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Dia: 30 de Julho, 2006

30 de Julho, 2006 Palmira Silva

Apocalipse Now

A crença num apocalipse seguido de um julgamento final é uma característica comum a várias mitologias, dos Maias aos Hindus, que surge normalmente em tempos de horror e opressão da respectiva cultura. Como já referi, em todas as mitologias há um messias («ungido») ou salvador, que resgata os eleitos de Deus. Esse salvador pode ser um ancestral do povo ou o mítico fundador da religião, que empreenderá uma batalha final contra as forças do mal e, após a vitória, inaugurará um novo estágio da criação, um novo céu e uma nova terra.

Os mitos da destruição escatológica, abundantes e associados normalmente a ciclos de destruição-criação em outras religiões, manifestaram-se tardiamente na literatura apocalíptica judaico-cristã, que floresceu entre os séculos II a.C. e II d.C., com zénite nos delírios do livro do Apocalipse. Como confirmação da natureza bem humana, determinada pela conjuntura da época, dos textos que alguns acreditam serem «revelações», recordo que o livro de Daniel, que descreve as primeiras visões apocalípticas na Bíblia, foi escrito durante a revolta contra o domínio grego.

O próprio cristianismo foi inventado durante a ocupação romana da Judeia. A ideia de que uma força maior efectivará a vingança das provações dos «justos», que aqueles que vemos como os nossos opressores sofrerão horrores inimagináveis, nem que seja no fim dos tempos, tem um apelo evidente para muitos e explica em parte o sucesso das religiões.

Considerando os tempos conturbados em que vivemos não é assim de espantar que alguns cristãos mais alienados considerem próximo o fim do mundo, e, consequentemente, a volta do Messias que julgará os vivos e os mortos. Na realidade, este alguns são muitos milhões apenas nos Estados Unidos e, segundo uma reportagem de 2002 da revista Época, cifrava-se à data num milhão o número de cristãos brasileiros seguidores de seitas cuja mensagem principal é a iminência do Juízo Final. Mesmo em Portugal, há pelo menos um católico, o autor do livro «Os 3 segredos de Fátima», que se entretem a transcrever para uma página na internet os seus delírios apocalíptícos.

tinha mencionado há uns meses o sucesso da série «Left Behind» assim como o sucesso anunciado do novo jogo cristão «Left Behind: Eternal Forces» baseado na dita série. O jogo é simultaneamente uma missão religiosa e uma missão militar que consiste em converter ou matar católicos, judeus, muçulmanos, budistas, homossexuais, todos os que advoguem a separação do estado e da Igreja, especialmente cristãos moderados «de café».

O jogo já dera uma indicação da estrutura mental dos dominionistas cristãos mas hoje, ao ler a página da Harper, deparei com uma notícia que espelha bem a completa insensibilidade, falta de qualquer sentimento de compaixão e virtude moral destes fanáticos cristãos, que rejubilam com o sofrimento alheio.

De facto, o presente conflito entre Israel e o Hezbollah deixou completamente frenéticos os desvairados cristãos que frequentam os fora do Rapture Ready (Prontos para o Arrebatamento). Estes fundamentalistas cristãos, a base de apoio do cristão renascido com uma missão «divina», G. W. Bush, dão mostras efusivas da sua alegria pela morte de milhares de inocentes, especialmente vítimas do recente conflito no Líbano e em Israel mas também em todo o Médio Oriente, que consideram um sinal inequívoco da 2ª vinda do seu mito.

Transcrevo apenas uma mensagem elucidativa, entre muitas, deixada por um devoto e eufórico cristão no forum «Fim dos tempos» em relação à tragédia que se desenrola no Médio Oriente:

«Louvado seja Deus! Nós fomos escolhidos para viver nestes tempos e também observar e espalhar a palavra. Algo dentro de mim está prestes a explodir e não sei o que é. É no género de querer fazer pinos rodados pela vizinhança».

Noutra linha, os piedosos cristãos discutem a necessidade de Damasco ser destruída antes da vinda do «Messias», de acordo com Isaías 17.

Como seria de esperar, a demência fanática, a total insensibilidade dos posts foi divulgada pela blogosfera americana e assim, hoje, os administradores do site pediram um pouco de contenção aos seus participantes e apagaram pelo menos uma das linhas. Mas podemos apreciar o que só posso considerar demência induzida pela religião nesta caricatura de um devoto cristão dominionista.

30 de Julho, 2006 Carlos Esperança

A procissão do Senhor

Os mordomos aprimoram-se a afiar os espinhos, a polir a coroa e a empurrá-la até ao lugar dos miolos do Senhor, com aquela fé dos néscios e a sanha dos crentes.

Ataviam-no com o vestido roxo, lavadinho e engomado por catequistas que proferem piadas brejeiras enquanto lhe retorcem o cordão da cintura.

A cruz há muito que o acompanha como prótese, mesmo nos períodos de ócio em que o desmontam da padiola que nas procissões se denomina andor por causa do movimento que lhe imprime o dorso dos devotos que se queixam do peso e da tradição.

As chagas são avivadas na cor depois de lhe passarem a escova de arame pelos sítios do martírio para melhor aderir a tinta, o verniz e a compaixão dos crentes.

Atrás, noutra padiola de tamanho menor, viaja a mãe, reduzida à condição de mulher, com ar infeliz de virgem, mãe e empregada doméstica.

