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Dia: 9 de Abril, 2006

9 de Abril, 2006 Carlos Esperança

A ressurreição de Jesus

Três dias após a crucificação, com as mãos doridas dos pregos e a cabeça picada de espinhos, Jesus, farto de ser cadáver, escapou-se do Santo Sepulcro.

Era um miserável T-0, destinado ao culto e ao óbolo dos crentes, onde carpia saudades de Maria de Magdala, cujos afagos lhe alteravam as hormonas e os fluidos.

Jesus pensou então, em seu pensamento, que um cadáver é indigno de um Deus e que o apodrecimento afastava os devotos, o respeito e a fé. Sacudiu os bichos que se alambazavam com o banquete, deu um piparote nos espinhos que lhe perfuravam o coiro cabeludo, sacudiu os cabelos que haviam crescido nos dois* dias que fora defunto e convenceu-se de que era Deus.

Fizera-lhe bem à coluna e à circulação aquele tempo de decúbito dorsal, reparador das perturbações ortostáticas sofridas no Gólgota para vender a fé e o martírio às gerações vindouras.

Baixara-lhe a albumina, embora ele não soubesse, e a boa disposição do homem sobrepôs-se ao mau humor de Deus. Não se lembrava do que acontecera entre a sexta-feira em que correu o boato sobre a sua morte e esse domingo que havia de ter enorme relevância no negócio da restauração e na evolução da doçaria.

Vagueou pela cidade de Jerusalém, apareceu à Maria, talvez a Judas para o avisar de que ia ser o bode expiatório da maior burla histórica, que estava em curso. Apiedou-se do hospedeiro que fiou a última ceia mas como um morto não costuma ter dinheiro, nem pensou sequer em pagá-la, quando era de novo vivo há escassas horas.

Hesitou entre a exibição do milagre, ramo em que se tinha tornado famoso, e o desaparição definitiva.

Para bem da lenda, fugiu. Domiciliaram-no os créus no Paraíso, onde permanece, com o rabo cheio de escaras, o que é natural para quem está sentado dois milénios, à direita do pai, seja o pai quem for, tal a confusão criada entre uma pomba, um carpinteiro e o padre eterno.

Mal sabe o defunto, que levou o cadáver para fora do planeta, que ainda hoje se comemora a sua alegada ressurreição.

E nem sonha como floresceu o negócio a que deu origem.

* Desconheço a razão pela qual a ICAR considera 3 dias o tempo que medeia entre sexta-feira e domingo. A verdade não é o forte das religiões nas coisas importantes. Por que havia de ser em questões de pormenor?

9 de Abril, 2006 lrodrigues

A Intolerância Cor-de-rosa

Fui na semana passada convidado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas para participar num debate subordinado ao tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Um convite que, como é óbvio, não deixou de me honrar pessoalmente.

Foi um debate interessantíssimo, moderado por um professor cuja competência foi ainda mais realçada por ser de opinião manifestamente contrária à minha.
As perguntas dos alunos, no final, revelaram um interesse, um conhecimento e uma abertura intelectual no meio Universitário que não deixou de me surpreender, até pela juventude dos intervenientes.

Poderia a discussão ter sido, porventura, mais interessante e esclarecedora, não fora uma outra interveniente, igualmente convidada pela Universidade, ter declinado o convite por se recusar terminantemente a participar num debate… em que eu estivesse.

Trata-se de uma deputada, eleita pelo Partido Socialista, de nome Maria do Rosário Carneiro.

Claro que não sei nem faço a mínima ideia (e também, a bem dizer, não quero saber), porque motivo a senhora deputada não quis participar num debate em que eu estivesse presente.
Não terá sido, decerto, por qualquer tipo de temor intelectual.
Nem, com toda a certeza, por qualquer forma de discriminação.
Nem muito menos por pertencer à Opus Dei e estar a cumprir ordens do Papa Bento XVI, que ordena aos católicos que cortem qualquer comunicação com as pessoas que se tenham afastado da doutrina católica.

Mas não deixa de ser curioso que esta ilustre deputada (para além de ser professora na Universidade Católica e também da própria faculdade onde decorreu o debate), foi presidente da «Rede Europeia de Comissões Parlamentares para a Igualdade de Oportunidades» e pertence agora à «Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias» da Assembleia da República.

