitos actos condenáveis. Pesando os prós e os contras, mais vale não a ter.

Mesmo entre os que são ateus, num sentido estrito, o mau comportamento institucionalizado vem da aceitação acrítica de superstições e ideologias estranhas ao ateísmo. Na Coreia do Norte, um exemplo comum dos terrores do ateísmo, a Constituição foi alterada em 1998 para nomear Kim Il-Sung o Presidente Eterno da República. O homem já tinha morrido quatro anos antes. O estalinismo, o maoismo e a ditadura em Cuba, apesar de não seguirem algo que oficialmente seja considerado divino, assentam também numa teimosia ideológica que o ateísmo não exige mas que é fundamental em qualquer religião. As religiões consideram-se acima das limitações, da falibilidade e até da contestação humana, e é essa atitude que facilmente tem consequências trágicas.

Além disso, as religiões declaram-nos todos servos dos deuses. Não somos donos de nós próprios nem os responsáveis pelos nossos valores. Somos instrumentos criados por outrem para servir os seus propósitos e cujo mérito é função da submissão a esse desígnio. Isto desumaniza as pessoas.

Nestes aspectos concordo com o Hitchens, mas parece-me que ele erra ao considerar, implicitamente, que a religião é a origem destes problemas. A religião é apenas um de vários meios de desumanizar e levar pessoas boas a praticar o mal. É o mais popular e foi provavelmente o primeiro a ser inventado, mas não é o único. O problema fundamental não é a crença num deus ou numa casta de sacerdotes; é a facilidade com que abdicamos da nossa autonomia e responsabilidade e lavamos mãos das asneiras que fazemos com a desculpa de agir em nome de qualquer fantasia que nos impinjam.

1- Casa Fernando Pessoa, “Livres Pensadores” com Christopher Hitchens

Em simultâneo no Que Treta!.

19 de Fevereiro, 2010 Ricardo Alves

Hitchens: do ateísmo ao combate ao islamismo

Foi uma excelente iniciativa da Casa Pessoa, a conferência de ontem com Christopher Hitchens. É raro podermos sentir que Portugal não fica de fora do movimento global de ideias.
Hitchens começou com uma citação de Marx, e com algumas memórias, dos anos 70, dos seus contactos com revolucionários africanos de língua portuguesa.
A citação do «ópio do povo», descontextualizada como habitualmente, é reduzida a um bitaite anti-religioso. Na opinião de Hitchens, é mais do que isso: Marx entendia a crítica da religião como o início do processo que liberta o homem para questionar a sua condição.

No início da parte mais formal da sua conferência, Hitchens sublinhou como «Deus» retira o homem da sua liberdade, ao condicionar o seu pensamento ao de um «criador» que estabeleceu o que é certo e errado. Precisou a distinção entre o deísmo (mera fé) do teísmo (que já presume uma religião revelada, com os seus textos dogmáticos e as suas regras normativas inquestionáveis).

Christopher Hitchens é um bom conferencista. Exprime-se com clareza, em frases curtas, leu os clássicos do iluminismo (mais os anglo-saxónicos, todavia), acompanha as descobertas científicas actuais, e trata de questões complexas com frases certeiras, rematadas com o humor altivo típico da sua formação oxfordiana.

Existem, sem dúvida, boas razões para o regresso de um ateísmo combativo: a persistência de irracionalidades supersticiosas que impedem um mundo mais justo; as tentativas renitentes de interferir na política das democracias; e o islamismo radical.

Foi só na parte final da sua intervenção, e em particular no período de perguntas, que Hitchens insistiu mais na questão do islamismo radical enquanto movimento global. Está correcto quando afirma que se trata do único movimento totalitário global em ascensão no mundo actual; e quando acrescenta que boa parte da esquerda europeia renunciou a confrontar esse movimento, com o argumento do «anti-imperialismo»; é injusto quando diz que a Europa, toda, desistiu. Porque, na verdade, muitas correntes políticas na Europa percebem bem o que o extremismo islâmico na Europa significa. A proibição do véu nos serviços públicos, na França de 2004, é um sinal claro de que pelo menos um país ainda entende que o laicismo não se resume à separação entre o Estado e a igreja (católica).

A pretexto de um autógrafo, troquei mais algumas palavras com o homem. Interessava-me sobretudo entender que limites entende que se devem colocar no combate contra o islamismo. Disse-me que Geert Wilders apela aos «sentimentos errados» mas que, se fosse suíço, não saberia como votar no referendo sobre os minaretes («que são a coisa mais bonita no Islão»). Mostrou-se também sensível ao perigo que representam a Arábia Saudita e o Paquistão. A insistência no Irão aparece, portanto, como escusada. E como um alinhamento excessivo com a política externa dos EUA. O que me parece desnecessário.

No fundo, Hitchens ainda tem algo de marxista: a convicção de que é viável uma «guerra permanente» contra os movimentos reaccionários activos no mundo. Mas é lamentável que não tenha retirado a lição do que isso significou no Iraque.

19 de Fevereiro, 2010 Raul Pereira

Uma nova cara para o DA

Depois das alterações ao site da AAP, foi nosso objectivo dar a este espaço a dignidade que merece. O seu peso histórico e o papel fundamental que teve (e tem) em prol do ateísmo em Portugal a isso nos obrigou.

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