Loading

Dia: 6 de Novembro, 2007

6 de Novembro, 2007 Ricardo Silvestre

Ausência por defeito

É curioso ver as acusações de mau gosto, de insensibilidade, de sadismo, de falta de um fato da Hugo Boss cada vez que um ateu pergunta «então, mas onde está deus nestas alturas…?». É uma pergunta válida, e que merece uma (tentativa de) resposta por aqueles que acreditam nas gramáticas das religiões dominantes.

Como pediu o Bruno Resende e o Carlos Esperança antes de mim: se um deus teísta existe, então por favor expliquem este como pode acontecer este último acidente. E não chega o argumento que há o livre arbítrio, a liberdade individual, e desodorizante em stick.

Para um ateu há um corolário evidente neste estilo de tragédias: se um deus teísta existe, ele detesta a sua criação e amiúde demonstra isso mesmo. Vejamos o seguinte.

Nos ataques do 11 de Setembro, deus deixou que isso acontecesse para punir quem não segue as suas regras. No maremoto na Ásia, deus deixou que acontecesse para punir quem não acreditava em si. No furacão de New Orleans, deus deixou que acontecesse para punir aqueles que se afastaram de si (estas não são palavras minhas, mas sim de padres, bispos, ministros religiosos, etc). Que se lixem os inocentes, os crentes, aqueles que se esforçam para ter uma vida digna e construtiva. Não. Que se lixem. Vão com a enxurrada, seja de betão e metal, seja de água, seja de vento, seja de TNT. Depois, ele saberá seleccionar quando chegarem ao céu.

E o que pensar destes acontecimentos onde são os próprios crentes que são as principais vitimas? Excursões de fiéis a Fátima, a Notre-Dame-de-la-Salette, que sofrem acidentes horríveis quando voltam das suas rezas e dos momentos de transcendência. Crentes que estão em contacto directo com o seu criador numa igreja, e onde lhes cai parte de um telhado em cima e morrem no local. Fanáticos que entram em locais de oração e que chacinam as pessoas que lá se encontram.

Para um ateu a coisa é muito mais fácil de explicar. Não há um ser superior que regule as nossas vidas. Elas regulam-se pelos fenómenos naturais que nos rodeiam. As nossas criações, as nossas decisões, os nossos actos, a coincidência de estar naquele sitio, naquele momento.

6 de Novembro, 2007 Carlos Esperança

Abaixo a hipocrisia católica

Ninguém de sã moral e equilíbrio mental se regozija com a desgraça alheia, rejubila com o sofrimento ou exulta com a morte. Às vezes o humor, mesmo o humor negro, é a forma de exorcizar a dor e fazer a catarse das desgraças que batem à porta, do infortúnio que chega ou da tragédia que se abateu.

Só as religiões, na sua demência, se alimentam da morte. Vendem-na em pedaços de medo ou provocam-na em acessos de ódio. Os cruzados e os suicidas islâmicos são o paradigma dos traficantes da morte para obterem uns trocos de eternidade. Nem os cadáveres estão em paz: uns exumaram-nos para serem queimados, outros acordam-se para a indústria dos milagres e a criação de beatos e santos.

O acidente de Fátima foi uma tragédia lamentável, mas não há que dar tréguas à religião que quer condicionar a reflexão que é legítimo fazer. Já em 24 de Março de 2001 um autocarro da Câmara de Viseu, vindo de Fátima, caiu numa ravina, em Santa Comba Dão e provocou a morte de 12 pessoas e numerosos feridos. Sem acidentes, o presidente da Câmara de Vila Nova de Famalicão, de uma só vez, disponibilizou autocarros para 10.200 idosos e, nas eleições seguintes, tinha a vitória assegurada.

Os presidentes de Câmara levam os peregrinos a Fátima para implorarem bênçãos e ganharem votos. Usam o nome da cultura e enviam-nos a um local de obscurantismo.

Ninguém se regozija com os mortos das peregrinações mas há quem os aproveite como mercadoria pia num acto pusilânime de superstição e misticismo. Só os clérigos são capazes de dizer, perante o sofrimento e a desolação: «Fez-se a vontade de Deus». O cinismo dos padres é que desperta a revolta pela exploração do medo e do sofrimento.

Nas exéquias fúnebres não faltará um bispo a explorar o espectáculo mórbido da morte. Far-se-á acompanhar das sotainas disponíveis e não faltarão, como diria o Eça, o «conjunto rançoso de cruzes, imagens, ripanços, opas, tochas, bentinhos, palmitos e andores».

