23 de Julho, 2005 Carlos Esperança
Santo Ofício
A fértil imaginação dos santos inquisidores para libertarem as almas.
A fértil imaginação dos santos inquisidores para libertarem as almas.
Em Londres os actos de terrorismo voltaram. A insegurança e o medo regressam à capital do Reino Unido. Não há desculpa nem perdão.
Os sucessivos crimes perpetrados por fanáticos não são um mero epifenómeno de extremistas exaltados, resultam da interpretação dos livros sagrados e da catequese terrorista dos dignitários religiosos que os acirram.
Tal como os crimes de que Hitler e Stalin foram autores se devem a ideologias que fanatizaram milhões de pessoas, também os atentados inspirados por Bin Laden têm origem numa ideologia que convence os autores da bondade dos seus desvarios.
A Al-qaeda não é diferente do IRA. Os atentados de Londres, Madrid ou Nova York não são mais perversos do que os que os sionistas cometeram na Palestina ou os cristãos perpetraram, no passado, contra os judeus.
A violência e a crueldade cristãs pareciam ter atingido o auge com as cruzadas mas o delírio assassino não foi, todavia, menor na Reforma e na Contra-Reforma. Valeu à Europa, continente martirizado pelo proselitismo e demência do fanatismo cristão, a Revolução Francesa, a progressiva secularização social e, finalmente, a nem sempre pacífica separação da Igreja e do Estado.
Mas não nos iludamos com o carácter aparentemente mais civilizado dos bispos e pastores cristãos. Aguardam apenas que a correlação de forças lhes permitam recuperar o poder e dominar as sociedades. Não desistem de as submeter aos seus preconceitos e de as controlar, moral, jurídica e politicamente.
A evangelização começa por falar de bondade, paz e amor; serve-se do ensino, da assistência e da caridade; visa o poder económico, social e político, ao serviço do clero.
Não haverá paz enquanto os Estados não remeterem a religião para a esfera privada, garantindo a cada cidadão o efectivo direito à sua prática ou ao seu desprezo e uma igualdade sem tergiversações aos crentes das diversas religiões, aos agnósticos e aos ateus. Além disso, o respeito pela laicidade do Estado, a observância das leis civis e a submissão ao poder democrático, devem ser condições necessárias à liberdade de culto.
A origem divina do poder foi a farsa com que o clero dominou os povos. A vontade soberana dos cidadãos, regularmente sufragada, decide as normas de conduta que a todos obrigam. As religiões que não se conformarem com a democracia terão de ser proscritas. Não podemos consentir crimes em nome de Deus. A civilização não o permite.
Post Scriptum – Hoje, no Egipto, os loucos de Alá provocaram mais algumas centenas de mortos e feridos. Um Deus assim não pode andar à solta.
O mui católico Robert Mugabe, presidente do Zimbabwe desde 1987, lançou a chamada operação Murambatsina, em acção desde 19 de Maio do corrente ano, poucas semanas depois da reeleição do ditador sanguinário, vista por muitos como uma operação punitiva dos citadinos que votaram massivamente nos seus opositores políticos. Em Shona, o dialecto natal de Mugabe, Murambatsvina significa ver-se livre do lixo e, de acordo com o comissário da polícia Augustine Chihuri, «Precisamos limpar o nosso país da massa informe de vermes apostada em destruir a nossa economia».
Num país onde se estima que apenas 20% da população tem emprego formal, Mugabe pretende acabar com a economia paralela destruindo mercados e habitações «clandestinas» em todas as zonas urbanas do país, e queimando culturas «clandestinas», a maior fonte de alimentação para muitos, num país onde a agricultura se encontra num estado desastroso e a população necessita ajuda externa para suprir as necessidades alimentares mais básicas e o governo usa essa ajuda exterior como forma de chantagem política.
Os milhares de demolições de casas de pessoas sem quaisquer alternativas de alojamento, para além de terem criado centenas de milhares de desalojados que o governo pretende «ruralizar», já provocaram duas vítimas mortais, dois bébés esmagados pelos bulldozers juntamente com as casas em que habitavam.
O desrespeito pelos mais elementares direitos humanos cometidos sob a égide do católico Mugabe, educado num colégio jesuíta, que compareceu ao funeral de João Paulo II não obstante as sanções impostas pela Comunidade Europeia, só recentemente começou a ser criticado por alguns dignitários eclesiásticos locais, com especial ênfase pelo arcebispo de Bulawayo, Pius Ncube. Até 2003 Mugabe era suportado entusiasticamente pelas Igrejas de confissão cristã, católica proeminente entre elas. Ano em que morreu o seu grande amigo e apoiante, o arcebispo Patrick Chakaipa, que oficiou em 1996 ao segundo casamento de Mugabe, com Grace Marufu, a sua secretária 40 anos mais nova com quem já tinha dois filhos à data, uma cerimónia possível devido a uma dispensa especial, já que Marufu era divorciada.
Aliás, antes da eleição tentou «reconquistar» o apoio cristão instituindo um «dia nacional de oração», no primeiro dos quais, cerca de um mês antes das eleições de Março último, foi abençoado por Stephen Mangwanya, um representante das Igrejas Pentecostais, e em que o bispo anglicano Kunonga o apelidou «verdadeiro cristão».
Infelizmente a História, mesmo a mais recente, está repleta de «verdadeiros cristãos» como Mugabe, que governaram despoticamente com o beneplácito do Vaticano ou das autoridades de outras denominações cristãs. Quiçá a alteração da posição da Igreja de Roma em relação a Mugabe se deva não só à idade avançada do ditador, que faz prever que o seu reinado de terror não se possa estender muito mais, como também à condenação unânime do seu regime por todo o mundo ocidental.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.