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Dia: 10 de Junho, 2006

10 de Junho, 2006 Carlos Esperança

«Me cago en Dios»


Com o título em epígrafe, estreou-se na segunda-feira, no Teatro Comuna, em Lisboa, uma peça que tem merecido o mais vivo repúdio dos crentes e que fazem ao cartaz que a anuncia o que não gostariam que fizessem aos que anunciam a procissão do Senhor dos Passos.

A peça é uma co-produção da Cassefaz e da Associación de Actores de Teatro de Madrid. «… o cartaz apresenta uma sanita aberta, da qual saem (ou para a qual entram) vários símbolos religiosos: uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, um Buda, um crucifixo, uma bandeira com o Crescente Vermelho. O espectáculo estreou-se na segunda-feira, no Teatro da Comuna, em Lisboa, e desde então já foi alvo de vários protestos, sobretudo ligados à Igreja Católica» – diz o Diário de Notícias, de hoje.

Resta dizer que Espanha é um país onde são correntes as mais belas blasfémias que só rivalizam com as italianas dos ex-estados pontifícios.

A reflexão que a peça faz sobre as várias religiões e os seus malefícios é indiferente aos crentes que protestam contra o espectáculo.

Seria estranho os católicos que, em nome da liberdade de expressão, defenderam – e muito bem -, a liberdade da publicação dos cartoons de Maomé, virem agora a promover um auto de fé a um espectáculo que tem como título um desabafo, em castelhano, que costuma ser extensivo à Virgem e à hóstia.

10 de Junho, 2006 Palmira Silva

A teia dos fundamentalismos religiosos

Recentemente o Vaticano avisou os católicos ditos «liberais» que «Não há Teologia católica sem aceitação do Magistério da Igreja» – isto é, que ser católico implica a subordinação total aos ditames do Vaticano e que é heresia pensar pela própria cabeça. Aviso enfatizado pelo representante-mor do Vaticano cá no burgo que advertiu os católicos portugueses para os malefícios da ciência e da análise racional, destacando que «os discípulos de Cristo não podem cair nesta tentação [usar a razão]».

Aviso explicado na última emanação oficial do Vaticano que identifica o «inimigo» da fé:

«A ciência e a técnica convenceram algumas pessoas a pensar que tudo é fruto da evolução e que o homem não tem nenhum Deus».

Para além da execrada ciência, nomeadamente as ciências da vida que confirmam como absurda e desnecessária a hipótese de um «criador» todo-poderoso e refutam a existência de uma alma, isto é, destroem o mito cartesiano da separação res cognitas (consciência, mente) e res extensa (matéria), a técnica exacerbou os perigos modernos para a «salvação» do referido mito «alma» através da difusão de conhecimento via a World Wide Web, incluída nos «males» que um bom católico deve evitar.

O medo dos totalitários religiosos da difusão virtual de conhecimento, nomeadamente via sítios da internet em que são dissecadas e desmistificadas não só as respectivas mitologias como as pseudo «verdades absolutas» que as religiões arrolam como seu património, não é restrito ao catolicismo. Mas enquanto as hierarquias católicas não podem, como desejam, impôr a censura ou outros métodos mais drásticos para calar as vozes críticas nos países, democráticos, em que a sua mitologia é maioritária – obrigando os fundamentalistas católicos a outras tácticas para o efeito – tal não acontece na maioria dos países islâmicos, onde os blogs e jornais virtuais críticos do fundamentalismo islâmico começam a florescer.

A reacção dos fundamentalistas foi na linha do esperado. Assim, no Egipto, aparentemente «infectado» por bloggers, continuam presos três bloggers, Alaa Abd El-Fatah, Mohamed Sharkawy e Karim El-Shaer, depois de dois outros, Malek Mostafa e Asmaa Ali, terem sido libertados.

No Irão, a prisão de bloggers e de jornalistas que colaboram em jornais virtuais é de tal forma prática corrente que seria fastidioso enumerar todas. A última de que há notícia é a prisão do blogger Abed Tavancheh. Ramin Jahanbegloo, um advogado da laicidade e da não-violência, continua preso na infame prisão de Evin, onde foi torturada, violada e assassinada a fotojornalista Zahra Kazemi-Ahmadabadi.

Na Arábia Saudita, o jornalista Rabah al-Quwai’ foi libertado, após 13 dias de detenção, depois de ter assinado uma declaração reconhecendo ter denegrido a fé islâmica, reconhecendo não ser um verdadeiro muçulmano e prometendo defender os valores(?) islâmicos no seu trabalho futuro. Caso não assinasse esta retractação, seria acusado de «riddah» – renúncia do Islão – «crime» punido com a morte.

Os insultos à fé islâmicos merecedores de morte se o jornalista reincidir na heresia, são … críticas feitas por Rabah al-Quwai’ às rígidas interpretações religiosas dos wahabitas.