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Dia: 29 de Dezembro, 2005

29 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Totalitarismos e vitimização

Numa atitude clara de desafio à hierarquia católica, que quer a posse da igreja e excomungou não só padre mas também toda a direcção, pelo menos 2 000 fiéis da comunidade polaca de St Louis encheram a proscrita igreja de St. Stanislaus Kostka na noite de 24 de Dezembro para ouvir a primeira celebração eucarística do excomungado padre Marek Bozek.

Este episódio permite-nos reflectir sobre não só uma característica indissociável do cristianismo, a mania da vitimização e perseguição, como também a génese dos fundamentalismos. Claro que neste caso os crentes católicos têm motivo reais para se sentirem perseguidos pela hierarquia local mas o facto de terem comparecido em massa à primeira missa «proibida» reflecte dois dos factores de que se alimenta(ra)m os vários «flavours» do cristianismo. Um deles é a já referida mania da perseguição/vitimização, o outro é uma idiossincrasia humana que nos faz almejar o que é proíbido, tão bem identificada na máxima popular «o fruto proibido é o mais apetecido». Um dos meus amigos alemães, agora na Universidade de Bayreuth mas originalmente da Alemanha de Leste, ateu convicto, contava-me que antes da queda do muro ia com frequência a missas clandestinas não por qualquer convicção religiosa mas porque o facto de estar a fazer algo proibido satisfazia a sua rebeldia juvenil.

Ambos os factores foram abordados por Ed Brayton num post de um blog que leio habitualmente, os Despachos das guerras culturais, a propósito da não existente Guerra ao Natal, já referida pela Mariana. Para Brayton demagogia pura e interesse económico são as razões subjacentes ao alarido estridente criado em torno destes não assuntos pelos Jerry Falwells, Matthew Stavers e Bill O’Reillys que abundam nos Estados Unidos, ou seja a invenção de um inimigo conveniente que mexa com os sentimentos dos crentes é indispensável para manter um fluxo confortável de doações monetárias.

Sobre as razões porque embarcam tão facilmente os cristãos nestas encenações de perseguições inexistentes basta pensar como os cristãos enaltecem e valorizam os «mártires» e as perseguições em nome da fé. De facto, a(s) Igreja(s) cristãs alimenta(m)-se de «mártires» e sem estes e sem perseguição fenece(m). Assim, é preciso inventar perseguições e glorificar os que se «sacrificam» em nome de uma qualquer «causa» cristã, seja ela o aborto ou a Inquisição «anti-católica» que rejeitou Rocco Buttiglione.

A tentativa de angariar clientes com supostas perseguições justifica as declarações do finado Papa há pouco mais de um ano de que «no final do segundo milénio, a Igreja é de novo Igreja de mártires, as perseguições contra os crentes, sacerdotes, religiosos e leigos produziram uma grande seiva de mártires em diversas partes do mundo» pois como afirmou Edward Novak, secretário da Congregação para as Causas dos Santos, «De um mártir» nascem «centenas, milhares» de novos fiéis.

George Bernard Shaw descreveu o Sermão da Montanha, onde começam os inúmeros avisos bíblicos das «perseguições» de que seriam alvos os seguidores do mítico Cristo, como «uma explosão impraticável de anarquismo e de sentimentalismo». Friedrich Nietzsche acertou em cheio quando escreveu que «a moralidade cristã é a mais maligna forma de toda a falsidade» (Ecce Homo) ou, na Geneologia da Moral, «o cristianismo (ou a moralidade dos escravos) necessita um ambiente hostil para funcionar, a sua acção é fundamentalmente reacção».

Aliás, as nossas caixas de comentários são ilustrações perfeitas desta necessidade de invenção de perseguições pelos crentes, que assim satisfazem a ilusão de serem automaticamente abençoados e merecedores do reino dos céus como preconizado no Sermão da Montanha, mais concretamente em Mateus 5:10-12. Qualquer texto nosso é encarado como um insulto que encobre motivações sinistras (e inexistentes), perseguições confortantes para a fé que preenchem o léxico do imaginário dos crentes. São também ilustrações perfeitas dos ingredientes necessários à eclosão de fundamentalismos sortidos que, assim como todos os totalitarismos, assentam em três pilares:

1) A detenção de uma verdade «absoluta», à qual todos devem se submeter, mesmo os descrentes nesta suposta verdade;
2) A certeza num destino glorioso para os justos/eleitos;
3) Um grande inimigo que é necessário diabolizar, sendo a suposta perseguição por este inimigo o nexus da angariação e fidelização de seguidores.

De facto, um inimigo sob o qual estão sob ataque constante os «justos» ou eleitos é indispensável a qualquer totalitarismo, seja ele religioso ou ideológico/político, um inimigo que pode ser responsabilizado por todos os males da sociedade e cujo combate exige a mobilização permanente dos eleitos. Para completar o quadro, é necessário convencer o rebanho de conformistas que este inimigo está sempre a postos para os perseguir, pois domina a cena financeira/política e controla os meios de comunicação. Este último ponto é indispensável na era da comunicação para imunizar os crentes em relação a qualquer crítica, atribuindo tudo o que é dito de negativo sobre as respectivas doutrinas a manobras persecutórias e manipuladoras do inimigo omnipresente.

