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Dia: 29 de Janeiro, 2007

29 de Janeiro, 2007 Carlos Esperança

João César das Neves e a IVG

Sob o título «Dizer não à irresponsabilidade» João César das Neves (JCN) debita hoje a habitual homilia das segundas-feiras, no Diário de Notícias.
Perante o referendo que se aproxima, JCN chama «militantes histéricos» aos que não se revêem na sua concepção confessional, epíteto bem ao gosto dos talibãs romanos. É a atitude de quem não desiste de enviar para os tribunais quem interrompe a gravidez e procura remeter para a clandestinidade as mulheres que se encontram desesperadas.
JCN julga (ou falseia) que é a liberalização do aborto que está em causa quando é, apenas, a consequência penal que vai a votos.
JCN refere o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, que proíbe aos médicos participar na IVG, e, perante a sua inevitável revisão, pergunta em jeito de chantagem: «Mas que devemos pensar de uma classe que muda as suas regras éticas ao sabor da votação e das modas culturais»?
Fazendo tábua rasa da legalidade democrática e omitindo o que se passa na maioria dos países europeus, JCN apenas pretende ser a voz laica do clero romano, o pecador que quer redimir os pecados com a fidelidade ao seu confessor, debitando uma homilia com a visão apocalíptica sobre a eventual vitória do Sim.
Perante as diatribes do virtuoso e pio articulista, vale a pena ler os seguintes artigos do mesmo DN, de hoje:

Editorial;

– “Tou? Dona Maria? Tenho aqui um problemazinho…” ;

29 de Janeiro, 2007 Carlos Esperança

A confissão é uma arma

O pasquim da paróquia do Vaticano, «L’Osservatore romano», classificou Sábado como «ultraje ao sentimento religioso» a reportagem publicada na revista italiana «L’Espresso» com as respostas de sacerdotes a falsas confissões sobre temas éticos e sociais da actualidade.

A confissão foi sempre uma arma da ICAR, às vezes como solução dos recalcamentos sexuais dos padres, outras como instrumento privilegiado de espionagem ao serviço do Vaticano.

O crime de devassa da intimidade dos crentes foi elevado à categoria de sacramento e a fragilidade psicológica dos supersticiosos recompensada com o perdão dos pecados que os sinais cabalísticos dos confessores e a penitência se encarregam de conceder.

A diversidade das respostas às perguntas feitas nas «confissões» dos jornalistas sobre assuntos como o preservativo, a SIDA, a homossexualidade e as células embrionárias provaram que a ICAR não tem princípios, basta-lhe a manutenção do poder.

Os padres não são ungidos para preservar a moral, ainda que obsoleta e, eventualmente, perversa. Levam com um sacramento – a Ordem – para os tornar guerreiros de Cristo e embusteiros da fé. O Vaticano é um antro onde o poder vive da informação que os seus núncios recolhem nas chancelarias e os padres nesse local de devassidão que são os confessionários.

O Deus do Papa é indiferente à fé de quem se ajoelha aos pés dos padres. Umas vezes são devotos à procura de perdão, agora foram jornalistas em busca da verdade.

29 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Assim Não: versão Gato Fedorento

Ricardo Araújo Pereira (RAP) no seu melhor! Claro que a homilia de ontem de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o tema foi ainda mais surreal que qualquer sátira…

29 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Esquizofrenia aguda

Um Bento XVI completamente empenhado na cruzada contra a ciência debitou ontem mais um ataque ao uso da razão, que segundo o Papa causa uma esquizofrenia terrível, ou mais concretamente:

«Deve admitir-se que a tendência para se considerar verdade apenas aquilo que pode ser experienciado constitui uma limitação à razão humana e produz uma esquizofrenia terrível, causa da existência do racionalismo, materialismo e hipertecnologia».