Em lugar de destaque viaja o padre com a custódia sob o palio cujas varas têm cada vez menos voluntários. Só os foguetes, os bombeiros e os cavalos da Guarda Republicana dão a ilusão de festa na cerimónia gasta pelo tempo, repetitiva e fastidiosa, com música e itinerário inalterados, arrastando as pessoas que ainda vão porque sempre foram.

A procissão é um acto litúrgico destinado a arejar andores, a retirar o bolor dos guiões e estandartes, a reunir crentes e fazer a colecta para o padre. Os anjinhos da praxe vão-se reduzindo com o planeamento familiar e a devoção que esmorece.

As pessoas começam a sentir-se ridículas e com vergonha. Deus, por muito exótico que seja, não se diverte com o espectáculo. Se, ao menos, levassem sacos de cimento para as obras em vez do pesado andor, era mais útil o esforço e menos caricata a viagem.

30 de Julho, 2006 Palmira Silva

Execução de uma adolescente: a barbárie islâmica


No passado dia 27 a BBC2 passou um documentário chocante que relatava os detalhes de uma execução especialmente bárbara já que a vítima tinha apenas 16 anos!

Em 15 de Agosto de 2004, a jovem Atefah Sahaaleh, de apenas 16 anos, foi enforcada na praça pública de Neka, uma pequena cidade iraniana no Mar Cáspio, pelo mullah Haji Reza’i. A sentença de morte da adolescente indicava que esta foi executada por «crimes contra a castidade». Na realidade, o «crime» de Atefah foi ter sido violada repetidamente por membros da «polícia moral» e um ex-guarda revolucionário de 51 anos, Ali Daroubi! Os mesmos «polícias morais» que assinaram a petição na base da sua detenção em que a descreviam como «fonte de imoralidade» e «uma influência terrível nas raparigas locais».

O Irão assinou um tratado internacional que o obriga a não sentenciar à morte ou executar menores de 18 anos. Mas os tratados internacionais assim como os direitos humanos não têm qualquer valor quando quem governa os destinos de uma nação são dementes por uma mitologia, seja ela Deus, Allah ou outro figmento da imaginação humana. E a mentira em nome dessa mitologia sempre foi o recurso predilecto dos fanáticos de qualquer religião. Assim, o jornal estatal que noticiou o caso acusava a adolescente de adultério e afirmava que ela tinha 22 anos. De facto, Atefah tinha apenas 16 anos e não era casada.

De qualquer forma, de acordo com a Constituição do Irão, que coloca a Sharia acima de qualquer lei «humana», um juiz dos tribunais da Sharia tem rédea livre. E sob a lei da Sharia a idade de responsabilidade criminal é de 9 (nove!) anos pra as raparigas e 15 para os rapazes. Ou seja, no Irão e nos tribunais da Sharia uma criança do sexo feminino de 9 anos pode ser julgada e condenada à morte por «ofensas» aos decretos «divinos»!

A mentira sobre a idade da vítima veiculada pelos orgãos oficiais iranianos, destinada a não chocar a opinião pública iraniana, e a ameaça dos mullhahs locais a todos os familiares e conhecidos da jovem para não falarem à imprensa não foi suficiente para travar a disseminação da verdade dos factos. Aquando do caso, a jornalista Aiseh Amini ouviu rumores de que Atefah era apenas uma adolescente e resolveu investigar o caso.

«Quando encontrei a família, eles mostraram-me a certidão de nascimento e de óbito. Ambos diziam que ela havia nascido em 1988. Isso legitimou-me para investigar o caso», disse Amini.

Neste excelente artigo no Guardian, a produtora do documentário, Monica Garnsey, relata passo a passo a sua odisseia no Irão para esclarecer o que de facto se passou. E os detalhes que descobriu são um retrato muito fiel da impunidade conferida pela religião aos prevaricadores em nome de Deus às próprias leis que impõem aos restantes!

Atefah teve uma infância conturbada que a transformou numa adolescente rebelde e depressiva. A sua mãe morreu quando ela tinha quatro anos, o irmão morreu afogado pouco depois e o pai rapidamente se tornou viciado em heroína. Numa cidade como Neka, sob controle das autoridades religiosas, Atefah -que sempre andava sózinha e era chamada a «cigana de Neka» – desde muito cedo chamou a atenção da «polícia moral», um braço da Guarda Revolucionária Islâmica, cujo trabalho é reforçar os «valores» do código islâmico nas ruas do Irão. A sua primeira detenção por «crimes contra a castidade» aconteceu quando tinha 13 anos, tendo sido na altura condenada a 100 chicotadas – e ao abuso sexual por parte dos defensores da «moral e bons costumes» enquanto na prisão.

A investigação conduzida por Monica Garnsey na cidade de Neka permitiu-lhe concluir que a opinião geral da população local é que Atefah foi assassinada para encobrir os repetidos abusos sexuais que sofreu às mãos dos «polícias morais». A sua violação brutal por Ali Daroubi foi a desculpa encontrada pelos perpetradores dos abusos para se verem livres de uma testemunha incómoda, que podia a qualquer momento revelar o lado menos «moral» dos fanáticos em nome de Allah.

Dois meses depois da execução de Atefah a situação tornou-se incomportável e impossível de esconder: foram presos os organizadores de uma rede de pedofilia nos quais se incluiam dois dos polícias «morais» que assinaram a petição que a condenou.