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Dia: 30 de Outubro, 2005

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Sex and the Holy City – II

No programa da Panorama podemos assistir a um exemplo elucidativo sobre o modus operandis da Igreja no terceiro mundo, que, mesmo em países em que o catolicismo não é a religião maioritária, se infiltra através de grupos de ajuda supostamente humanitária e impõe a sua cultura de morte através destas instituições. O Quénia é esse exemplo, um país em que apenas cerca de 28% da população é católica, mas em que a Igreja católica praticamente controla a saúde e a educação. Quando o governo queniano declarou a SIDA como um emergência nacional e tentou adoptar o uso de preservativos como uma forma de controlar a epidemia, a Igreja católica local reagiu violentamente contra tal medida, levando um dos membros do Parlamento local a declarar a Igreja católica como «o maior obstáculo na luta contra o HIV/SIDA». De igual forma a minoritária mas poderosa e influente Igreja Católica opôs-se vigorosamente e boicotou um programa de educação sexual nas escolas, apesar de a ONU recomendar esta como uma das formas fulcrais para evitar a disseminação da SIDA.

No programa é entrevistado o Cardeal Maurice Otunga, o responsável máximo da ICAR local, que conduziu várias manifestações de fé e devoção cristãs, com o ponto alto na queima de preservativos e folhetos educativos sobre a SIDA. Dignitário que considera e afirma publicamente sem qualquer prurido de consciência, tal como Raphael Ndingi Mwana’a Nzeki, o arcebispo de Nairobi, que o uso de preservativos dissemina a SIDA. Otunga mantém, tal como o piedoso cardeal Alfonso Lopez Trujillo, responsável pelo Conselho Pontifical da Família, que o HIV é suficientemente pequeno para passar através dos preservativos (que têm… poros!). Reafirmando que «os preservativos podem mesmo ser uma das principais razões para a disseminação do HIV/SIDA», ecoando o que a conferência dos bispos da África do Sul, um dos países mais flagelados pela doença, tinha afirmado uns anos antes.

Por isso, e apesar de todo o corpo de conhecimento científico em contrário e as recomendações da organização Mundial de Saúde, sustentadas em factos médicos e não em preconceitos religiosos, a propaganda anti-preservativo da Igreja católica no Quénia atingiu proporções desastrosas e teve um sucesso mortal. Um inquérito levado a cabo pela Kenyan Media Institute indica que 54% dos quenianos não acreditam que os preservativos sejam eficientes a prevenir a infecção com o HIV e concordam que «os preservativos encorajam a imoralidade que por sua vez expõe as pessoas ao risco de contraírem o vírus».

No programa assistimos ainda a uma visita de uma freira católica à família de um homem queniano infectado com o HIV, que não usa preservativo porque, de acordo com os piedosos ensinamentos cristãos, reiterados na visita, «sabe» que o preservativo deixa passar o vírus…

Mentira deliberada que podemos ver propagada pela Igreja católica em todo o mundo, da Ásia à América latina, via os seus 100 000 hospitais e 200 000 agências de serviço social, mantidos com o dinheiro de todos nós! E insatisfeitos em «apenas» disseminar mentiras, proíbir o uso e informação sobre os preservativos (ou qualquer método contraceptivo) nas instituições católicas, a Igreja usa todos os mecanismos de pressão política de que dispõe para que tal seja geral, mesmo em ONG’s seculares. Em Lwak, perto do Lago Vitória, o director de um centro de combate à SIDA afirma que não pode distribuir preservativos devido à oposição da Igreja. Gordon Wambi afirma no programa: «Alguns padres têm dito que os preservativos estão contaminados com o vírus HIV»

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Sex and the Holy City

Há uns dias tive oportunidade de finalmente ver o programa da BBC «Sex and the Holy City» do qual já lera algumas transcrições mas nunca tinha visionado. O programa é absolutamente devastador e deveria ser de visualização obrigatória para todos, especialmente os católicos, para todos se aperceberem da real dimensão da influência nefasta da Igreja Católica no mundo.

Na realidade muitos dos católicos que defendem mesmo as práticas mais desumanas da «santa» Igreja, como as que respeitam à posição em relação à contracepção, aborto terapêutico, uso do preservativo como profilaxia da SIDA e em geral tudo o que diga respeito à saúde sexual e reprodutiva, contrapondo como elemento que se sobrepõe a esta atitude retrógrada, com contornos criminosos, um suposto papel humanitário levado a cabo pela Igreja, no terceiro mundo em particular, não assistiram certamente a este programa esclarecedor.

Para além do mais convém não esquecer que se a Igreja tem dinheiro para levar a cabo este suposto papel social que, segundo os crentes, justifica as doutrinas mais abjectas, tal se deve exclusivamente ao facto de não estar sujeita a quaisquer obrigações fiscais. Assim, o dinheiro que é usado para convencer o mundo da estrita necessidade das instituições religiosas provem de investimentos e negócios que, no mundo inteiro, não contribuem um cêntimo para os estados respectivos assegurarem eles próprios o papel social para que as religiões se reclamam indispensáveis. A Igreja Católica, por exemplo, é a multinacional mais poderosa nos Estados Unidos, com negócios não taxados que vão desde a operação de parques de estacionamento, hotelaria, empresas de comunicação social a bancos. A tudo isto soma-se a contribuição monetária não despicienda dos governos estaduais e federal.

Ou seja, as religiões em geral e a católica em particular constituem um negócio extremamente lucrativo que, para além de não pagar impostos sobre os lucros dos respectivos investimentos, recebe contribuições significativas dos impostos que todos pagamos. O seu suposto contributo social (que não o é de facto) só é possível à custa do nosso dinheiro, quer o que contribuímos directamente via impostos quer aquele que não é colectado de actividades (muito) lucrativas e que seria melhor utilizado numa assistência social estatal!

