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Dia: 28 de Janeiro, 2007

28 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Inspectores Forenses da Vagina – II

Considerando que os cruzados pelo NÃO, pelo menos de 11 movimentos, comungam tão em uníssono que se fizeram representar pela mesma pessoa no sorteio dos tempos de antena, tenho uma certa curiosidade em saber se partilham igualmente a condenação do aborto terapêutico que encontrei aqui e, caso afirmativo, porque razão não o afirmam publicamente.

Uma condenação que, não obstante todos os protestos de que a IVG não é uma questão religiosa, transcreve literalmente a posição da Igreja Católica sobre o tema, expressa, por exemplo, na encíclica Humanae Vitae, que afirma peremptoriamente «o aborto, mesmo por razões terapêuticas, deve ser absolutamente proibido».

Posição reiterada pela sucessora do Santo Ofício da Inquisição, a Congregação para a Doutrina da Fé, que confirma que o aborto terapêutico não é admissível sequer em casos «de vida ou de morte para a mãe».

Ressalvando a interpretação «progressista» da doutrina católica debitada, que considera «moral» mutilar a mulher removendo uma trompa grávida ou um útero canceroso através do sofisma que dá pelo nome de duplo efeito, a interpretação tradicional encontrada na Enciclopédia Católica afirma categoricamente que é ilícita qualquer intervenção numa gravidez, mesmo numa gravidez ectópica em que o embrião é «um agressor injusto» mas o efeito negativo (remover o embrião) é o meio de obter o positivo (salvar a mulher).

Para quem pense que esta posição é totalmente incompatível com o século XXI relembro o primeiro post com o mesmo título que confirma existirem alguns países em que vigora a estrita proibição da IVG, mesmo em caso de perigo de vida da mulher. Sem qualquer surpresa verificamos serem todos países em que o peso político da Igreja Católica é (ou foi) muito grande. Nomeadamente, e para além do Vaticano, claro, o Chile, Malta, El Salvador, Nicarágua e até recentemente a Colômbia.

As meias tintas dos bispos nacionais, que a crer em alguma comunicação social conseguem defender simultaneamente o voto «não» e a «despenalização» da mulher, são, como disse o Ricardo, apenas uma forma de manipular consciências. Obtêm o resultado pretendido (votos NÃO), aliviando ao mesmo tempo o peso de consciência daqueles que não querem ver penalizadas as mulheres que interrompem uma gravidez. Mas um voto NÃO, não obstante as confusões lançadas por alguns sectores católicos, é simplesmente afirmar que se concorda com a punição destas mulheres! Apenas isso!

E estas confusões católicas escondem a real posição da hierarquia da Igreja, que já declarou ser imoral a lei actual e avisou que a vitória do NÃO «não significa a nossa concordância com a Lei vigente». Isto é, gostariam para Portugal de um código penal análogo ao encontrado nos redutos do catalicismo mais jurássico!

Como hoje afirmou Jorge Sampaio no encontro de eurodeputados pelo SIM:

«Não cabe ao Estado democrático aderir, professar ou defender, a propósito, uma singular ou particular concepção moral, filosófica ou religiosa. Nem, consequentemente, cabe ao Estado democrático inquirir os cidadãos sobre as concepções que cada um sustenta nesse domínio. Portanto e definitivamente por mais que alguns pretendam continuar a confundir, manipular e distorcer sobre o que está em causa neste referendo que fique claro que não é de nada disso que se trata.»

«Nesta consulta popular a única questão a decidir é sobre se, sim ou não uma mulher que interrompe voluntariamente a gravidez nas primeiras 10 semanas e num estabelecimento autorizado deve ou não ser penalizada, ser perseguida, julgada, condenada e eventualmente enviada para a prisão. SIM ou NÃO».

Por muito que os fundamentalistas católicos não o aceitem, Portugal é uma democracia, não é uma teocracia! Votando SIM no próximo referendo assumimos a maturidade democrática que tarda em arribar em terras lusas! E repudiamos a existência de inspectores forenses da vagina…

28 de Janeiro, 2007 pfontela

A Indignação

Uma das coisas mais bizarras que se passam nos dias de hoje é sem dúvida nenhuma a indignação religiosa face à modernidade. Os crentes ficam indignados com a emancipação da mulher, com a liberdade de escolha individual, com os sistemas de valores não autoritários, enfim ficam irritados com tudo o que não seja um claro sim às suas posições sociais e políticas (convém lembrar aos mais esquecidos que essas posições não são actualizadas há séculos e que se baseiam em conceitos que já eram antiquados na renascença). No meio de tanta raiva e indignação nunca lhes ocorre ver ou pensar sequer nos outros.

