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Dia: 7 de Dezembro, 2005

7 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Confissões em catedral de consumo

Certamente preocupados com o estado das «almas» dos seus crentes, preocupação «legítima» nesta época em que os deveres religiosos do dia do sol, que deveria ser dedicado ao suposto criador que descansou ao sábado, são descurados face à azáfama consumista, a igreja de Katowice, no sul da Polónia, abriu uma mini-capela num centro comercial.

A capela, devotada primariamente à confissão dos polacos que, pouco catolicamente, dedicam o domingo a actividades mundanas, foi abençoada por um dos teólogos polacos mais proeminentes, Arkadiusz Wuwer, um padre que lecciona na Universidade da Silésia em Katowice.

Devo confessar que não consigo imaginar local mais apropriado, mais realista, para um local de culto da Igreja Católica.

7 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Em nome de Salazar, esse grande libertador

É o título de um artigo absolutamente imprescíndivel de Fernanda Câncio no Glória Fácil. Artigo que versa, numa prosa fabulosa, sobre a guerra dos crucifixos em que os fundamentalistas católicos transformaram um não acontecimento em qualquer outro ponto do mundo democrático: no seguimento de queixas sobre o incumprimento da lei máxima da República a tutela ordenou que a lei se cumprisse. Um pequeno excerto para abrir o apetite:

«de bagão félix a sarsfield cabral, de joão miguel tavares a barata feyo, para culminar no papa espada e nos habituais rigorismos informativos do espesso, les beaux esprits encontram-se na tese de que os crucifixos ‘são naturais’, estão ‘naturalmente’ nas salas de aula, em nome da ‘tradição’ (pois claro, a tradição, esse garante de civilidade e progresso, esse sinónimo de bondade absoluta e inquestionável e, já agora, de ‘cultura’) e querer de lá retirá-los é como extirpar uma parte da alma ao país sem sequer um pó de anestesia, atentando contra a ‘liberdade religiosa’ da ‘maioria cristã’ e desrespeitando ‘as mais fundas convicções’ do povo, contra o ‘bom senso’ e a ‘boa convivência’ — e a cultura, que, claro está, ‘é de todos nós’, mesmo dos muçulmanos e dos judeus e dos ateus.»

7 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

Portugal – País laico

Não há anti-clericalismo sem clericalismo.

A presença de crucifixos em escolas públicas, além de ilegal, é uma exigência injusta e gratuita ao Estado laico. O Governo não defendeu, como devia, a liberdade religiosa quando assinou a Concordata – um instrumento ao serviço da Igreja católica -, mas não cedeu escolas para exibição de símbolos religiosos de nenhuma religião.

A Concordata não derroga a Constituição embora favoreça a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) face às outras religiões, conferindo-lhe benefícios especiais.

À ICAR não basta ser privilegiada, pretende a omnipresença. São hábitos que herdou do passado, onde o ensino religioso era obrigatório e o acesso a algumas profissões (ensino primário e enfermagem, v.g.) era, na prática, vedado aos não católicos.

À tolerância e pluralismo responde com proselitismo. Não lhe bastam os privilégios, deseja a exclusividade e ameaça a legalidade acirrando os fiéis.

«Dar a César o que é de César» é uma norma que a ICAR só aplica nos países onde é minoritária.

O Estado tem de ser laico para respeitar igualmente todos os cidadãos, seja qual for a crença, ou a sua ausência, e poder exigir-lhes respeito. Ao conceder privilégios à ICAR, que não pode dar a outras religiões, arrisca-se a capitular perante o fascismo islâmico se os mullahs começarem a pregar o ódio a partir das mesquitas.

Do mesmo modo que o Estado renuncia a colocar a Bandeira, o busto da República ou a foto do Presidente nos templos, também as Igrejas devem abster-se de colocar os seus símbolos nos edifícios públicos.

É uma forma de conter o proselitismo e evitar guerras religiosas.

7 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Apelo à laicidade na Rússia

A imposiçao abusiva em locais públicos dos símbolos religiosos de uma determinada fé a todos os cidadãos de uma nação supostamente laica não é exclusivo português. Da Rússia chega-nos a notícia que os principais clérigos islâmicos protestam o uso e abuso dos símbolos religiosos da Igreja Ortodoxa russa em locais públicos e apelam à reposição da laicidade violada pelas autoridades russas.

Entre os pedidos dos clérigos islâmicos figura a retirada dos símbolos cristãos da heráldica de estado mas existem inúmeras violações da laicidade pelas quais os muçulmanos russos afirmam sentir os seus sentimentos violados.

«Não se trata apenas do brazão russo. Nós podemos dizer que os ícones estão praticamente afixados em todas as paredes de instalações estatais» afirmou Nafigulla Ashirov, presidente do Conselho Espiritual dos muçulmanos da Rússia asiática, que acusou ainda os Ministérios da Defesa e do Interior e o Serviço Federal de Segurança de se terem apropriado de vários santos «supostamente os patronos dos guerreiros». Lamentando-se «As estruturas de poder, as autoridades e Igreja Ortodoxa russa do patriarcado de Moscovo estão a erigir enormes crucifixos em postos fronteiriços e na aproximação de cidades. Estão a construir capelas ortodoxas nos postos de comando das forças armadas».

Preocupações e lamentos partilhados por outros líderes da comunidade muçulmana russa, nomeadamente Damir Mukhetdinov, presidente do Conselho Espiritual dos muçulmanos da região de Nizhny Novgorod e Ali Visam Bardvil, o seu equivalente para os muçulmanos da Karelia.

O primeiro recorda que «Nós, os muçulmanos da região de Nizhny Novgorod, fomos inteiramente a favor da introdução do feriado da unidade dos povos. Nunca imaginámos, no entanto, que o som dos sinos da Igreja Ortodoxa e o ícone da Virgem de Kazan se tornariam os símbolos deste feriado na Rússia». O mufti está convicto de que «tudo isto viola a natureza laica do estado e não contribui para a unidade dos povos na Rússia».

Esperemos que os cristãos ortodoxos russos mostrem mais bom senso que os seus homólogos católicos em Portugal e não tentem fazer uma guerra de crucifixos (e ícones) daquilo que deveria ser evidente e que os responsáveis muçulmanos na Rússia reconhecem: a laicidade é indispensável e é a melhor prevenção de possíveis conflitos!