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Dia: 13 de Julho, 2007

13 de Julho, 2007 Carlos Esperança

Audiência com Sócrates – ICAR mais satisfeita

A satisfação do patriarca Policarpo foi a campainha de alarme de que a reunião com o primeiro-ministro tinha corrido mal ao País. O que é bom para a Conferência Episcopal é mau para a democracia.

A derrota no referendo sobre a IVG está vingada. A penitência cumpre-se em euros.

A Concordata é uma espécie de Tratado de Tordesilhas que divide o poder entre a Igreja católica e o Governo, democrático ou não, que para a Igreja tanto faz. A de 1940 foi assinada com o ditador Salazar e este tinha o direito de veto sobre os bispos nomeados. Foi por isso que, com a excepção do honrado bispo do Porto, Portugal teve os báculos e as mitras entregues a um bando de fascistas.

Não pode haver liberdade religiosa sem igualdade de tratamento para todas as religiões nem respeito pela Constituição quando o Estado abdica da neutralidade a que está obrigado e se ajoelha perante quem exibe mais força ou poder de influência.

Recordo a magnífica conferência de Antero «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares» e o passado histórico em que o poder da Igreja foi o travão do desenvolvimento e da liberdade.

Na cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, em Outubro de 2002, o MNE de Durão Barroso, Martins da Cruz, que se demitiria na sequência de um vergonhoso processo de nepotismo para favorecer a entrada da filha em Medicina, afirmou: “Como católico considero um privilégio ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros no momento desta importante negociação”. Foi um acto de capitulação e desonra.

Agora foi Sócrates que se ajoelhou. Uma nódoa para o Estado laico.

DA/Ponte Europa

13 de Julho, 2007 Ricardo Alves

A verdadeira liberdade é ajoelhar

  • «Quem se ajoelha para adorar a Santíssima Trindade como os Pastorinhos é livre para se dar na misericórdia sem ser oprimido por qualquer poder, pretensamente absoluto» (Jorge Ortiga, presidente da CEP, em Fátima).

Portanto, a liberdade, na concepção católica, obtém-se de joelhos. De joelhos, adorando uma fantasia, e submisso. Quem se ajoelha é livre, quem recusa ajoelhar-se será, presumivelmente, um escravo. De joelhos resiste-se ao poder, de pé é-se absolutamente submisso. Liberdade é escravidão, tirania é liberdade. Wojtyla já dissera algo de semelhante.

Poucas horas antes de pronunciar estas palavras, Jorge Ortiga estivera reunido com o Primeiro Ministro.

13 de Julho, 2007 jvasco

Enviesamentos Cognitivos VIII – A religião está para durar?

Aproveito todos os artigos desta série para responder (um pouco fora de prazo…) à pergunta lançada para debate pelo Helder «será a religião eterna e inevitável?».
É pouco provável que a humanidade seja eterna. Nesse sentido, a religião não o será.
Mas será que vai acompanhar toda a história da humanidade daqui em diante? Que relevância terá?

Com os artigos anteriores espero ter mostrado que vários enviesamentos cognitivos são naturais no ser humano. E a religião decorre naturalmente deles, pelo que a religião também é natural (o que por si não tem nada de bom: a doença também é natural e não é por isso que deixamos de querer os «artificiais» medicamentos). Por várias razões, não é de esperar que o ser humano deixe de ser vítima destes enviesamentos cognitivos.

Mas, apesar destas tendências para o engano, o ser humano conseguiu aprender bastante sobre o mundo que o rodeia. Encontrou formas de contornar e menorizar tais enviesamentos cognitivos, e o empreendimento científico é um bom exemplo disso – apesar de cada cientista poder ser vítima de tais enviesamentos, a investigação vai sendo menos e menos afectada por eles.
A ciência não tem de – nem deve – ser a única história de sucesso. Numa democracia, numa sociedade do conhecimento, é vital que cada indivíduo tenha uma imagem adequada do mundo que o rodeia, uma imagem que não seja muito distante da realidade. Por isso, acredito que a humanidade vai aprender cada vez mais a lidar com estes enviesamentos, e a minorar as suas consequências.
Como a religião se alimenta deles, o treino e a capacidade de minorar estes enviesamentos vai tender a tornar a religião menos poderosa e influente. Em 1500, na Europa católica, era comum acreditar-se que as bruxas se podiam transformar em gatos, ou provocar tempestades (e havia gente a ser condenada pela inquisição com base em tais disparates…), e é possível que nessa altura tais crenças parecessem indisputadas e naturais. Mas com o nosso conhecimento do mundo, as coisas mudaram. A religião não faz hoje as alegações que faziam, e milagres como o de Fátima são coisas do passado: com os meios de comunicação e verificação, qualquer «milagre» com a mesma amplitude será rapidamente desmascarado enquanto fraude.