Como será que os ateus se sentem no meio disto tudo? Como é que os defensores da igualdade dos sexos se sentem ao terem que lutar todos os dias por algo que devia ser um direito adquirido? Como é que as minorias sexuais que foram perseguidas, humilhadas e chacinadas se sentem ao ver os mais básicos direitos negados pelas mesmas pessoas que acenderam os fogos dos autos de fé? Todas estas coisas não parecem sequer ocorrer ao crente médio. Em parte é cegueira derivada de viver numa sociedade que recompensa a afirmação de todas estas alarvidades e em parte é apenas egoísmo. Não querem saber porque não estão para ser incomodados, eles estão certos porque sim. Porque o livro diz que sim. Porque uns homenzinhos de fatiota não resolveram os complexos de juventude dizem que sim.

Cada vez que um crente atirar à cara que se sente ofendido com A ou B eu faço questão de lhe dar uma lista detalhada de tudo o que nele e na sua religião me é pessoalmente ofensivo, tudo o que é politicamente opressivo e simplesmente injusto. O resultado normalmente é o amuo. Sentimento digno de uma criança que ficou chateada ao lhe dizerem que o mundo não existe para a satisfação dos seus caprichos pessoais.

Publicado também no InBetween
28 de Janeiro, 2007 dsottomaior

BRASIL para TODOS

Apesar de o estado brasileiro ter se tornado oficialmente laico com o fim do império, desde então concedeu-se tacitamente ao cristianismo romano, e somente a ele, a manutenção do privilégio de exibir seus símbolos nos lugares mais proeminentes de câmaras legislativas, tribunais e outras dependências dos três poderes, desde hospitais do interior até o senado e a câmara federais, o Supremo Tribunal e o palácio da presidência da república.

Ao longo de mais de um século, população e autoridades permaneceram religiosamente calados a essa afronta à lei e à neutralidade do estado, com exceções que se contam nos dedos de uma mão. Todas as sociedades convivem com ilegalidades sem poderem extirpá-las completamente, mas é difícil pensar em exemplos em que a contravenção é escancaradamente aberta, universal, e não só não é combatida como é orgulhosamente sustentada nos próprios salões do poder judiciário, que deveria ser o defensor da lei. Onde se terá visto inversão de valores dessa ordem durar por tanto tempo?

Agora finalmente os ventos começam a mudar. Em 2005, o juiz Roberto Arriada Lorea tentou sem sucesso remover crucifixos dos tribunais. No ano passado, um consciencioso cidadão levou ao conhecimento do Ministério Público a existência de um crucifixo nas dependências da Universidade de São Paulo. Embora o MP tenha sido informado do que já sabia, sua atitude
foi a de seguir a lei e pedir a retirada do símbolo, no que foi atendido. Uma vez estabelecido esse precedente, ficou claro que se podia estabelecer uma campanha de ampla retirada de símbolos religiosos em repartições públicas através do envio maciço de representações ao MP.

De fato, essa campanha foi lançada com o nome BRASIL para TODOS. O site www.brasilparatodos.org disponibiliza todos os endereços do MP no país, assim como um modelo de representação que os visitantes podem utilizar. Os próprios organizadores da iniciativa já se mobilizaram com relação a uma lista inicial de 13 símbolos religiosos, e no momento aguardam a resposta do judiciário. Esta é a primeira iniciativa do tipo no Brasil.

A campanha também é inédita também pelo fato de contar com o apoio de uma série de líderes religiosos, incluindo um importante bispo católico (aposentado), que se unem com descrentes, juristas, políticos e acadêmicos para levar o projeto adiante. Apesar de suas diferenças, todas essas pessoas se uniram no entendimento de que a lei e a cidadania em uma sociedade plural estão acima de preconceitos paroquiais e interesses de proselitismo sectarista. É uma lição de civilidade e modernidade e cabe a todos nós não só torcer por seu sicesso, como ajudá-lo ativamente. As instruções estão no próprio site. Para os interessados no assunto, está prevista a exibição de matéria a respeito no Jornal Hoje, da rede Globo, segunda-feira a partir das 13:15.