E as supostas meritórias acções das instituições sociais religiosas, nos países do terceiro mundo e em todo o lado onde se instalam, não são fornecidas graciosamente: os receptores dessa «beneficiência» são livre e abundantemente proselitados, isto é, sujeitos a lavagem cerebral em doses massivas, e essa «beneficiência» é ministrada de acordo com os ditames «morais» do Vaticano.

Ditames de facto imorais como é perfeitamente ilustrado no supracitado programa da BBC. Onde acompanhamos o repórter Steve Bradshaw num périplo pelo mundo e assistimos à forma criminosa como a Igreja de Roma impõe os seus anacrónicos ditames (as)sexuais a todos, católicos e não católicos, usurpando o papel estatal na assistência médica e hospitalar em países sub-desenvolvidos. Ditames que resultam, por exemplo, numa cultura de morte nas Filipinas e contribuem para o alastrar da epidemia de SIDA no devastado continente africano.

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Humanismo e sociedade

Decorre até amanhã em Amherst, New York, um Congresso Internacional devotado ao tema «Toward a New Enlightenment» realizado no âmbito das comemorações do 25º aniversário do Conselho do Humanismo Secular. Entre os congressistas encontram-se Richard Dawkins e os prémios Nobel da Química Harold Kroto e Herbert Hauptmann. Harry (Kroto) é um ateu «militante» que tive o prazer de conhecer em finais dos anos oitenta e já nessa altura, antes do recrudescer dos fundamentalismos religiosos que hoje nos assolam, o seu tema favorito de conversa, tirando o C60, claro, cuja descoberta lhe valeu o Nobel em 1996, era a ameaça para a humanidade e para o seu desenvolvimento ético que as religiões representavam. Aliás, preocupação que não esteve ausente da sua autobiografia no site da Fundação Nobel, em que se pode ler:

«Depois de tudo isto, acabei sendo um apoiante de ideologias que advogam o direito do indíviduo falar, pensar e escrever em liberdade e segurança (certamente a fundação de uma sociedade civilizada). Tenho problemas pessoais muito sérios quando confrontado com indíviduos, organizações e regimes que não aceitam que essas liberdades são direitos humanos fundamentais. (…) Assim sou um apoiante da Amnistia Internacional, um humanista e um ateu. (…) Organizações que procuram influência política através de um esforço coordenado perturbam-me e por isso considero que grupos religiosos e grupos de pressão religiosos que operam desta forma o fazem anti-democraticamente e não deveriam ter qualquer papel em política.Também tenho problemas com aqueles que pregam ideologias racistas e relacionadas que quasi parecem indistínguiveis do nacionalismo, patriotismo e convicção religiosa»

As considerações de Harry sobre a religião e sua influência nefasta na Humanidade são reflectidas neste Congresso:

«Milhares de anos de história humana e as delapidações das guerras mundiais trouxeram a maior parte do mundo para o limiar da paz e proporcionaram a véspera do enlightenment (termo difícil de traduzir, talvez iluminismo no sentido de oposição a obscurantismo religioso). O último século em particular viu a emergência de tratados internacionais e instituições que constituiram passos em frente no desenvolvimento de uma verdadeira civilização internacional, liberta dos erros e preconceitos inerentes a culturas religiosas fundamentalistas. Foram propostos novos métodos de governo, nacional e internacional, e estabelecidos tratados internacionais reconhecendo os direitos humanos fundamentais. Os valores do Enlightenment europeu foram estabelecidos através destas novas instituições e tratados mesmo quando se verificam revezes quer no Médio Oriente quer em democracias ocidentais.

O fundamentalismo religioso em todo o mundo ameaça o nosso progresso de uma forma que a Guerra Fria nunca o fez. Duas visões escatológicas competitivas enfrentam-se agora em que a vitória mútua assegura o fim do mundo enquanto os sistemas económicos em competição na Guerra Fria asseguravam que a derrota mútua seria o fim inevitável do falhanço da paz. O fundamentalismo ameaça igualmente o progresso científico e cultural e as liberdades individuais, já que as religiões lutam por supremacia ideológica, sem qualquer respeito pelas verdades descobertas pela ciência ou pelas batalhas por liberdades individuais que foram travadas e ganhas contra o autoritarismo e contra o medo. Até à data os Estados Unidos e a Europa Ocidental têm sido faróis na marcha do progresso e dos valores do Enlightenment mas a maré parece estar a recuar. Enquanto as forças do fundamentalismo preparam e armam os seus seguidores para uma batalha contra os valores que abraçámos devemo-nos unir numa causa para defender mais veementemente que nunca esses valores.

Os valores do Enlightenment estão a ser ameaçados em todo o Mundo. A agenda fundamentalista quer no Ocidente quer no Oriente rejeita liminarmente esses valores. Estamos no limiar de uma nova obscurantista Idade Média. Poderemos aprender com as lições do Enlightenment francês e inglês e ajudar a construir um Novo Enlightenment

Os colaboradores do Diário Ateísta partilham as preocupações das associações humanistas internacionais que participam neste Congresso e tentarão ajudar, dentro das suas capacidades, a que a resposta a esta questão crucial para o futuro da Humanidade seja afirmativa. Continuaremos como sempre o fizemos a responder aos assaltos dos fundamentalismos religiosos ao que prezamos e defendemos: ciência, racionalismo, laicidade, livre pensamento e valores humanistas!