O nosso conhecimento acerca do mundo, e a nossa capacidade de o transformar num lugar melhor, cada vez menos prejudicada pelos vários enviesamentos cognitivos, também surtirá outro tipo de efeitos. Um grande apelo psicológico da religião, não referido nesta série de artigos, é a vontade de fugir às agruras da vida, a vontade de fugir a uma realidade que pode ser vista como cruel. E realmente existe muita evidência empírica de que quanto pior vivem as pessoas, mais religiosas são.
Mas quando, ao invés de fugir, lutamos com sucesso para tornar a realidade menos cruel, a religião ressente-se.

Existe a questão demográfica de muitas religiões (e não é por acaso…) encorajarem os crentes a ter muitos filhos, e as ideias dos pais terem sempre muita influência sobre os seus descendentes, mas ainda assim creio que a tendência, com o passar do tempo ao longo dos séculos, é que a religião vá perdendo aderentes, poder e influência.

13 de Julho, 2007 jvasco

Enviesamentos Cognitivos VII – O Enviesamento Confirmatório

Outro enviesamento cognitivo ainda não abordado é o enviesamento confirmatório: a tendência para valorizar as evidências que suportam a nossa posição, e ingnorar aquelas que lhe são contrárias. Vários estudos foram feitos no sentido de estudar o âmbito, a influência e as causas deste enviesamento.
A superstição, a religião e a ideologia são terreno fertil para que este enviesamento se manifeste.
O papel que este enviesamento desempenha na manutenção de uma série de crenças com tanta evidência da sua falsidade (o poder da oração, por exemplo) é muito significativo.

13 de Julho, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «Aliás, seria um exercício jornalístico bem curioso saber o montante dos apoios públicos de que a igreja tem beneficiado nos últimos anos. Por exemplo, quanto dinheiro recebeu a U. Católica e comparar com o que não terão recebido as outras Universidades não públicas.
    Depois há a questão da Concordata – está assinada e ainda não regulamentada. Mas esse acordo nunca devia ter sido feito. Para mim, a Concordata está no sentido oposto da interpretação razoável do espírito do art. 41.º da CRP – julgo-a materialmente inconstitucional já que subalterniza as demais confissões religiosas relativamente à ICAR. Portugal deveria denunciá-la e aplicar integralmente a Lei da Liberdade Religiosa.
    Claro que isso não irá acontecer, todos o sabemos.
    .»(«Pois é, pois é… (III)», no Blasfémias)
  2. «Maomezinho, que não sabia ler, estava na sua caverna, quando ouviu uma voz que disse “Leia, em nome do deus que criou os homens.” À noite, um anjo apareceu para ele em sonho várias vezes, e outras vezes durante o dia, em carne e osso.

    Então, 11 anos depois, o anjo trouxe um cavalo alado, que levou Maomezinho até Jerusalém, e depois o levou para visitar o céu. Depois, o anjo trouxe Maomezinho de volta. O anjo continuou fazendo revelações a ele por 23 anos. Tudo o que o anjo disse ao Maomezinho foi registrado por escribas em um livro chamado Corão»Bolhas de Ilusão», no Godless Liberator)

  3. «Mas eis que o próprio Capelão do Senado se lembrou de convidar um padre hindu, de nome Rajan Zed para ser ele a fazer desta vez as habituais macaquices, louvaminhices e rezas de abertura da sessão do Senado de ontem, dia 12 de Julho.

    E lá foi ele dizer estas lindas baboseiras:
    “Nós meditamos na glória transcendental da Divindade Suprema, que está dentro do coração do mundo, dentro da vida do céu e dentro da alma do Paraíso. Que ela possa estimular e iluminar os nossos pensamentos. Paz, paz, que a paz esteja com todos vós”.

