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Dia: 8 de Fevereiro, 2006

8 de Fevereiro, 2006 jvasco

Comunicado da ARL

Recebi (por correio electrónico) o seguinte comunicado de imprensa da direcção da ARL (que responde às declarações do Ministro dos negócios estrangeiros):

1. A Associação República e Laicidade considera que o único dever das autoridades de um Estado laico e democrático na actual «polémica dos cartunes» é reafirmar o direito inalienável dos cidadãos ao exercício da liberdade de expressão, o qual inclui o direito à blasfémia. A Associação República e Laicidade não pode, portanto, deixar de lamentar e repudiar o comunicado do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros datado de 7 de Fevereiro de 2006.

2. Contrariamente ao que sustenta aquele documento oficial, a presente crispação internacional não evidencia uma «guerra de religiões», mas sim o confronto entre laicidade e clericalismo. A liberdade de expressão, constitucionalmente garantida, é um direito fundamental que tem valor exactamente na medida em que não conhece excepções. Um alegado «dever de respeito» pelos «símbolos e figuras» religiosos não pode ser constituido em limite à liberdade de expressão, sob pena de destruir o debate livre e aberto que caracteriza as sociedades democráticas.

3. A Associação República e Laicidade – embora respeitando a legitimidade das crenças religiosas pessoais – considera também que quem exerce o cargo de Ministro do Governo da República Portuguesa não deve aduzir dogmas de fé (nomeadamente, a existência de um «profeta Abraão») como justificação de tomadas de posição políticas.

A bem da República.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2006

Luís Mateus ( presidente )
Ricardo Alves (secretário)

Novamente, verifico que estou completamente de acordo com a posição tomada pela ARL.

8 de Fevereiro, 2006 jvasco

Estaline, Mao e a Inquisição

Pessoalmente repudio Estaline e Mao. Entre outras coisas, a sua governação foi responsável por indesculpáveis atropelos à liberdade, e muitos, muitos mortos. O repúdio é tal que fico transtornado quando alguém sugere que essa violência foi perpetrada em nome do ateísmo.

Esta sugestão costuma surgir em resposta ao relembrar das atrocidades das cruzadas, da inquisição, da caça às bruxas, e muitas outras do tipo. Alguns crentes (católicos, em geral) afirmam que, tal como as primeiras atrocidades podem ser atribuídas a católicos, também estas últimas podem ser atribuídas a ateus.

Este raciocínio é falacioso, e passo a explicar porquê.

Na Europa medieval, praticamente todos os monarcas eram cristãos. Houve, durante a idade média, centenas de guerras, batalhas, mortes. Mas não há praticamente ninguém que se lembre de culpar o cristianismo por estas mortes. Por estes milhões e milhões de mortos. E porquê?

Porque é que se tratam os crimes da inquisição de forma diferente dos crimes de qualquer monarca medieval? Porque é que ninguém culpa a Igreja por estes últimos?

Porque uma coisa é um cristão matar alguém em nome de Deus. Outra coisa diferente é um indivíduo matar outro porque quer terra, ouro, vingança, ou por outra razão qualquer, e vir-se a verificar que o assassino é cristão.

Ninguém culpa a Igreja Católica por todos os crimes que os católicos cometeram. Mal seria! Mas a Igreja teve culpa da Inquisição. Teve culpa das Cruzadas. Teve culpa da caça às bruxas. Teve culpa e até teve o bom senso de pedir desculpas.

Mao e Estaline não mataram ninguém para implementar o ateísmo. Nunca existiu uma «igreja ateísta» que matasse em nome do ateísmo, e não me parece que algum dia apareça. Mao e Estaline mataram em nome do comunismo (embora muitos possam afirmar que mataram em seu nome, por ambição, ganância, e medo de perder o poder). O ex-seminarista Estaline perseguia as pessoas por serem inimigas do seu regime, e não por acreditarem nesta ou naquela superstição.

Os crimes de Mao e Estaline são análogos aos crimes dos monarcas medievais, e de muitos outros cristãos que, no poder, foram responsáveis por incontáveis mortes. Ninguém culpa a Igreja por estes crimes, e com razão.

Mas a Igreja Católica foi responsável por horríveis atrocidades. Em nome de Deus. E para estas (Inquisição, Cruzadas, Caça às bruxas) o ateísmo nunca teve o seu análogo.

8 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Liberdade de expressão

A liberdade de expressão, pela palavra ou pela imagem, não pode estar condicionada a restrições nem deixar-se manietar pelo medo.

Após as manifestações de violência provocadas pela miséria, o atraso e a fé, elementos explosivos quando misturados, não faltaram piedosos censores de vários quadrantes, a invectivar os caricaturistas.

A liberdade não inclui «o direito de ferir os sentimentos religiosos dos outros» – foi a sentença do Vaticano que, se pudesse, restaurava a censura e impunha os valores do concílio de Trento.

No fundo, o Papa pensa que a liberdade ocupa um lugar subalterno em relação à fé, que o direito tem como limites a idiossincrasia beata, que não se podem beliscar os deuses que alimentam os clérigos espalhados pelo mundo.

Não se sabe o que pensa o toucinho de Maomé, sabendo-se o que este pensou daquele e sendo certo que nem um nem outro se encontram em condições de exprimir-se.

Os sentimentos religiosos são idênticos aos políticos, desportivos ou patrióticos. Quem define os limites do direito, estabelece a dimensão da ofensa ou mede o sofrimento?

Um adepto cujo clube perdeu, o político cujo partido foi batido nas urnas ou um sérvio que se viu espoliado do Kosovo, talvez sintam uma dor enorme, mas não lhes assiste o direito de queimar viaturas, apedrejar embaixadas ou assassinar cidadãos.

Se não resistirmos à violência religiosa, em breve o adultério, o divórcio e, sobretudo, a blasfémia voltarão a estar sob a alçada do código penal, na melhor das hipóteses, ou, na pior, ao arbítrio de uma santa Inquisição.

Pior que o máximo excesso que resulte da liberdade de expressão é a mínima limitação que possa ser imposta.

Os crentes não têm legitimidade para apresentar queixa das pretensas ofensas. Não são parte interessada. Apenas Moisés, Cristo ou Maomé o podem fazer ou alguém por eles mas com uma procuração presencial passada no notário. Fora disso não há legitimidade para julgar a blasfémia.