Assim, todos os totalitarismos, religiosos ou políticos, dividem a humanidade entre eleitos e excluídos consoante a sua obediência ou não a estas verdades «absolutas», invocam infernos sortidos (concretizados em gulags e campos de concentração na versão política) como destino dos excluídos e consideram ser esta a forma suprema de justiça. Para todos os totalitarismos o destino do homem livre, o seu grande inimigo, é a perdição. Ou seja, pervertem o conceito de liberdade como pervertem o conceito de justiça ao pregarem que só a obediência cega, a Deus ou a líderes totalitários, conduz à verdadeira liberdade. E apelidam de ditadura, do relativismo ou afins, a verdadeira liberdade!

29 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

Carta aberta a uma prosélita

Laura Schlessinger é uma personalidade da rádio americana que dá conselhos às pessoas que ligam para o seu show.

Em tempos ela disse que a homossexualidade é uma abominação de acordo com Levíticos 18:22 e não pode ser perdoado em qualquer circunstância.

O texto abaixo é uma carta aberta para a Dra. Laura Schlessinger, escrita por um cidadão americano, divulgada na Internet, e que pode ser lida em
http://www.humanistsofutah.org/2002/WhyCantIOwnACanadian_10-02.html

«Cara Dra. Laura:

Obrigado por ter feito tanto para educar as pessoas no que diz respeito à Lei de Deus. Eu tenho aprendido muito com o seu show, e tento compartilhar esse conhecimento com tantas pessoas quantas posso.

Quando alguém tenta defender a homossexualidade, por exemplo, eu lembro simplesmente que Levíticos 18:22 claramente afirma que isso é uma abominação. Fim do debate.

Mas eu preciso , entretanto, da sua ajuda no que diz respeito a algumas outras leis específicas e como seguí-las:

a) Quando eu queimo um touro no altar como sacrifício, eu sei que isso cria um odor agradável para o Senhor (Levíticos 1:9). O problema são os meus vizinhos.
Eles reclamam afirmando que o odor não é agradável para eles. Devo matá-los por heresia?

b) Eu gostaria de vender minha filha como escrava, como é permitido em Êxodo 21:7. Na época actual, qual acha que seria um preço justo?

c) Eu sei que não é permitido ter contacto com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levíticos 15:19-24).O problema é: como é que eu digo isso a ela? Eu tenho tentado, mas a maioria das mulheres toma isso como ofensa.

d) Levíticos 25:44 afirma que eu posso possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, se eles forem comprados em nações vizinhas.
Um amigo meu diz que isso se aplica a mexicanos, mas não a canadianos. Você pode esclarecer isso? Por que será que eu não posso possuir canadianos?

e) Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 afirma claramente que ele deve ser morto. Sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo?

f) Um amigo meu acha que, mesmo que comer moluscos seja uma abominação (Levíticos 11:10), é uma abominação menor que a homossexualidade. Eu não concordo. Você pode esclarecer esse ponto?

g) Levíticos 21:20 afirma que eu não posso aproximar-me do altar de Deus se eu tiver algum defeito na visão. Eu admito que uso óculos para ler.
A minha visão tem mesmo que ser 100%, ou pode-se dar um jeitinho?

h) A maioria dos meus amigos homens apara a barba, inclusivamente o cabelo das têmporas, mesmo que isso seja expressamente proibido em Levíticos 19:27. Como devem eles morrer?

i) Eu sei que tocar em pele de porco morto me faz impuro (Levíticos 11:6-8), mas eu posso, por exemplo, jogar futebol americano se usar luvas? É que as bolas de futebol americano são feitas com pele de porco.

j) O meu tio tem uma fazenda. Ele viola Levíticos 19:19 plantando dois tipos diferentes de vegetais no mesmo campo. A sua esposa também viola Levíticos 19:19, porque usa roupas feitas de dois tipos diferentes de tecido (algodão e poliester). Ele também tem tendência para praguejar e blasfemar muito. É realmente necessário que eu chame toda a cidade para apedrejá-los (Levíticos 24:10-16)? Nós não poderíamos simplesmente queimá-los numa cerimónia privada, tal como deve ser feito com as pessoas que mantêm relações sexuais com os seus sogros (Levíticos 20:14)?

Eu sei que você estudou essas coisas a fundo, por isso confio que possa ajudar.

Obrigado novamente por nos lembrar que a palavra de Deus é eterna e imutável.

Seu discípulo e fã ardoroso

Jim

29 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Acontecimento científico do Ano

A revista Science escolheu a Evolução como a área em que se registaram os avanços científicos mais importantes do ano. Para celebrar o tema e, nesta altura em que os fanáticos religiosos travam um guerra IDiota com a evolução, igualmente para permitir que todos tenham acesso às descobertas mais marcantes que demonstram a evolução como a pedra basilar de todas as ciências biológicas incluindo a medicina, todos os artigos publicados nesta área têm acesso grátis até Março de 2006.

Embora ressalvando que o grande passo em frente se deu há um século e meio quando Charles Darwin publicou a Origem das Espécies, em que reconhece como a selecção natural moldou as diferentes espécies que hoje habitam o nosso planeta, a prestigiada revista científica elege 2005 como um ano emblemático para a evolução com a descoberta de detalhes sobre como de facto ocorreu a evolução, com a publicação dos genomas de espécies como o chimpanzé ou o cão, para além de uma série de descobertas que lançaram uma nova luz nos mecanismos com que populações evoluiram em novas espécies.