    Enfim: não quer dizer absolutamente nada, mas é bonito à mesma, não é?

    Pois é: mas o pior é que houve muita gente que não gostou!»(«O Monopólio da Imbecilidade», no Random Precision)

13 de Julho, 2007 Carlos Esperança

O Velório do Botas

Foi em Agosto de 1968 que uma cadeira, no Forte de S. Julião da Barra, aliviou os portugueses. O ditador tinha a censura a defender-lhe a privacidade e a PIDE/DGS a aprisionar os adversários, mas já se debatia com um bravo hematoma que viria a ser saudado como herói.

Que a cadeira, uma simples cadeira corroída pelo caruncho, ousasse, na coragem dos corpos inertes, antecipar o fim do déspota, foi um acto de afoiteza que lhe valeu um lugar na História e ao caruncho a aura de santidade, ainda que a verdade possa ter sido outra e ter a cadeira, graças à censura, fruído os louros devidos a um acidente cerebral.

Soube-se lentamente que Salazar era mortal, dúvida metódica que muitas décadas de medo se tinham encarregado de acentuar, receio que remetia para as confidências da Irmã Lúcia ao cardeal Cerejeira, que o frio ditador fora escolhido pela Providência para governar Portugal, maldade que ameaçou eternizar-se em divina afronta.

No Hospital da Cruz Vermelha reuniam-se conselhos de ministros a fingir para dar ao tirano a ilusão de que ainda dirigia o país, que rezava, a mando dos padres, a implorar a cura. O desejo dos suplicantes aturdia o País urbano que temia a cura que devolvesse o enfermo à governanta, às galinhas que ambos criavam e a S. Bento.

Os boletins médicos descreviam o «homem providencial» como apirético e em risco de cura. Viveram-se momentos de pânico nos primeiros tempos em que Marcelo o revezou até sucumbir com o ar fresco de uma madrugada de Abril.

No Verão de 1970 fervilhavam boatos enquanto os jovens continuavam a morrer nas colónias e os portugueses aumentavam o ódio à ditadura e a coragem de afrontá-la, nas deserções da tropa ou enfrentando-a nas universidades, nas fábricas e nas ruas.

Em 27 de Julho desse ano a música fúnebre das emissões de rádio e de televisão soou aos ouvidos de muitos como um hino à liberdade. A notícia soube-se primeiro pelo ar feliz dos transeuntes – a informação ia passando de boca em boca – e pelos noticiários, depois. Morta a peçonha esboroar-se-ia o regime.

Na tertúlia do Café Nova York duvidou-se da veracidade da notícia. Ninguém tinha a confirmação de fontes estrangeiras e a credibilidade das portuguesas era igual à do regime.

O António Queirós e o Magalhães dispuseram-se a ir aos Jerónimos a confirmar o óbito. Ver para crer. Para o António era um acto de humor do antifascista de sempre. Para o Magalhães era a companhia do amigo e a decisão de quem sofria já de uma esquizofrenia que não mais deixou de apoquentá-lo. Só o testemunho deles faria fé para os amigos. Partiram, a pé, desde Entrecampos, tendo a peregrinação e o sacrifício um valor simbólico que valorizava o testemunho e o gesto picaresco.

Quando os dois entraram nos Jerónimos – confirmou o António -, havia mais polícias do que pessoas, apesar da multidão que exibia o último acto de servilismo, gratidão ou, sabe-se lá, de alívio. Integraram a fila, com o Magalhães, vestindo esmeradamente como sempre, e de preto, atrás do António. Foram avançando lentamente, ao compasso da fila, e logo reconheceram, junto à urna, Gabriel Monjane, o Gigante de Manjacaze, um amável negro moçambicano cuja desregulação hormonal o fizera crescer até aos 2,45 metros, com os horríveis padecimentos da acromegalia. Nessa altura ainda eles não podiam ver, nem adivinhavam, que junto do gigante se encontrava o anão de Arcozelo, seu companheiro num circo que os explorava como «o homem mais alto do mundo e o mais baixo». Nunca se soube quem foi o prócere do regime que abrilhantou o velório com o número de circo que sublinhava a tragicomédia da cerimónia fúnebre.