Pela firmeza das suas convicções, estou absolutamente persuadido da competência, da imparcialidade, do extremo rigor e da eficácia com que esta deputada exerce os cargos para que foi eleita…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

9 de Abril, 2006 Palmira Silva

Os mártires cristãos nos Estados Unidos

«Com ou sem religião existem pessoas boas fazendo coisas boas e pessoas más fazendo coisas más. Mas para que pessoas boas façam coisas más é necessário serem religiosas» Steven Weinberg

No último post abordei a imagem de marca do cristianismo, a encenação e invenção de perseguições inexistentes contra os cristãos. Para os fundamentalistas cristãos americanos essas perseguições são consequências da abominável «cultura» que trivializou matérias tão inadmissíveis como as uniões de facto, a homossexualidade, o sexo, os contraceptivos e o aborto, a tolerância em relação a apóstatas e, especialmente, foi concretizada em abominações como a recente proposta de alteração das leis anti-discriminação nas escolas da Califórnia.

De facto, as associações fundamentalistas cristãs estão em pé de guerra e a mobilizar as suas hostes contra uma proposta de alteração da lei SB 1437 que acrescenta o género e a orientação sexual à versão anterior:

«Nenhum professor dará instrução nem nenhum supervisor escolar de distrito apoiará alguma actividade que se reflicta negativamente em pessoas devido à sua raça ou etnicidade, género, deficiência física, nacionalidade, orientação sexual ou religião».

Para os teocratas esta proibição da mui cristã discriminação de mulheres e homossexuais é uma perseguição, uma opressão da Igreja reiteradamente carpida em prime time e nas primeiras páginas dos jornais:

«Nós estamos enfrentando, como nunca no passado, esta hostilidade contra o povo de Deus» bramiu o «perseguido» pastor Herbert Lusk, que recebeu mais de 1 milhão de dólares de financiamento federal ao abrigo dos programas baseados na fé de Bush. Este «mártir» cristão continuou advertindo:

«Não brinquem com a igreja porque a igreja já enterrou muitos críticos [suponho que todos menos os cristãos recordam alguns desses críticos, vítimas do zelo inquisitorial dos cristãos] e todos os críticos que ainda não enterrámos estamos a tratar dos preparativos do seu funeral».

Na realidade esta pretensão imbecil dos teocratas seria risível se não fosse preocupante. No país que dizem ser hostil em relação ao «povo de Deus», os ateístas são o único grupo que é socialmente aceite discriminar nos Estados Unidos. Numa sondagem conduzida pela Universidade do Minnesota verificou-se que os ateístas são a minoria em que os americanos menos confiam, com níveis de confiança inferiores aos que mereceram muçulmanos ou mesmo os odiados homossexuais.

Na realidade o estudo dos sociólogos do Minnesota era desnecessário, basta pensar que em muitos Estados americanos um motivo perfeitamente válido para decidir a custódia de crianças é a falta de religiosidade, sendo igualmente comuns os casos em que os juizes obrigam pais ateístas a dar educação religiosa aos filhos!

Como um dos membros do Supremo Tribunal mais citado como exemplo pelos teocratas, o juiz Joseph Story, perorava em meados do século XIX, para os cristãos americanos é obrigação do Congresso combater o ateísmo. A liberdade religiosa que afirmam estar em perigo e dizem defender, não se estende à liberdade de não professar uma religião. Aliás, sempre que algum crente se diz defensor da liberdade de religião em qualquer parte do mundo refere-se sempre à liberdade para a «sua» religião; nunca alguém viu um crente defender o direito ao ateísmo, o inimigo execrado e perseguido por todas as religiões!

Podemos apenas imaginar a guerra movida pelo exército cristão e as hordas ululantes em orgias de fé que se mobilizariam se alguma vez um único pai cristão fosse privado da custódia de um filho com base na sua fé!

Ou se, como no Texas, cuja Constituição (Artigo I, Secção 4) permite claramente a discriminação de ateístas em cargos públicos, «ninguém será excluído de uma posição pública com base nos seus sentimentos religiosos, desde que reconheça a existência de um Ser Supremo», o cristianismo fosse causa legítima de despedimento ou impedimento na contratação.

9 de Abril, 2006 Palmira Silva

A Espuma dos Dias

Elizabeth A. Castelli, professora de estudos religiosos no Barnard College e autora de «Martyrdom and Memory: Early Christian Culture-Making», analisa num artigo indispensável a conferência «Guerra aos Cristãos», organizada pela Vision America, uma organização que entre outras mui cristãs barbaridades, advoga pena de morte para abortistas, homossexuais e adúlteros.

