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Dia: 8 de Outubro, 2005

8 de Outubro, 2005 Palmira Silva

«Palavra de Deus» não deve ser levada à letra


A hierarquia da Igreja Católica britânica produziu uma publicação didáctica descodificando não só a velha de 40 anos Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina do concílio Vaticano II, Dei Verbum, mas também outros documentos emanados do Vaticano, que discorrem longa, maçadora e prudentemente sobre as ressalvas em relação à «inenarrância» bíblica. Na prática, os bispos ingleses, galeses e escoceses deram a sua chancela a muitas afirmações que aqui no Diário Ateísta provocaram indignadas reacções dos nossos mais católicos leitores.

Assim, para além de reconhecer o perigo que a interpretação literal de algumas passagens da Bíblia suscita, por exemplo, causando o anti-semitismo que grassou na «santa» Igreja por via da praga contra os judeus expressa em Mateus 27:25, e de rejeitar como os delírios que de facto são todas as sandices apocalípticas do livro da Revelação, o «Presente das Escrituras» explica aos fiéis que algumas partes da Bíblia não correspondem de facto à verdade. Advertindo os leitores das sagradas escrituras que não devem esperar encontrar nelas um «exactidão total», mais concretamente os dignitários britânicos concedem, contrariamente ao que foi durante tantos séculos uma «verdade absoluta» católica, que «Não devemos esperar nas Escrituras uma total exactidão científica ou precisão histórica completa». Uma evolução louvável se considerarmos que há apenas um século o santinho Pio X condenava vigorosamente a aplicação de técnicas críticas que visavam testar a consistência histórica (inexistente) da Bíblia.

Considerando que o «Presente das Escrituras» condena o fundamentalismo cristão pela sua intolerância intransigente, insiste que os primeiros onze capítulos do Génesis não são uma narrativa histórica, que numa evidente exibição do tão execrado relativismo diz que a Igreja deve interpretar os Evangelhos de forma apropriada ao nosso tempo e que a Bíblia só é verdadeira nas passagens que dizem respeito à salvação humana (o que quer que isto seja) diria que esta exegese britânica não terá muito sucesso na comunidade católica, especialmente além mar, onde o fundamentalismo criacionista merece «honras» de capa na Time.

E estaria disposta a apostar que Bento XVI, que enfrenta dores de cabeça consideráveis neste sínodo, que já conheceu um visitante indesejado (link com registo grátis), Gregorios III Laham, presente na sua qualidade de patriarca dos católicos Melkite, que afirmou logo no preâmbulo que «O celibato não tem fundamento teológico», dispensa em absoluto este «presente envenenado, que dispara «fogo amigo» sobre as «verdades absolutas intemporais e universais» da Igreja de Roma…

8 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Mais contratempos para Bush

Uma lei inesperada, proposta inesperadamente por um senador republicano foi aprovada no Senado norte-americano por uma esmagadora maioria, 90 votos a favor contra 9 nove votos contra. A adminstração de Bush já ameaçou vetar a lei, que pretende banir o uso da tortura em prisioneiros das forças armadas americanas.

A lei, proposta pelo senador republicano John McCain, que foi torturado no Vietname, pretende evitar o tratamento «cruel, desumano e degradante» de prisioneiros sob a alçada da Defesa norte-americana, que ganhou fôlego com o escândalo de Abu Ghraib e alegações semelhantes na prisão de Guantanamo Bay, surge como um adenda à lei que permite o gasto de 440 mil milhões de dólares na Defesa e se Bush vetar a adenda terá de vetar toda a lei. Nestas condições é provável que as ameaças de veto por parte do presidente norte-americano não se concretizem, já que nesta hipótese as forças americanas no Iraque e Afeganistão ficariam com falta de dinheiro em meados de Novembro.

Num país em geral e numas Forças Armadas em particular tão cristãs que o pai (judeu) de dois cadetes processa a Força Aérea americana por impôr o cristianismo nas suas escolas, é estranho não só que o Deus que tanto sussurra incubimentos divinos no ouvido de Bush não tenha uma palavrinha a dar sobre o uso da tortura como o apregoado amor cristão ao próximo não os coíba de tais práticas…

8 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Sashimi versão cristã

«Temos de ser realistas em relação ao que a Bíblia diz sobre medo e não recearmos partilhar a nossa fé na escola» é a posição do pastor Anthony Martin da First Assembly of God Church, em Florence, Alabama. E como «Não podemos deixar que o medo regule as nossas vidas» o denodado pastor recorre a métodos inovadores para marcar cruamente as suas prelecções sobre medo.