Para além de não perceber o que seja a hipertecnologia denunciada como um mal por Bento XVI e ter dificuldade em aceitar que alguém considere maléfico o uso da razão, só posso considerar como uma manifestação aguda de dissociação cognitiva que o responsável por uma organização assente em «revelações» do «outro mundo» acuse de esquizofrenia quem nunca experienciou excesso de dopamina nas fendas sinápticas e como tal seja avesso a aceitar como verdade alucinações, delírios e percepções irreais sortidas!

Não sei se as tolices debitadas pelo Papa foram causadas pela perda de contacto dos padres italianos com o mundo segundo Bento XVI, padres que por insistirem em usar a razão se desviam completamente da demente doutrina católica no que respeita aos temas éticos e sociais que têm dominado as emanações do Vaticano nos últimos tempos.

Nomeadamente, parece que nem os padres italianos aceitam a doutrina oficial do Vaticano no que respeita a eutanásia, homossexualidade, uso profiláctico do preservativo, investigação em células estaminais e aborto. De facto, o periódico italiano L’espresso, numa peça considerada ultrajante pelo jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore romano, reporta a constatação de um facto, que até os representantes da Igreja consideram que muitas «santas e infalíveis» emanações da Santa Sé são patetadas que se devem rejeitar, isto é, advogam «a religião faça você mesmo» tão execrada por Bento XVI.

Os epítetos com que Bento XVI mimoseia quem não aceita os ditames da ICAR têm sido uma revelação para muitos. Depois de igualar o ateísmo ao nazismo, apelidou de terroristas os cientistas que não acatam as ordens da Igreja e agora afirma ser esquizofrenia o uso da razão! Aguardo com um frémito de antecipação mais doutas e infalíveis manifestações do léxico papal!

29 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Huh? Não se importam de repetir?

Este pessoal do NÃO é completamente alucinado. A primeira vez que li as opinações do blog AssimNão mais uma vez pensei estar a ler o equivalente nacional do meu jornal satírico favorito, «The Onion», de tal forma os artigos confirmavam a máxima do mesmo!

Esta teoria da conspiração, que acusa o SIM de … ter perdido o referendo de 1998 de propósito para manipular a opinião pública (!?) é tão cretina que a transcrevo sem mais adjectivações!

«Foi, uma jogada de mestre, dos defensores do sim terem conseguido que o ministério público a começasse a levantar processos-crime depois do Não ter saído vencedor do referendo de 98. Com todo o circo que isso criou de escutas telefónicas, detenções em directo, julgamentos cheios, servindo o intuito claro de chocar a opinião pública que, evidentemente, ficou chocada por se criminalizar um costume que até então ninguém ousara criminalizar.»
Anreia Neves, Portal «Assim não»

Quiçá fosse boa ideia a devota autora ler a contribuição de José Miguel Júdice para o blog SIM no referendo, nomeadamente a parte em que o ex-Bastonário da Ordem dos Advogados diz «não entendo que se defenda a manutenção de um tipo legal de crime e se não aceite que quem infrinja tal comando etico-juridico seja punido. Sempre fui contra a anomia que destrói as estruturas sociais. As sociedades podem mudar as leis, mas devem sempre aplicá-las enquanto estejam em vigor. Defender que se vote ‘não’ e que se não puna quem pratica abortos é, na minha opinião, contra o Estado de Direito

Mas a estrela da cretinice é a opinação seguinte, da autoria de Inês Teotónio Pereira, que debita pérolas como:

«Há uma Vida com dez semanas – que faz caretas, tem dentes de leite, impressões digitais e um coração a bater».

Com argumentos deste calibre não há discussão racional possível com os apóstolos do NÃO!

29 de Janeiro, 2007 lrodrigues

E se o «NÃO» ganhar?

Independentemente dos critérios que levarão os portugueses a votar «SIM» ou «NÃO» no próximo referendo sobre a despenalização do aborto, e (longe vá o agoiro) se o «NÃO» ganhar?