O objectivo da dita conferência, realizada em Washington nos passados dias 27 e 28, consistia em «contribuir para uma genuína revitalização da fé cristã na América e na promoção de um adequada compreensão do papel da igreja na vida americana». Pelo teor da conferência dir-se-ia que este papel é um papel bélico porque um dos temas recorrentes foi a necessidade dos cristãos pegarem em armas para combater o demo e as suas muitas faces (que incluem os cristãos que não sentem o divino apelo às armas). Como bem evidenciado pelo grito de guerra de Ron Luce, o presidente e fundador da Teen Mania, uma organização revivalista cristã dirigida a instilar ódio aos infiéis nos jovens americanos. Inenarrante e cristãmente inspirado na Bíblia, mais concretamente em Juizes 19, o devoto ululou «Despedaçem a concubina*. Despedaçem a concubina. Despedaçem a concubina. Despedaçem a concubina.»

No artigo, demasiado extenso para comentar na sua totalidade pelo que recomendo vivamente a sua leitura, pode apreciar-se em todo o seu esplendor o ex-libris do cristianismo, a mania da vitimização e perseguição, nomeadamente na elevação a mártir de Tom «Chicote de Deus» DeLay, o antigo líder republicano do Congresso, grande promotor de uma «perspectiva bíblica» da política já que «Apenas o cristianismo permite uma forma de perceber as fronteiras morais e físicas» do «sentido da vida», que anunciou há dias a sua demissão do Congresso, depois de dois dos seus principais colaboradores se terem declarado culpados de várias acusações de corrupção no escândalo Jack Abramoff.

Como não podia deixar de ser um dos temas «quentes» duma conferência em que os pressupostos são que Deus deu os Estados Unidos aos cristãos para que estes aí estabelecessem uma nação baseada nos ditames da Bíblia, assentou nos malefícios da «cultura» e da «tolerância», ambas as palavras com uma conotação tão depreciativa que devem figurar proeminentemente no léxico do vernáculo fundamentalista cristão. Cultura e tolerância que afastam os Estados Unidos do seu grandioso destino porque para os devotos cristãos a crescente teocratização dos Estados Unidos é apenas um compromisso inaceitável já que o muro de separação igreja – estado ainda não ruiu completamente. E não podem existir compromissos quando a «verdade absoluta» e Deus são invocados.

A homossexualidade foi igualmente um tema que ocupou boa parte do tempo dos conferencistas, com leituras gráficas de sites homossexuais, uma abominação que a tal monstruosa «cultura» disfarça com termos como gay ou homossexuais e que Lou Sheldon da Traditional Values Coalition pretende ver substituidos por «sodomitas» e «os pervertidos».

Como termina Elizabeth Castelli o que ressalta desta conferência, um apelo explícito a um levantar de armas pelos cristãos numa guerra religiosa contra o Demo, personificado especialmente pelo sistema judicial norte-americano, é extremamente preocupante. Com o governo federal e muitos governos estaduais completamente dominados por teocratas, o único obstáculo à instalação da nação «bíblica» é o sistema judicial que mantém alguma independência, não obstante a cristianização recente do Supremo Tribunal. Parafraseando Castelli «Quando os poderosos pretendem ser impotentes e usam esta pretensão e um suposto mandado divino para autorizar um ataque sem tréguas a uma instituição política estamos certamente em terreno perigoso»

*Juizes 19:29 Quando chegou em casa, tomou um cutelo e, pegando na sua concubina, a dividiu, membro por membro, em doze pedaços, que ele enviou por todo o território de Israel.

9 de Abril, 2006 Palmira Silva

Justiça islâmica no Irão

A polícia iraniana deteve uma menina de 10 (dez!) anos no aeroporto de Teerão por estar incorrectamente vestida, mais concretamente por o manto que, conjuntamente com o lenço islâmico, todas as mulheres são obrigadas a usar, ser demasiado curto. A pena por tal crime é normalmente 100 chicotadas mas as ímpias que a tal se atrevam podem ainda ser condenadas até 10 meses de prisão.

Mais sorte teve um mullah que assassinou a sangue-frio e pelas costas um jovem no metro de Karadj (um subúrbio de Teerão ) e que foi condenado a … 3 anos de prisão por comportamento irresponsável!

Para a justiça islâmica que condenou um jornalista, Akbar Ganji, a seis anos de prisão (já terminados mas Ganji continua incarcerado) por «insultar éditos e figuras religiosas, ameaçar a segurança nacional e disseminar propaganda contra o regime islâmico», ou seja, escrever um livro, e condena as mulheres adúlteras a morte por apedrejamento (os homens recebem 100 chicotadas), as ofensas aos ditames do seu «profeta» são certamente mais gravosas que o assassínio de um mero humano, especialmente quando perpetrado por um mullah!