Assim, a semana passada os participantes das ousadas iniciativas do pastor, que pretende que os jovens se entreguem a Cristo e desenvolvam um relacionamento mais profundo com ele, digeriram uma lição (intragável, diria eu) sobre medo, em que os jovens foram convidados a engolir… peixes vivos!

Quiçá para Martin não incorrer nas desventuras do padre Arthur Michalka, que foi obrigado a pedir desculpas pela sua lição in promptu sobre o valor do sofrimento, todos os adolescentes que participaram na degustação estavam devidamente munidos de autorizações paternais…

8 de Outubro, 2005 Palmira Silva

A missão

São George contra o dragão aka eixo do mal.

Um programa da BBC que irá para o ar segunda feira provocou uma reacção oficial da Casa Branca, nomeadamente um comunicado de imprensa em que o porta-voz, Scott McClellan, afirma serem absurdas as afirmações de um dignitário palestiniano de que G. W. Bush afirmou estar a cumprir uma missão «divina» quando decidiu invadir o Afeganistão e o Iraque.

De acordo com Nabil Shaath, o ministro dos Negócios Estrangeiros palestiniano aquando da cimeira israelo-palestiniana de Sharm el-Sheikh, quatro meses antes da invasão do Iraque, durante esta Bush revelou detalhes do seu fervor religioso, já abordados no seu livro autobiográfico, «A charge to keep».

Segundo Shaath, Bush terá dito, entre outras devotas revelações, que: «Sou conduzido por uma missão de Deus. Deus disse-me ‘George vai e luta contra estes terroristas no Afeganistão’. E eu fui. E então Deus disse-me ‘George, vai e acaba com a tirania no Iraque’. E eu fui.» afirmando em relação à cimeira «E outra vez, senti as palavras de Deus vindo a mim, ‘Vai e faz os palestinianos terem o seu estado e faz os israelitas terem a sua segurança e leva a paz ao Médio Oriente’. E, por Deus, eu vou fazê-lo».

Estas alegações, vigorosamente negadas pela Casa Branca, serão difundidas no âmbito de um documentário em três episódios da BBC, que analisa as tentativas de paz no Médio Oriente na perspectiva dos seus intervenientes directos. O líder palestiniano Mahmoud Abbas, que participou na cimeira de 2003 no Egipto, aparece igualmente no documentário a reforçar a motivação religiosa das «cruzadas contra o eixo do mal» de Bush. Aliás, imediatamente após a cimeira, o periódico israelita Haaretz revelava que, segundo Abbas, Bush terá dito: «Deus disse-me para lutar contra a al Qaida e eu lutei contra ela, depois deu-me instruções para ir contra Saddam, o que eu fiz, e agora estou determinado a resolver o problema no Médio Oriente.»

Assim, não se percebem as objecções da Casa Branca à divulgação da história, até porque G. W. Bush reafirmou inúmeras vezes o seu papel de cruzado divino. Papel perfeitamente entendido e interiorizado pelo seu Departamento de Defesa, nomeadamente pelo general William “Jerry” Boykin, o sub-secretário da Defesa encarregue da caça a bin Laden, que considera ainda que os terroristas tentam destruir a América porque «somos uma nação cristã e o inimigo é um tipo chamado Satanás» considerando que «o nosso inimigo espiritual só pode ser defendido se lutarmos contra ele em nome de Jesus».

Boykin, um fanático cristão que vê Satanás até em manchas escuras de fotos (de Mogadishio, capital da Somália), afirmou ainda que Bush, que foi eleito em 2000 sem a maioria dos votos, que foram para Al Gore, não foi posto na Casa Branca com o voto popular mas sim nomeado por Deus.

Curiosamente os países integrantes do «eixo do mal» são, juntamente com o Vaticano, os grandes aliados dos Estados Unidos noutra cruzada, esta contra o uso de preservativo como forma de prevenção contra a SIDA…