O António progredia na fila, calmamente, com semblante adequado à circunstância, mas evocando os camaradas mortos a seu lado, na Guiné, conhecidos que desertaram, compatriotas emigrados e amigos presos, tudo por causa do tirano que jazia a curta distância com honras de Estado e sem honra. Em contraste, o Magalhães impacientava-se. Perturbava-o a doença e não o acalmava a serenidade do António.

Lá chegaram, finalmente, junto do féretro. O gigante e o anão ali estavam integrando e acentuando o espectáculo pífio a que os destinaram. Cavalheiros de óculos escuros escrutinavam os passantes enquanto as fardas militares e as vestes talares coloriam a cerimónia. Umas carpideiras, por devoção ou encomenda, quem saberá dizê-lo, estacionadas junto ao cadáver, completavam o quadro mórbido.

Mal chegaram junto do caixão, o Magalhães, cansado da demora e à beira de um ataque de esquizofrenia, encara de frente os homens de óculos escuros, olha com tédio as carpideiras, baixa o queixo, sacode a cabeça com vigor e, acto contínuo, vários desses vigilantes precipitaram-se sobre as mulheres e afastaram-nas.

O António apanhou um susto enorme e pôs o ar compungido que a ocasião e o pânico lhe impuseram e só voltou a encarar o Magalhães depois de há muito terem deixado o mosteiro e os gorilas, cujos constrangimentos autoritários os levaram a obedecer prontamente ao primeiro gesto decidido de um doente psíquico, bem integrado, aliás, na esquizofrenia colectiva em que o regime mergulhara.

Jornal do Fundão/Ponte Europa – Publicado em 12-07-2007

13 de Julho, 2007 Ricardo Alves

…E Sócrates ajoelhou

Na reunião de ontem, o Primeiro Ministro português cedeu às exigências da ICAR portuguesa. É essa a leitura da generalidade dos media, e do próprio José Policarpo, que emergiu sorridente para anunciar que uma Concordata é um texto «constitucional», e que a legislação que resulta da Concordata fascista de 1940 deve continuar a ser aplicada até que a Concordata de 2004 seja «regulamentada».

Evidentemente, é impossível saber com exactidão o que preocupava tanto os bispos, e o que lhes foi prometido para saírem tão tranquilos. Mas se a legislação sobre as capelanias hospitalares (ou militares) esperar pela regulamentação da Concordata, que pode demorar mais dois anos, essa garantia traduz-se num adiamento para a próxima legislatura da redução da despesa do Estado nessas áreas. Registe-se que as capelanias hospitalares são cerca de 180 empregos de nomeação eclesial com salário pago pelo Estado, e que as capelanias militares são mais 46. E que ambas constituem privilégios inconstitucionais, melhor protegidos pela Concordata de 1940 do que pela Concordata de 2004. Que outros privilégios da Concordata de 1940 se manterão até 2009, à custa do orçamento de Estado e a favor da corporação católica?

O PS continua assim fiel à herança de Mário Soares, o homem que toda a vida se proclamou «republicano e laico» sem que alguma vez essa proclamação significasse um único avanço concreto para a laicidade do Estado. A tibieza e cobardia do PS é tão mais incompreensível quanto Portugal é um dos países mais secularizados da Europa latina, com uma percentagem de casamentos civis que deve atingir os 50% antes do final da década, em que há um divórcio para cada dois casamentos, e em que os jovens fogem da «Religião e Moral» assim que podem. Espantosamente, sendo a Espanha um país sociologicamente mais conservador do que Portugal, a laicização política tem avançado mais depressa com Zapatero do que com Sócrates.

É um dos maiores paradoxos dos últimos 30 anos que um cada vez maior afastamento da população perante a religião tradicional coincida no tempo com uma crescente influência institucional da ICAR. Paradoxalmente, à medida que o número de fiéis diminui, os políticos parecem temer ainda mais a hierarquia eclesiástica.

Noutros países europeus, como a Espanha ou a França, os partidos socialistas são seguramente laicistas. Para nossa desgraça, o PS português é o mais clerical da Europa ocidental. Percam o medo, caros senhores do PS (e de outros partidos…). Portugal já não é o que era.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]