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Dia: 16 de Janeiro, 2007

16 de Janeiro, 2007 Carlos Esperança

Laicidade e democracia

A laicidade do Estado é condição indispensável à existência da democracia. Sem total respeito por todas as crenças, não-crenças e anti-crenças, numa absoluta neutralidade confessional, é impossível assegurar a paz religiosa e neutralizar os ímpetos prosélitos dos crentes mais exaltados.

As teocracias islâmicas, no desespero do ocaso de uma civilização falhada, perturbam a estabilidade mundial e são um perigo para a paz que alguns líderes ocidentais agravam.

O fascismo islâmico, longe de constituir a vacina que se impunha quanto à separação sanitária entre o Estado e a Igreja, deu origem a um estranho mimetismo que conduziu à infiltração de regimes ocidentais por um agressivo clericalismo de contornos nebulosos.

O boato e as campanhas pagas, ou ingénuas, servidas por uma multidão de beatos, têm criado as condições propícias para o avanço do clericalismo. O exemplo mais boçal foi a invenção de que a comemoração do Natal estava em perigo quando o único risco é o da sua obrigatoriedade.

Poucos sabem que a imaginária guerra ao Natal foi inventada nos EUA, há pouco mais de um ano, pelos comentadores da cadeia extremista FOX, que distorceram a realidade e inventaram pretensas ofensas dos «humanistas» aos rectos cristãos americanos. O que, então, fracassou nos EUA teve êxito, um ano depois, na Europa.

A cruzada para introduzir referências confessionais na Constituição Europeia foi um treino para novas ofensivas que culminaram na contestação da Conferência Episcopal Espanhola à legislação sobre família e ensino do Governo Zapatero, à exigência clerical de várias confissões para o assalto ao ensino privado e, recentemente, na mobilização das hostes católicas, em Portugal, na luta contra a descriminalização da IVG.

Não há anticlericalismo sem clericalismo, nem liberdade sem laicidade. A teocracia é a mais grotesca negação da democracia. Os europeus parecem ter esquecido as guerras da Reforma e da Contra-Reforma e nada terem aprendido com a desintegração recente da Jugoslávia.

16 de Janeiro, 2007 jvasco

Hereditariedade

«O uso comum deste termo difere bastante do seu uso técnico, e no livro «Genetic Entropy: The Mystery of the Geneome» Sanford tira proveito desta diferença para enganar o leitor. Sanford afirma que, como a hereditariedade do sucesso reprodutivo (fitness) é quase nula, é evidente que a selecção natural não pode ter contribuído para a evolução nem pode impedir a degeneração do genoma. Este tipo de erro, comum entre os criacionistas, é normalmente explicável por simples ignorância. A maioria dos criacionistas que ataca a teoria da evolução não sabe o que diz. Mas Sanford sabe, e neste caso é claro que está a enganar o leitor. Vou começar mais atrás para tentar explicar porquê.

Não faz sentido perguntar, como muitas vezes se faz, se uma característica provém dos genes ou do ambiente. Sem o ambiente adequado os genes não fazem nada, e sem genes não há ambiente que nos valha. É tão absurdo como perguntar se a música vem do violino ou do violinista. O que faz sentido é procurar as causas da diversidade de uma característica. Se tivermos cem violinos e cem violinistas, podemos testar diferentes combinações de violino e violinista, e determinar se as diferenças na qualidade da musica se devem mais a diferenças entre violinistas ou violinos.

A hereditariedade, em genética, é a fracção da diversidade de uma característica que pode ser explicada pela diversidade genética da população. Por exemplo, a cor da pele. Numa população geneticamente uniforme (e.g. uma aldeia do interior) quase todos terão os mesmos genes e as diferenças serão principalmente devido a factores não hereditários, como idade, exposição ao sol, ou uso de protector solar. Nesta população a hereditariedade da cor da pele é muito pequena. Numa população geneticamente diversa (e.g. Lisboa) é o contrário, pois a maior parte da diversidade desta característica deve-se à diversidade de genes que a influenciam.

A cor da pele, dos olhos, e do cabelo são exemplos de características com uma grande diversidade genética na nossa espécie. Não sendo cruciais para a nossa sobrevivência e reprodução, genes diferentes coexistem facilmente na mesma população. No outro extremo somos geneticamente uniformes. Genes que controlem a formação de órgãos vitais ou qualquer característica com grande impacto no sucesso reprodutivo são filtrados pela selecção natural, reduzindo a diversidade genética. Ter o cabelo mais claro ou mais escuro é indiferente, mas o fígado tem mesmo que funcionar desta maneira, e não nos safamos com genes que façam um fígado diferente.

Sanford diz que a baixa hereditariedade do sucesso reprodutivo demonstra que a selecção natural não funciona. É exactamente o contrário (como ele certamente sabe). A hereditariedade desta característica é pequena porque a selecção natural eliminou quase toda a diversidade genética que causava diferenças no sucesso reprodutivo. Isto demonstra que a selecção natural é um mecanismo poderoso na evolução. E demonstra que ou Sanford conseguiu o lugar de professor associado em Cornell sem perceber nada de genética ou está a tentar enganar os leitores.»

——————————–[Ludwig Krippahl]