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Dia: 6 de Abril, 2006

6 de Abril, 2006 lrodrigues

A Tentação

Era, na realidade, uma mulher muito bonita.

Procurara-me porque pretendia divorciar-se do marido.
Casada há pouco mais de seis anos e com um filho de cinco, a decisão do divórcio era irredutível e, disse-me, tomada há já longo tempo.
As negociações com o advogado do marido foram até invulgarmente simples, e em muito pouco tempo tínhamos conseguido o divórcio por mútuo consentimento.

No final, embora ela não tivesse de o fazer, penso que adivinhou a minha curiosidade e acabou por me contar o que tinha conduzido à ruptura do seu casamento.

Como o marido era um fervoroso católico, casara-se pela igreja muito nova e ainda virgem, numa cerimónia muito bonita e cheia de gente bem.
Ela e o marido tinham combinado “mandar vir” um filho logo após o casamento e, de facto, menos de um ano depois nascera o único filho do casal.

Só que, logo pouco depois do nascimento do filho, começou a notar um notório afastamento do marido. O sexo desapareceu subitamente das suas vidas e o marido passou até a dormir no sofá da sala.
A primeira coisa que pensou foi que o marido era afinal homossexual; mas o problema não era esse.

Ao fim de muitas insistências, repetidas até ao logo de vários anos, o marido acabou um belo dia por lhe contar toda a verdade:
Não só era um piedoso católico como era até membro da Opus Dei.
Ora, como tinha combinado com a mulher não terem por enquanto mais filhos, o marido não queria manter com ela um relacionamento sexual como uma frequência tal que pudesse ser interpretada como pecado ou que não tivesse a procriação como objectivo primordial.
A pílula, o preservativo ou qualquer outro método anticoncepcional estavam absolutamente fora de questão, porque, como é bom de ver, constituíam um pecado e estavam proibidos pela Igreja.

A sua decisão de dormir no sofá da sala tinha uma explicação muito mais simples: como reconhecia que a mulher era muito bonita, não queria dormir com ela para não cair em tentação.

Durante algum tempo a mulher tentou ainda lutar pelo seu casamento, mas há já um bom par de anos acabara por desistir, face à intransigente persistência do marido.

Pois é:
Estou absolutamente convicto que este piedoso e fervoroso católico, ainda por cima membro da Opus Dei e tão fiel às suas convicções, quando morrer vai entrar direitinho para o Céu.

Mas, pelo que a mulher me contou ainda, sei também que vai entrar, sim, mas com um grande par de cornos…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

6 de Abril, 2006 Carlos Esperança

Pastor alemão com raiva

É perigoso conviver com pessoas que deixaram a igreja – diz o papa

B16, o últimos déspota vitalício da Europa, para lá do ódio, a que o múnus o estimula, cultiva a vingança que a Bíblia ensina.

O Sapatinhos Vermelhos é estudante de teologia, aliás, um professor. Sob a tiara e os paramentos de fino corte, movimenta-se o tirano com vocação totalitária a consumi-lo.

Não manda decapitar apóstatas que os tempos vão maus para a profilaxia radical. Não ateia fogueiras aos incréus porque a Europa tem défice de combustíveis e de fé. E não manda propinar veneno aos ateus porque os hábitos ancestrais podem denunciar a origem.

B16 limita-se a alertar os católicos contra as pessoas que deixam a ICAR. Ontem, na habitual audiência das quartas-feiras, perante 30 mil clientes, ganiu este anátema:

«Quando o perigo de perder a fé é latente, é um dever cortar qualquer comunicação com pessoas que se tenham afastado da doutrina católica».

Votar ao ostracismo, formar um cordão sanitário e perseguir, quando a correlação de forças o permitir, todos os que se borrifem na ICAR, é a palavra de ordem do inquisidor que o Opus Dei, os cardeais e o Espírito Santo (deste não há provas) fizeram Papa.

O carrasco diz ainda que «É preciso reconhecer o perigo e aceitar que não se pode comunicar com os que se distanciaram de Deus». Nota-se o desânimo em não poder usar os meios expeditos dos seus antecessores e a inveja que sente dos Ayatollahs.

6 de Abril, 2006 Carlos Esperança

A libertação de Abdul Rahman


O islamismo, à semelhança das outras religiões monoteístas, entende que um apóstata deve perder o Paraíso e a cabeça, enquanto os que abandonam a concorrência merecem os altares e a bem-aventurança eterna.

Execram-se os primeiros, incensam-se os segundos.

O proselitismo é a tara comum, a obsessão que empurra os crentes para a evangelização e a guerra, a demência que exige a oração e os sacramentos, o terror de Deus que admite o domínio dos padres.

Abdul Rahman é um desses infelizes que, à semelhança de outros drogados do divino, resolveu mudar de droga sem deixar o vício. Trocou o árabe pelo latim, Maomé por Cristo e as rezas orientadas pelos mujaidines pelas missas de um pastor.

O devoto, cuja decisão é um dever de todos os homens e mulheres livres preservar-lhe, ao trocar de Deus, substituir as orações e intoxicar-se com sacramentos diferentes, virou apóstata para os mullahs e convertido para os cristãos. É um traidor para os primeiros e um herói para os segundos.

No mercado da fé é um troféu a exibir, um activo a explorar, o exemplo a agitar pelos conquistadores e uma cabeça a decepar, o ímpio a abater e um exemplo a deplorar pelo mercado de origem.

Não se sabe ainda a que seita aderiu o neófito cristão e já todas reclamam o troféu.

6 de Abril, 2006 Palmira Silva

Curas «milagrosas» mais fáceis

Face aos avanços da ciência que desviaram a fé em curas milagrosas da intervenção divina para a intervenção médica e à pressão crescente da concorrência, nomeadamente das Igrejas evangélicas, Monsenhor Jacques Perrier, bispo de Tarbes e Lourdes e o dignitário mais sénior do santuário de Lourdes, anunciou a semana passada uma reforma no reconhecimento das «curas milagrosas» que o referido local é suposto operar, criando novas categorias de «milagres».

De facto, não obstante os milhões de peregrinos que visitam o local anualmente e os muitos litros de água «milagrosa» vendidos àqueles que não podem usufruir dos seus «benefícios» in situ, apenas 67 curas «milagrosas» foram reconhecidas desde 1858, data em que uma pastorinha de 14 anos, de seu nome Bernadette (não Lúcia) afirmou ter visto a Virgem numa gruta. Destas apenas 4 supostamente ocorreram desde 1978, a mais recente o ano passado, uma mera cura de … reumatismo!

Esta escassez de «milages» e a pouca espectacularidade dos mesmos motivou o preocupado bispo a propôr ao Vaticano novas categorias de milagres, que não necessitam obedecer às regras estabelecidas há quase 300 anos pelo Cardeal Prospero Lambertini, os milagres «lite», que incluem «curas inesperadas», «curas confirmadas» e «curas excepcionais». Nesta versão lite, qualquer devoto frequentador de Lourdes e consumidor da sua água milagrosa que seja operado a um cancro, faça quimio ou radioterapia e se cure, pode anunciar ao mundo que foi curado por «milagre».

Numa manobra de marketing magistral Perrier propõe ainda que estes «milagres lite», indispensáveis para fazer face às ofertas da concorrência nos chamados «hipermercados de milagres», como sejam a IURD, Igreja Maná e afins, sejam imediatamente publicitados mal ocorram.