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Dia: 20 de Agosto, 2006

20 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Lech Walesa renuncia ao catolicismo?

«O antigo presidente polaco Lech Walesa ameaçou na sexta-feira renunciar ao título de cidadão honorário de Gdansk (antiga Danzig alemã) para não compartilhar a distinção com o escritor alemão Günter Grass, que confessou há uma semana ter pertencido às Waffen-SS». (DN, hoje, pág. 32).

Admite-se que Walesa, por coerência, renuncie ao catolicismo, para não compartilhar a fé com o Papa Rätzinger que igualmente pertenceu às SS, a não ser que a religião seja menos importante para o devoto Walesa do que uma condecoração.

20 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Encefalização e evolução do homem

Do ponto de vista neurofilogenético, a inteligência das espécies tem sido avaliada pela extensão das áreas associativas corticais, pela massa cerebral e especialmente pela relação massa cerebral/massa corporal ou índice de encefalização (I.E.), o indicador favorito da maioria dos antropólogos.

Apesar de este índice não ser um indicador absoluto de inteligência, especialmente se aplicado a pequenos animais, cujas massas corporal e encefálica são acentuadamente baixas – por exemplo um rato*, com uma massa cerebral de 0.4 g e uma massa corporal de 0.012 kg tem um índice muito superior ao do Homo sapiens – é interessante analisar a evolução deste índice na árvore filogenética humana. Na tabela que se segue são indicados valores médios usando uma das muitas definições de IE.

Espécie

Capacidade craniana /cm3

IE

A. afarensis

414

3.1

A. africanus

441

3.4

P. boisei

530

3.5

P. robustus

530

3.5

H. habilis

640

4.0

H. erectus (Java)

937

5.5

Homo sapiens neanderthalensisH. neanderthalensisHomo sapiens neanderthalensis

1450

7.8

H. sapiens

1350

7.6

P. troglodytes

395

2.6

Ou seja, uma análise desta tabela confirma que a evolução do homem é igualmente a evolução do cérebro, isto é, da encefalização. Este aumento da dimensão do volume craniano associado ao bipedalismo teve algumas consequências não despiciendas, nomeadamente no desenvolvimento do nosso comportamento moral e social.

Como escrevi há uns tempos, o homem é o mamífero superior cujas crias nascem mais impreparadas para o mundo, numa fase em que o seu cérebro mal começou a desenvolver-se. Isto é, nos humanos o cérebro continua a crescer com taxas próximas às fetais durante cerca de 1 ano; nos outros mamíferos (incluindo primatas) o crescimento rápido do cérebro ocorre apenas antes do parto.

De facto, o desenvolvimento de um cérebro (e crânio) maior não acarretou apenas vantagens. Por um lado, um cérebro maior necessita de mais energia – o nosso cérebro consome cerca de 1/5 da energia que produzimos – ou seja, implica a necessidade de uma dieta mais energética, e por outro para um bipedalismo eficiente a pélvis é necessariamente mais estreita.

O parto é assim um acontecimento muito arriscado apenas nos humanos pois para além de um crânio do nascituro comparativamente maior e uma pélvis materna menor, durante o nascimento a cabeça do feto tem de efectuar uma rotação complexa. Ou seja, mesmo com o nascimento numa fase que podemos considerar fetal, a cabeça do nascituro é muitas vezes demasiado grande em relação à pélvis da mãe.

Na realidade todos os nascimentos humanos, como qualquer estudante de biologia sabe, poder-se-iam considerar abortos de fetos viáveis. Esse é quiçá o acaso da selecção natural que resultou no maior trunfo da Humanidade, aquele que distingue o ser do Homem do ser dos demais animais, já que a selecção natural privilegiou os exemplares capazes de dar à luz fetos viáveis sensivelmente a meio do tempo de gestação «normal», fetos com poucas conexões neuronais estabelecidas mas a cujo nascimento uma maior percentagem de gestantes sobreviviam. E é um trunfo que a evolução proporcionou porque o desenvolvimento cerebral extra-uterino é muito mais rico em estímulos o que permite uma «programação» francamente mais diversa e flexível que a possível uterinamente.