O que mudará neste caso em Portugal?
A resposta é por demais simples, e tão óbvia que até chateia: nada vai mudar; tudo ficará na mesma como agora.
Quer então isto dizer que depois do referendo vai deixar de haver mulheres a abortar em Portugal?
Claro que não!
Como é por demais óbvio, nem uma só mulher em Portugal que pretenda abortar (e independentemente dos motivos que a tiverem levado a tomar essa decisão) e tenha decidido nesse sentido, vai deixar de o fazer em função do resultado de um referendo.
O número de abortos que se vão realizar em Portugal será precisamente o mesmo.
Então, e se o «NÃO» ganhar, a prática do aborto que não se insira na lei já actualmente em vigor (violação, malformação do feto ou perigo para a saúde da mãe) continuará a ser criminalizada e penalizada.
Mas, apesar disso continuará a haver abortos em Portugal, já que a penalização, como é sabido, nunca constituiu o menor motivo de dissuasão para as mulheres que pretendam abortar.
É por isso que as mulheres que tenham decidido abortar se dividirão em dois grupos: as que têm dinheiro e as que não têm.
As que têm dinheiro irão fazê-lo em clinicas inglesas, ou até aqui bem pertinho, em Badajoz. E o número de abortos, quanto a estas, será precisamente o mesmo.
Aliás, se eu fosse um dono sem escrúpulos de uma clínica de Badajoz o que eu faria melhor era financiar o mais possível a campanha do «NÃO». Mas isso é outra conversa.
As mulheres que não têm dinheiro e que tenham decidido abortar recorrerão a uma clínica clandestina, a um qualquer «vão de escada», ou até a uma «parteira» amiga, que tem muita experiência em meter agulhas de tricot por mulheres adentro, e até lhes faz um desconto.
Então, por sua vez, as mulheres sem dinheiro que tenham decido abortar clandestinamente dividir-se-ão em dois grupos: aquelas a quem a coisa corre bem, e aquelas a quem a coisa corre mal.
Aquelas a quem a coisa correr bem, pode ser que se safem e que não sejam descobertas pelas autoridades policiais.
Aquelas a quem a coisa correr mal, vão de urgência para o Hospital.
Então, se a coisa correr mesmo mal, morrem; se a coisa correr bem, safam-se.
Mas são estas que se safam precisamente aquelas que vão ter um processo crime às costas, porque o médico que as safou é obrigado a participar a ocorrência à Polícia.
Quer então isto dizer que se o «NÃO» ganhar no referendo as mulheres que abortem e as pessoas que as auxiliem continuarão a ser perseguidas criminalmente.
Serão julgadas e, provado o crime, serão condenadas na pena correspondente, já que o aborto é punido com pena de prisão até três anos.
Mas atenção: só as mulheres que não têm dinheiro.
Porque as que têm dinheiro não terão praticado qualquer crime, porque terão abortado num país estrangeiro onde, porque essa conduta não é punível, ela não deixará qualquer rasto.
Serão então julgadas somente as mulheres mais pobres e com menos recursos que tenham abortado num «vão de escada» e, mesmo dentre estas, provavelmente só aquelas a quem «a coisa correu mal» e que por isso tenham sido «apanhadas».
Essas serão sentadas no correspondente «banco dos réus».
Serão fotografadas por jornalistas à entrada e à saída do tribunal, serão humilhadas perante toda a gente e obrigadas a contar e a explicar, para quem quiser ouvir, os motivos mais íntimos e pessoais que as terão levado a uma decisão tão trágica como é a de abortar.
Provado o crime, serão então condenadas na pena correspondente, já que o aborto é punido com pena de prisão até três anos.
Em suma, se o «NÃO» ganhar, tudo ficará na mesma em Portugal.
Porque foi nesse sentido que as pessoas que terão votado «NÃO» no referendo terão decidido.
E terá sido nesse mesmo sentido, aliás, que terão decidido as pessoas que optem por abster-se no referendo.
Todas elas terão decidido por si próprias e, obviamente, e porque se acham nesse pleno direito, terão decidido também pelas outras pessoas.
Se o «NÃO» ganhar, presumo que essas pessoas fiquem satisfeitas.
Afinal, e pelos vistos, pensam que como está é que tudo está bem….

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)