Os ateus limitam-se a registar que há demasiados mortos sem qualquer milagre.

6 de Novembro, 2007 Helder Sanches

Reflectir o meu ateísmo – Parte 2

As insuficiências do agnosticismo

Question MarkExistem algumas razões para me definir como ateu e não como agnóstico. O agnosticismo, nas suas diversas interpretações, presume pelo menos um dos seguintes princípios:

  • Deus é insolúvel
  • Deus é irrelevante

Sobre a insolubilidade de deus

Quanto a deus ser insolúvel, parece-me que se trata de um princípio filosófico bastante razoável. Afinal, o conceito de deus (ou deuses) é movido e justificado pela fé, não pelo conhecimento. Tentar racionalizar crenças da mesma forma que se criam representações matemáticas da realidade é absurdo.

Existe, depois, uma armadilha perigosa que é procurar responder à questão de deus quando esta engloba em si própria uma variedade de personalidades e representações quase infinitas. Deus não terá sido o primeiro a sofrer de personalidade múltipla, mas é seguramente o paciente desse distúrbio mais famoso da história. Tentar argumentar racionalmente contra essa multiplicidade é, uma vez mais, infrutífero e inconsequente. A própria multiplicidade de representações encerra em si todos os argumentos de contradição, se não mesmo, de absurdo.

Resumindo, reconheço que é, de facto, impossível provar racionalmente a existência ou inexistência de qualquer deus ou deuses. Claro que teremos que colocar todos no mesmo saco: o deus de Abraão, Zeus, Osíris, Thor, Shiva ou o adorável Baco. Resta-me, portanto, a convicção de que face à ausência de demonstrações credíveis de qualquer deles, todos, sem excepção, são apenas fruto de mentes criativas impregnadas de fé.

Sobre a irrelevância de deus

Considerar a tarefa de questionar a existência de deus uma tarefa desnecessária é outra linha do pensamento agnóstico. Opinar que é irrelevante para a nossa experiência – enquanto seres vivos conscientes do mundo que nos rodeia – parece-me demasiadamente insustentável por duas razões essenciais.

Antes de mais, questões fundamentais como “o que somos?”, “porque somos?” ou até mesmo “somos?” terão respostas e significados totalmente diferentes consoante deus exista ou não. Logo, na elaboração das respostas a essas perguntas o valor da variável “deus” terá que ser sempre equacionado e poderá ter um peso determinante nas respostas obtidas.

Por outro lado, as organizações religiosas sempre tiveram – e continuam a ter – uma influência nas diversas sociedades demasiado grande para que os argumentos basilares das suas doutrinas não sejam questionados.

Assim, discordo em absoluto desta corrente agnóstica que considera de menor importância a questão de deus.

Outras considerações que descredibilizam o agnosticismo

O processo de dúvida inerente à maior parte do ideal agnóstico é, claramente, do ponto de vista filosófico, um processo eficiente. Mas, do ponto de vista prático as suas limitações são evidentes. Se não fossem seria, então, possível viver com esses princípios de dúvida em todos os aspectos da nossa vida. Não é o caso. Questionar sempre que acordamos se é o último dia de vida que temos, se a Terra vai suspender o seu movimento de rotação espontaneamente ou se seremos um alvo preciso na queda de um meteorito são também dúvidas válidas, questões insolúveis. Se vivermos em função dessas dúvidas o mais provável é sermos considerados lunáticos ou esquizofrénicos. Aplicamos, implicitamente, a probabilidade experimentada. Sabemos que a probabilidade de responder acertadamente é muito maior num caso do que noutro, de tal forma que simplesmente ignoramos a probabilidade menor – muito menor – e agimos em conformidade. Não encontro justificação possível para se agir de maneira diferente na questão de deus. Se, face aos conhecimentos adquiridos, não existe a mínima evidência de deus (qualquer deus), então porque viver em função da sua possível existência?

Finalmente, o agnosticismo comete o “pecado” da imparcialidade absoluta. Permite-se dar tanta credibilidade à possibilidade de deus como à sua impossibilidade. Por outras palavras, dá tanto crédito à fé e à crença como à ciência; estranho, pois é esta última que utiliza os mesmos processos racionais em que o próprio agnosticismo se sustenta!

Na próxima parte abordarei a separação entre o Estado e a Igreja.

Parte 1 – O que o meu ateísmo não implica

(Parte 3 – brevemente)