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Dia: 19 de Agosto, 2006

19 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

A Argentina e o aborto

Só nos hospitais da província de Buenos Aires registam-se, em média, 95 abortos diários. Segundo o Centro de Estudos Estado e Sociedade (Cedes) morrem vítimas de aborto clandestino 27,4% das mulheres que a ele recorrem.

A hipocrisia, mais acentuada do que a outras latitudes, ignora o grave problema de saúde pública e só se torna notícia quando o caso assume contornos especiais.

Não interessa o drama diário de milhares de mulheres, destaca-se um drama particular que interpela diversas autoridades que se refugiam na moral e na fé.

Recentemente uma deficiente mental, de 19 anos, com idade mental de 10 anos, violada, viu ser-lhe negado o direito ao aborto, solicitado pelos tutores, num hospital do Estado.

Médicos, juízes e bispos são solidários na luta contra a despenalização do aborto. A irmã da deficiente interrogava-se, desesperada: «não vêem que, com a capacidade mental de 10 anos, ela não compreende que vai ser mãe e terá uma criança»?

Na sexta-feira passada, os nove membros do Supremo Tribunal de Buenos Aires ouviram a jovem deficiente, à porta fechada, antes de proferir a sentença. Tudo indicava que autorizariam o aborto.

Perante tal eventualidade não se fez esperar a reacção colérica do arcebispo de La Plata, Héctor Aguer: «A suposição de que a criança possa nascer com um defeito físico ou psíquico não autoriza a sua eliminação. Ou pensa-se, quiçá, que é possível produzir uma humanidade ideal»?

19 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Os perigos de uma educação universitária

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O número de Agosto da revista da American Family Association, uma organização de extrema-direita teocrata anteriormente conhecida como National Federation for Decency, contém um artigo que considero extremamente revelador da mentalidade obscurantista e castrante dos teocratas americanos.

No artigo, cujo objectivo me pareceu ser convencer devotos pais a não mandar os seus filhos para a Universidade, são apresentadas as razões que permitem à iluminada autora prevenir os ditos pais que «os ‘campuses‘ [a iletrada que escreveu o artigo não sabe que o plural de campus é campi] universitários funcionam como doutrinação no reino do liberalismo», fervilhando de ideias «blasfemas» derivadas do execrado secularismo que permeou os meios académicos norte-americanos. De facto, segundo a teocrata escriba, Rebecca Grace:

«As universidades modernas, tendo perdido as suas convicções morais, ligaram-se a doutrinas relativistas tais como tolerância e diversidade, o que significa, na prática, tolerância de tudo menos a fé bíblica e a moralidade tradicional».

Traduzindo por miúdos, Grace adverte os pais que se mandarem os filhos para a Universidade eles vão perceber que existem pessoas neste mundo que pensam e agem de forma diferente da preconizada pelo conjunto de delírios neolíticos que dá pelo nome de Bíblia e, horror dos horrores, que essas pessoas não só têm direitos, nomeadamente a existir, como a não serem perseguidos. E, tal como a autora, não tenho dúvidas irão descobrir que ser-se tolerante é necessariamente sinónimo de ser-se anti-cristão.

Esta diversidade e tolerância totalmente anti-bíblicas, a total desorientação espiritual do campus moderno, de acordo com J. Budziszewski, que escreveu sobre o tema num artigo da revista de outra organização teocrata, a Focus on the Family, citado por Grace, devem-se a:

«Métodos de doutrinação que incluem não apenas disciplinas mandadórias mas também a cursos de orientação de calouros, códigos de discurso, cursos obrigatórios de diversidade, normas de dormitórios, linhas para organizações estudantis e aconselhamento psicológico».