Por outro lado, os perigos associados ao parto humano levaram ao desenvolvimento de comportamentos sociais únicos nos humanos, nomeadamente no que respeita à necessidade de cooperação entre as fêmeas de um dado grupo e à relação mãe-cria. Especialmente interessante de analisar no contexto da apologética cristã, no que concerne não só ao desenvolvimento moral como igualmente ao advento da dor no parto, atribuído ao castigo «divino» à mítica Eva depois da dentadinha no fruto da árvore do conhecimento!

(continua)

*O cérebro humano apresenta uma superfície convoluta muito rara – com uma área neocortical de ~2275 cm2 – que é a zona utilizada para a resolução de problemas. A superfície do cérebro do rato é lisa. Ou seja, não é apenas o IE que interessa mas igualmente a «composição» do cérebro.

20 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Encefalização e evolução do homem : Neanderthal

Árvore filogenética humana. Clique na imagem para aumentar.

O recente artigo da Nature que identifica uma zona do genoma humano que poderá ser co-responsável pelo desenvolvimento cerebral humano fez-me recuperar o post que escrevi sobre o projecto do Genoma do Neanderthal.

O que nos torna diferente das outras espécies animais são as capacidades possibilitadas por um cérebro único no reino animal. Perceber a evolução humana é assim perceber o processo de evolução do cérebro humano, ou encefalização.

O bipedalismo teve um papel crucial na expansão do neocortex humano já que não só a posição erecta possibilitava mais estímulos visuais – o que implicava o desenvolvimento de uma maior cérebro necessário para processar este aumento de informação – como a maior versatilidade de movimentos implicava uma expansão cortical, nomeadamente da área de Broca, para controlar estes novos movimentos.

Um estudo recente – que descreve que os macacos rhesus usam regiões do cérebro correspondentes aos principais centros de linguagem humanos, as áreas de Broca e Wernickes, no tratamento das vocalizações de macacos da mesma espécie – publicado na Nature NeuroScience (reservado a assinantes), propõe que os mecanismos neuronais necessários à evolução da linguagem humana estavam presentes no ancestral comum de humanos e restantes primatas.

Ou seja, corrobora não só Stephen J. Gould, que argumentava ser a linguagem um sub-produto do processo evolucionário e que boa parte do que nos distingue dos restantes animais são consequências colaterais do processo de encefalização, como a recente hipótese de Chomsky e colaboradores sobre a evolução da linguagem humana. Chomsky sugere que a maioria dos aspectos da linguagem humana são partilhados com os modos de comunicação de outras espécies mas que alguns pontos específicos são um produto recente da evolução do cérebro humano e são únicos ao Homo sapiens.

O nosso conhecimento da evolução do cérebro humano é, no entanto, rudimentar, e o pouco que sabemos deve-se a estudos comparados da neuroanatomia de espécies extintas. De igual forma, pouco se sabe sobre a evolução da especialização do cérebro humano e concumitantes capacidades comportamentais e cognitivas únicas aos humanos. A genética molecular é assim uma das poucas técnicas disponíveis para elucidar esta questão e por isso a sequenciação do genoma do Neanderthal será um marco importante, já que acredito ser a diferença entre os cérebros do Neanderthal e do sapiens a razão do sucesso da nossa espécie.

Já foram identificados alguns genes envolvidos no processo de encefalização que ocorreu durante a evolução humana. Dois desses genes são o microcephalin e o ASPM (abnormal spindle-like microcephaly associated). Uma examinação do polimorfismo destes genes indica que certas variantes surgiram há aproximadamente 5 800 e 37 000 anos respectivamente, ou seja, muito depois do aparecimento dos homens modernos, o que ocorreu há cerca de 200 000 anos. O aparecimento da variante da microcephalin coincide com o desenvolvimento da agricultura e o uso de linguagem escrita pelo que é tentador correlacionar este gene com a cognição humana.

O GLUD2 é outro gene «implicado» na evolução do cérebro humano. Este gene, que surgiu nos hominídeos há cerca de 18-23 milhões de anos, codifica a enzima glutamato desidrogenase (GDH), uma enzima que regula a concentração de glutamato e permite maior actividade neuronal.

A comparação dos genomas humano e do Neanderthal não irá elucidar as diferenças anatómicas ou funcionais entre o cérebro deste e o do sapiens, mas permitirá uma análise dos acontecimentos a nível molecular subjacentes à evolução do cérebro humano. Especialmente interessantes serão a análise e comparação não só de genes tais como o microcephalin, ASPM, GLUD2 ou HAR1F , como das sequências que regulam a respectiva expressão.

(continua)