28 de Janeiro, 2007 Ricardo Alves

Não lhes perdoem: eles sabem o que fazem

Ao defender simultaneamente o voto «não» e a «despenalização» da mulher, os bispos da ICAR estão a fazer o que sabem fazer melhor: manipular consciências. Obtêm o resultado pretendido (votos «não»), aliviando ao mesmo tempo o peso de consciência daqueles a quem custa que as mulheres sejam investigadas ou presas.

Na realidade, a única forma de garantir que as mulheres não serão investigadas pela polícia e pelos tribunais é votar «sim». E assim contribuir para que as penas previstas nos §3 e §2 do artigo 140º do código penal, que criminalizam respectivamente a mulher que aborta e quem a ajuda a fazê-lo, deixem de ser aplicáveis até às 10 semanas. «Despenalizar» apenas a mulher, sem «despenalizar» quem a ajuda, seria descriminalizar o «aborto de vão-de-escada». O que é necessário é criar condições para que se façam IVG´s, a pedido da mulher, em legalidade e em segurança. O que só se consegue votando «sim».

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28 de Janeiro, 2007 Ricardo Alves

Espalhar a confusão

A ICAR está deliberadamente a espalhar a confusão no debate sobre a despenalização da IVG. Por exemplo: num discurso realizado na terça-feira, o bispo de Viseu afirmou que «matar a vida às 10, às 20, às 30 semanas ou ao nascer, ou aos 5 ou aos 10 anos, tem a mesma gravidade ética e objectiva». Portanto, equiparou o aborto ao homicídio, pelo menos no plano ético. No entanto, e apesar do radicalismo do discurso (onde chegou a defender a criminalização do suicídio e do uso de embriões para fins terapêuticos) alguma imprensa parece só ter ouvido a parte em que dizia que «não está em causa a penalização da mulher, pois a Igreja não pede, nunca pedirá, que alguém seja penalizado». Várias notícias apareceram com títulos como «Bispo votava ‘sim’ “se só estivesse em causa a despenalização”» ou «Bispo Viseu: “votaria sim à despenalização da mulher”»…

Neste referendo, só se pode ser coerente ou querendo terminar com a penalização e votando «sim», ou querendo manter a penalização e votando «não». A posição da ICAR (afirmar-se contra a punição das mulheres e defender o «não») faz tanto sentido como votar «sim» querendo enviar as mulheres para a cadeia.

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28 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Sim no Referendo

Até 11 de Fevereiro vou andar essencialmente por aqui. Porque acho que de facto dia 11 de Fevereiro se decide também o futuro de Portugal, o modelo de sociedade que queremos construir. Porque uma lei que reflecte claramente falta de confiança na mulher, que não a considera capaz de tomar decisões, corresponde a uma sociedade que não se coaduna com os valores que supostamente deveriam ser os nossos, valores assentes nos direitos do Homem. Se o resultado do referendo for NÃO, a nossa é quanto muito uma sociedade que reconhece (apenas) os direitos do homem…

Como essa seria uma sociedade em que não me revejo, importa mais que nunca que unam esforços todos os que não querem uma regressão civilizacional do nosso País – porque ninguém pense que se o NÃO ganhar os fundamentalistas católicos nacionais se contentam com tão pouco, o próximo post que continua a analisar os «Inspectores Forenses da Vagina» torna-o claro!

O blog Sim no Referendo é o paradigma do que em minha opinião é indispensável para a construção de um Portugal melhor, onde as diferenças – políticas e religiosas – se esbatem num objectivo comum: a defesa conjunta dos valores civilizacionais de uma sociedade moderna, plural e democrática!

Assim, aceitei imediatamente o convite que me endereçaram para colaborar neste blog, já que considero que o fado português que carpe os «eles», que aponta o dedo a uns «eles» responsáveis por tudo o que de mal acontece no país, esquece que Portugal não são «eles», somos nós! Apenas quando todos assumirmos que Portugal será o que nós queremos e trabalharmos conjuntamente para que seja, estaremos de facto no caminho para o Portugal melhor que muitos esperam «eles» construam!

Votar SIM dia 11 de Fevereiro é assumirmos finalmente a cidadania e quebrarmos as amarras a uns «eles» paternalistas e impessoais! Votar SIM é a prova da maturidade democrática de um Portugal que somos nós, mulheres e homens livres de um país que finalmente quebrou as amarras de um passado enevoado por brumas sortidas!

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