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Dia: 6 de Agosto, 2005

6 de Agosto, 2005 Palmira Silva

Tolerância

Os argumentos dos fundamentalistas religiosos das duas maiores confissões do livro parecem passar nos últimos dias por comparações absurdas com o nazismo.

Depois dos dislates de Dobson referidos no post precedente foi a vez de Mohammad Naseem, o presidente da mesquita central de Birmingham que questionou o envolvimento de muçulmanos nos ataques de 7 de Julho e negou a existência da Al Qaeda. Hoje, em declarações ao programa Today da BBC Radio 4, Naseem comparou a intenção de Blair de deportar estrangeiros que preguem o ódio e encerrar locais de oração onde se louve o terrorismo à demonização dos judeus feita pelo regime nazi!

O deputado por Birmingham Khalid Mahmood já pediu a demissão de Naseem, pedido que o último repudiou dizendo ter os votos de 4000 muçulmanos em contrário.

Pessoalmente deploro os excessos securitários que o fanatismo islâmico está a despoletar. E considero que um dos objectivos dos terroristas já foi atingido: perturbar e alterar o nosso estilo de vida. Mas recordo mais uma vez o paradoxo da tolerância de Karl Popper, que já transcrevi parcialmente no post Delenda Carthago, com que concordo em absoluto:

«Tolerância ilimitada leva necessariamente ao desaparecimento da tolerância. Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo com os intolerantes, e não defendermos a sociedade tolerante contra os seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados e com eles a tolerância. Assim, devemos reinvidicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Devemos reinvidicar que qualquer movimento que prega a intolerância se colocou a si próprio fora da lei e devemos considerar criminoso o incitamento à intolerância e perseguição, do mesmo modo que consideramos criminoso o incitamento ao assassínio ou rapto ou ao reviver do comércio de escravos.»
The Open Society and Its Enemies (1945)

Só espero que a vigilância da intolerância religiosa não se restrinja à islâmica…

6 de Agosto, 2005 Palmira Silva

Mais terrorismo cristão

No programa de rádio da organização «Focus on the Family» do passado dia 3 de Agosto, dedicado à discussão da blasfema investigação em células estaminais, James C. Dobson, fundador e presidente da maior organização teocrata americana e uma das mais radicais, comparou a investigação em células estaminais embrionárias com as experiências nazis conduzidas com pacientes vivos, durante e antes do Holocausto. Dobson sugeriu ainda que as experiências nazis também poderiam resultar em descobertas que «beneficiariam a humanidade» quando igualou os defensores da investigação a médicos nazis:

«Sabe, aquilo que significa tanto para mim neste assunto é que as pessoas falam no potencial para o bem que vem da destruição destes pequenos embriões e como poderemos resolver o problema da diabetes juvenil (…) Mas eu tenho de perguntar: Na Segunda Guerra Mundial os nazis fizeram experiências em seres humanos de formas terríveis nos campos de concentração, e eu imagino, se quiser dispender o tempo para ler sobre isso, que poderiam ter ocorrido experiências que beneficiariam a humanidade».

Como é óbvio, as reacções de indignação pública às observações de puro terrorismo psicológico do «piedoso» pastor, ouvidas por cerca de 220 milhões de pessoas no mundo inteiro, não se fizeram esperar. Nomeadamente exigindo um pedido de desculpas público pela enormidade de comparar investigação numa célula, obtida a partir da junção de duas células, com experiências que torturaram e mataram de forma ignóbil incontáveis pessoas! Mais concretamente um pedido de desculpa aos sobreviventes do Holocausto, suas famílias e todos os que sintam ofendidos pela ignóbil comparação. Pedido de desculpas que Dobson se recusou a pronunciar, uma vez que para a «Focus on the Family», como diz a respectiva analista de assuntos éticos, Carrie Gordon Earll:

«A analogia com as experiências Nazis é correcta e apropriada. Se algumas desculpas são devidas, são os advogados da destruição de seres humanos embrionários que as deviam fazer».

Quanto a Dobson, depois de disponível para comentar as inúmeras críticas, tentou menorizar as suas afirmações, dizendo que tinham sido «exageradas pelos ultra-liberais que não se importam com a vida humana». Mas reafirmou os supostos «exageros» quando, embora concedendo que os embriões, ao contrário das vítimas nazis não sentem dor ou sofrimento, concluiu que as macabras experiências nazis e a investigação em células estaminais são «moralmente equivalentes uma à outra»! E continuou atacando especialmente o Senador Bill Frist, o líder da bancada Republicana no Senado, que num volte face inesperado para os teocratas que se consideram atraiçoados, se declarou a favor de um reforço no financiamento federal para a investigação em células estaminais.

Assim Dobson negou-se categoricamente a pedir quaisquer desculpas à comunidade judaica pelas suas afirmações. E Carrie Gordon Earll justificou esta recusa do seu presidente afirmando que a comunidade judaica «deveria ser sensível» às «atrocidades» da investigação.

Para azar dos piedosos cristãos, a religião judaica é a única das religiões do livro completamente a favor deste tipo de investigação. Pelo menos os judeus americanos, já que longe de se oporem, a Union of Orthodox Jewish Congregations of America assegurou o reforço do seu apoio à investigação em células estaminais embrionárias. Aliás uma carta da organização endereçada ao Senado assevera isso mesmo.