Como escreve PZ Meyers, para além das disciplinas anti-bíblicas como Biologia e afins, não se percebe como os pontos enunciados podem ser considerados anti-cristãos. Excepto, claro, as normas de discurso que proibem a mui bíblica vociferação contra homossexuais e restantes «pecadores» e o aconselhamento psicológico que pode tornar os cristãos renascidos «normais» e mentalmente sãos…

O gráfico apresentado como papão pela mui cristã Focus on the Family, que se esforça a convencer os fiéis que uma educação universitária é equivalente a pôr em perigo a salvação da «alma» – afinal estas organizações precisam de manter os seus generosos financiadores ignorantes e estúpidos para que continuem generosos e financiadores – é, tal como o artigo, completamente imbecil em termos estatísticos. Mas claro que quanto mais educadas forem as pessoas menor a respectiva possibilidade (e capacidade) para acreditar nos dislates debitados pelos fundamentalistas teocratas!

19 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Desenvolvimento cerebral humano e o HAR1

Esquema de um neurónio. As dendrites são receptores de estímulos, as «antenas» do neurónio. Os axónios são prolongamentos mais ou menos longos que actuam como condutores dos impulsos nervosos. O axónio entra em contacto com outros neurónios e/ou outras células (por exemplo células da glia) pelo terminal axonal. À região entre o terminal axonal de um neurónio e as dendrites do adjacente chama-se sinapse. Um neurónio pode estabelecer entre 1000 a 10000 sinapses.

Desde a recente publicação do genoma do Pan troglodytes ou chimpanzé, inúmeros cientistas têm analisado comparativamente a sequência genética do Pan troglodytes com o genoma humano em busca das alterações genéticas fundamentais que expliquem a evolução humana.

O comparação do genoma humano com o dos seus parentes próximos na árvore filogenética dos primatas tem sido até agora maioritariamente devotada à comparação dos genes codificantes de proteínas mas a maioria das alterações genómicas entre as duas espécies, cerca de 99%, verifica-se em zonas não codificantes (de proteínas).

A equipa de David Haussler da UCSC (Universidade da Califórnia Santa Cruz) decidiu olhar para todo o genoma à procura de zonas conservadas (isto é, com poucas alterações) noutras espécies mas com alterações significativas entre humanos e chimpanzés. Claro que com aproximadamente três mil milhões de bases no ADN humano a deriva genética durante os cerca de 6 milhões de anos que separam os dois ramos evolucionários, humano e do chimpanzé, é um factor não despiciendo que Hussler levou em consideração na sua análise.

Ontem foi publicado na revista Nature um estudo do consórcio em que Hussler se inclui, constituído por cientistas dos Estados Unidos, Bélgica e França, que identificam 49 zonas, as HAR ou «Região Acelerada Humana», em que a variabilidade genética entre as duas espécies é mais evidente. Na mais activa, identificada como HAR1, encontraram 18 diferenças numa sequência de 118 nucleótidos muito conservada entre chimpanzés e galinhas, duas espécies que se separaram do ancestral comum há 310 milhões de anos, e que apresentam apenas duas alterações na sequência.

A zona em questão pode ajudar a explicar a evolução do cérebro humano já que codifica ARN expressado em células que têm um papel crucial no desenvolvimento do córtex e pode lançar luz sobre o que confere ao cérebro humano as qualidades que nos distinguem dos outros animais.

O cérebro do chimpanzé tem apenas cerca de um terço das dimensões do cérebro humano e os factores responsáveis pelo desenvolvimento cerebral são um ponto fulcral na compreensão da evolução humana. Como David Hussler afirma, este gene, o HRA1, pode estar envolvido num passo crítico deste desenvolvimento, embora, como também indica, seja provável que mais genes estejam envolvidos.

O HAR1 faz parte de um novo gene de ARN, o HAR1F, expressado nos neurónios Cajal Retzius, que estudos anteriores indicaram serem determinantes no desenvolvimento cortical já que regulam a expressão da relina (uma proteína que regula a migração e crescimento neuronal; mutações no gene que a codifica podem dar origem a autismo, esquizofrenia, etc.). A equipa de investigação verificou que a relina e o ARN HAR1 são co-expressados em regiões muito específicas do cérebro entre as 7 e 19 semanas de gestação.

O córtex cerebral, sede de algumas das funções mais complexas do cérebro, como a linguagem e o processamento da informação, tem igualmente um papel muito importante no nosso comportamento moral.