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Dia: 5 de Agosto, 2006

5 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Os criacionistas, Epicurus e a mecânica quântica

«O Mundo como o conhecemos foi criado por uma colisão fortuita de átomos»
Titus Lucretius Carus, De Rerum Natura (Da Natureza das Coisas), Livro V

A refutação de dados científicos pelos criacionistas da Terra jovem são hilariantes de tão cretinos. Por exemplo, pretendem que todos os métodos de datação que indicam muitos milhões de anos para a idade da Terra, são falíveis já que assentam em pressupostos errados, isto é, não são assentes nas Escrituras.

Mas a estrela da cretinice diz respeito à mecânica quântica que parece exercer um fascínio especial nos criacionistas. Uns pretendem que o desvio para o vermelho é um «efeito quântico»*, logo não prova que o Universo está em expansão – isto é, o Universo mantem-se tal qual a impossibilidade lógica Deus o criou. Este «efeito quântico» sempre tem um certo ar científico, no «Criation World View» pretendem que, à luz da 2ª lei da Termodinâmica, que segundo eles diz que todas as «coisas» se degradam espontaneamente com o tempo -o enunciado desta lei mais imbecil que já vi – então a luz degradou-se, isto é, «cansou-se» nos 6 000 anos que distam da criação o que se traduz numa diminuição da sua frequência e aos ateus cientistas parece um desvio para o vermelho!

ainda outros, que sem perceberem raspas do que é a mecânica quântica, tentam de certa forma – e divertida, rebolei-me a rir entre outras com a parte «mistério envolve estes passos computacionais» – conciliar a mecânica quântica com religião (embora afirmando que muitos cientistas não acreditam na «coisa», o que é completamente falso).

Mas a «ciência» criacionista mais hilariante pode ser encontrada no Common Sense Science, um site criacionista, consequentemente sem alguma ciência, devotado a combater a mecânica quântica e a relatividade geral. E especialmente devotado a combater (artigo em pdf) um filósofo morto há 2 500 anos, Epicurus, e o seu principal divulgador, Lucretius, que morreu há 2100 anos. Epicurus, e não Darwin, é por eles considerado, correctamente, o pai do evolucionismo.

Epicurus foi o primeiro filósofo ateísta de que há registo histórico, na minha opinião o pensador mais brilhante da História. Foi a redescoberta da sua obra na Renascença, transcrita em poema por Lucretius, que permitiu a génese e desenvolvimento do actual pensamento científico, ético e humanista. O ódio a Epicurus e a perseguição dos epicuristas é uma constante da História do cristianismo. Até Pierre Gassendi o ter cristianizado, professar sequer o atomismo – que deixa pouca ou nenhuma margem para a intervenção divina e nega a transmutação do pão e do vinho no corpo e sangue do mítico Cristo durante o ritual canibalístico cristão – era equivalente a uma sentença de morte às mãos da Inquisição.

Para os 5 devotos cristãos sem resquício de senso comum a mecânica quântica é anti-ciência e anti-biblíca. Consideram que o atomismo «é incompatível com os princípios judaico-cristãos porque o atomismo apresenta a matéria independente de Deus, seja porque existe por toda a eternidade e nega a criação por um Desenhador Inteligente seja porque os seus movimentos e acontecimentos são independentes do controle por um Ser Soberano».

Assim, os pseudo-cientistas, que apenas publicam em algo chamado Creationist Research Society Quarterly – que descrevem como uma revista «científica» com referees (!!)- vendem disparates tais como tudo é electromagnetismo, incluindo a gravidade, e as forças nucleares (forte e fraca) são invenções ateístas, ou seja, ignoram toda a ciência do século XX, ficando-se por pouco mais que as equações de Maxwell.

Propõem uma «teoria» unificada de inspiração biblíca, puramente electromagnética, que reverte para anacronismos como o modelo atómico de Bohr (artigo em pdf) e a existência do éter (até Einstein – tirando Epicurus, claro – pensava-se que as ondas electromagnéticas precisavam de um meio para se propagar e assim o espaço interestelar teria de ser preenchido por um material invisível a que se chamava éter).

Este artigo é especialmente hilariante (em formato pdf), já que apresenta um modelo «bíblico» das partículas elementares que de uma penada «arruma» a teoria de cordas, a mecânica quântica e a relatividade geral (perfeitamente desnecessárias e uma invenção ateísta).

