Continuando a analisar as falácias dos pró-prisão, o espantalho SNS é fácil de desmontar e não só porque os custos para o SNS dos abortos clandestinos existem e são extremamente elevados – e não apenas em termos materiais, como persistem em ignorar os pró-prisão. De facto, como recordou Pedro Nuno Santos, da Juventude Socialista, «O SNS já tem custos com o tratamento das complicações decorrentes do aborto clandestino, tratamentos que são mais dispendiosos que as interrupções da gravidez até às dez semanas».
Por um lado, não é ainda claro se o SNS, que tem dificuldades em responder aos pedidos das IVGs permitidas actualmente pela lei, vai suportar aquelas que vamos referendar no caso de o resultado ser afirmativo.
Mas mesmo que o faça, este não é um argumento admíssivel para votar NÃO, isto é, não é argumento afirmar que o aborto deve ser crime porque não se quer pagar o comportamento «irresponsável» alheio!
Porque se considerarem que este é um argumento válido, e apenas como um possível exemplo, face a notícias como esta:
eu, do alto da indignação moral conferida pelos meus 1,65m e 50kg, com a força moral dos meus índices de massa corporal e gordura ligeiramente abaixo dos valores estipulados como «normais» pela Organização Mundial de Saúde, dos meus irrepreensíveis níveis de colesterol, triglicéridos e demais indicadores, exijo que a obesidade seja criminalizada!
Na realidade, face a esta argumentação dos pró-prisão, porque razão não se devem considerar igualmente «imorais» os custos que a obesidade acarreta para o estado não só na comparticipação no tratamento das inúmeras doenças acessórias – nomeadamente insuficiência cardíaca, umas das principais causas de morte em Portugal – como nos tempos de improdutividade, baixas e internamentos que um obeso provoca?
Custos que são facilmente atribuíveis a «comportamentos irresponsáveis». De facto, estamos inundados não só de informação sobre as causas da obesidade como sobre as formas de a evitar, nomeadamente uma alimentação equilibrada e exercício físico regular. Posso igualmente considerar que só é obeso quem insiste num comportamento «irresponsável» e não quero que o dinheiro dos meus impostos pague a irresponsabilidade alheia!
Claro que ignoro aqueles que são obesos por razões genéticas mas os pró-prisão ignoram igualmente que não há métodos contraceptivos 100,00% eficazes e que muitas mulheres se encontram a braços com uma gravidez indesejada mesmo quando têm um comportamento «responsável»…
Portanto, senhores pró-prisão, um pouco de seriedade, deixem as falácias debaixo do chapéu e expliquem bem explicadinho porque razão deve ser crime interromper uma gravidez até às 10 semanas e apenas nos casos que ainda não são previstos na lei. Ou seja, porque é alterado ao sabor das conveniências o estatuto ontológico do embrião, o único ponto que deveriam estar a discutir!
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A falácia do espantalho, infelizmente uma das mais utilizadas pelos que que não conseguem rebater os argumentos do oponente, basicamente consiste em desviar a discussão do tema em análise para assuntos laterais, fugindo assim à discussão do que está em causa com um ou mais argumentos sem nada a ver, com especial predilecção por aqueles que podem ser interpretados tendenciosamente por uma faixa larga do público-alvo. Assim, passam a imagem de que os argumentos do oponente foram rebatidos quando na realidade nem sequer os abordam.
No tema aborto, os pró-prisão esgrimem principalmente dois espantalhos. Um deles é aquilo a que já chamo a falácia das Nove Semanas e Meia, isto é, em vez de explicarem porque razão deve constituir crime a interrupção da gravidez até às 10 semanas exigem insistentemente que se explique porquê 10 semanas e não 9 ou 14 ou outro número qualquer. Ora a pergunta a que temos de responder no próximo dia 11 de Fevereiro não tem mais quaisquer alíneas, temos apenas de decidir se devem ir para a prisão as mulheres que abortam em Portugal até às 10 semanas.
Apelos à emoção com imagens falsas e manipuladas de nados-mortos ou fetos do 3º trimestre abortados por razões médicas como sendo o resultado trivial de um aborto «pró-escolha», imagens de fetos de elefante de … silicone e quejandos não explicam porque razão os pró-prisão consideram ser uma pessoa de plenos direitos um embrião ou um feto até às 10 semanas!
A única questão implícita a que estamos igualmente a responder é se consideramos que as mulheres que decidirem interromper uma gravidez indesejada o podem fazer em condições de segurança «em estabelecimento de saúde legalmente autorizado». Ou se achamos que devem ser ainda punidas com riscos consideráveis para a saúde ou até para a vida!
O outro espantalho, passível ainda de um apelo à emoção ou argumentum ad populum com eco em muitos, pode ser apreciado no seu «esplendor» num dos blogs pró-prisão:
«Há mais de 227 mil portugueses nas listas de espera para cirurgia, sendo o tempo médio de espera superior a 6 meses (notícia aqui).
– Ontem, na tsf, dizia-se que alguns hospitais recusavam tratamentos a doentes com esclerose múltipla, alegando razões financeiras.
Gostava que alguém me explicasse quais as consequências da inclusão dos abortos na lista de cirurgias prioritárias ao nível do tempo de espera por cirurgias para tratamento das (verdadeiras) patologias, bem como qual a perspectiva de custo do financiamento estatal do aborto a pedido até às 10 semanas».
Isto é, fogem à explicação de porquê deve ser considerado um assassínio o aborto até às 10 semanas ululando que não querem que o dinheiro dos seus impostos, numa altura de contenção económica em que o governo fecha maternidades e outros estabelecimentos de saúde, pague a «irresponsabilidade» e o «egoísmo» das «fúteis» mulheres!
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