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Dia: 10 de Junho, 2007

10 de Junho, 2007 Carlos Esperança

O 10 de Junho

O 10 de Junho é um cadáver que se exuma anualmente para as soturnas comemorações oficiais e o desfile de gatos-pingados.

Os EUA exaltam o 4 de Julho, data da declaração da Independência, e fazem desse dia uma festa nacional. Que melhor razão para celebrar o dia do que o nascimento do país, que promulga uma constituição avançada e declara o direito à felicidade?

A França fez da tomada da Bastilha, em 14 de Julho, o símbolo da liberdade, a festa da Revolução que aboliu as velhas monarquias de direito divino e deu origem às modernas democracias governadas por cidadãos que o voto popular escrutina.

O Estado português escolheu, não a independência, não a glória das descobertas, não a liberdade, mas o óbito de um poeta, singular e grande, é certo, mas a morte, nem sequer o nascimento cuja data e local ignora.

Os EUA e a França festejam a liberdade e o povo exulta, Portugal evoca a morte e os portugueses deprimem-se. O dia 10 de Junho era na ditadura o «Dia de Camões, de Portugal e da Raça». Era um dia de nojo, na dupla acepção, com os carrascos a distribuir veneras pelas viúvas, pais e irmãos dos militares mortos na guerra colonial.

Hoje, em democracia, o dia 10 de Junho apenas perdeu a Raça. É o Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas. E permanecem as homenagens aos mortos adiados, embrulhados numa venera no palco das vaidades.

Portugal tem uma Revolução para comemorar, um dia que fez a síntese do melhor que herdámos do liberalismo e do 5 de Outubro, uma madrugada que emocionou o Mundo e libertou Portugal da mais longa ditadura do Século XX – o 25 de Abril.

Mas a mórbida evocação dos defuntos é um traço inapagável da nossa identidade.

Portugal prefere o velório à festa, a véspera da perda da independência à alvorada da libertação, a continuidade das cerimónias da ditadura à aurora de todas as liberdades, a missa de aniversário à grandeza épica de Abril.

Portugal prefere viajar de joelhos ao passado a combater de pé pelo futuro.