A idade do Universo, que os ateus cientistas, só para contrariar a palavra de Deus e a «verdade absoluta» das Escrituras, estão sempre a propor mais velho, é o ponto fulcral para os criacionistas da Terra jovem. Os argumentos «científicos» que apoiam a hipótese que a Terra tem apenas 6 000 anos são ainda hoje fornecidos pelo «trabalho» de Thomas G. Barnes, um dos «cientistas» sem senso comum. Barnes concluiu em 1971, com base, mais uma vez, em ciência do século XIX – que mesmo assim deturpa -, que a idade da Terra é inferior a 25 000 anos. Os disparates de Barnes sobre o campo magnético da Terra, em que assenta a sua conclusão, são magistralmente desmontados aqui.

* Na realidade a mecânica quântica diz-nos que os electrões de uma determinada espécie química só podem assumir valores discretos de energia, quantificados. O chamado estado fundamental electrónico dessa espécie corresponde ao estado de menor energia ao qual ela regressa quando excitada para estados de maior energia. A relaxação para o estado fundamental pode ser acompanhada por emissão de luz de energia igual à diferença de energia entre os estados envolvidos.

Assim, o espectro de emissão de um átomo ou de uma molécula, os comprimentos de onda, λ, emitidos pela espécie, é uma espécie de código de barras que a identifica inequivocamente, como este esquema indica. Tal como o som de um carro que se aproxima é mais agudo (menor λ) que quando se afasta (maior λ), o espectro da luz recebida de uma fonte apresenta um desvio para o vermelho quando esta se afasta (maior λ) ou desvio para o azul (quando se aproxima, menor λ) como esquematizado aqui. Como a luz recebida das estrelas apresenta um desvio para o vermelho concluiu-se que o Universo está em expansão!

5 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Criacionismo puro e duro

Adão, Eva, a serpente e a árvore do conhecimento. Foi a dentadinha no seu fruto a origem da «Queda». O conhecimento, para os cristãos fundamentalistas, é assim a origem de todos os males, que eles evitam como ao Demo.

Enquanto a IDiotia ou neo criacionismo tenta disfarçar os seus propósitos religiosos sob uma capa de pseudo ciência – que poderá convencer apenas os mais ignorantes (ou os mais fanáticos) – os criacionistas puros e duros pelo menos são mais honestos intelectualmente. De facto, não só assumem abertamente o seu cristianismo (jurássico) como não escondem o seu desprezo pela ciência que «que está a virar inúmeras mentes contra o evangelho de Cristo e a autoridade das Escrituras».

Embora me divirta com as cretinices que debitam, merecem-me algum respeito pessoal estes criacionistas que pelo menos são sinceros na sua ignorância, coerentes com aquilo em que acreditam e não embarcam nas jogadas de pura desonestidade moral e intelectual dos IDiotas. Aquilo que me irrita profundamente é a desonestidade intelectual, são os malabarismos retóricos daqueles que deliberadamente manipulam e deturpam factos (científicos ou históricos) de forma a impingir de forma desonesta a sua mundivisão religiosa (e institucional, no caso dos revisionistas históricos em nome da ICAR) aos restantes.

Voltando aos criacionistas puros e duros, nomeadamente os da terra jovem, fui informada por um dos nossos leitores que o Museu do Disparate está quase pronto e abrirá as portas ao público, como previsto, em 2007. O Museu, como o seu fundador, Ken Ham, afirma não engana ninguém: «A Bíblia é a palavra de Deus, a sua história é realmente verdade, esses são os nossos pressupostos ou os nossos axiomas».

Importa recordar que, embora intelectuamente mais honestos, estes criacionistas são tão intolerantes e totalitários como os restantes fundamentalistas. Assim, neste Museu são exibidos os habituais preconceitos cristãos, que estes se acham no direito de impor a todos, nomeadamente uma das exibições culpa os homossexuais pelo flagelo da SIDA (Ken Ham no seu site Answers in Genesis atribui ainda a tragédia no liceu de Columbine ao ensino da evolução) . As tragédias da humanidade, como doenças e fome, são atribuídas aos pecados da humanidade.

Mas sobretudo poder-se-ão apreciar neste museu os disparates sortidos da criação segundo o Genesis, incluindo terem a Terra e o Universo sido criados em seis dias há cerca de 6 000 anos, a asseveração que todos os animais existentes (incluindo os dinossauros) foram criados simultaneamente e passaram por uma temporada na arca de Noé sendo o registo fóssil, «mal» interpretado pelos ateus evolucionistas, consequência do dilúvio.