Loading

Dia: 13 de Junho, 2005

13 de Junho, 2005 Carlos Esperança

A Beira profunda

Três dias na Beira Alta devolveram-me aos lugares da infância, sítios onde Deus nunca morou e onde bandos de padres louvavam a glória, apregoavam a bondade e alardeavam os seus poderes.

A tristeza invade-me em cada regresso. Só os mortos permanecem nas povoações donde teimam em fugir os vivos. Os próprios campos, consumidos pelo fogo, parecem cenários dantescos, lúgubres e ainda mais negros ao pôr do sol.

Os padres que há meio século aterrorizavam os paroquianos com os rigores do Inferno foram desaparecendo. Fugiam à fome de famílias pobres, sofriam manhãs submersas em seminários a abarrotar e, muitos, acabavam a amedrontar paroquianos com a vingança divina e a apregoar as inanidades da sua Igreja.

Uns levou-os o tempo, outros trocaram a salvação da alma pelo aconchego da alcova, vários mudaram de ramo. Nem eles ficaram para celebrar a glória do Deus que era deles.

Hoje, vão às localidades, quase despovoadas, mulheres piedosas que levam a hóstia e rezam orações para que os velhos se confortem com os antigos rituais, agora exercidos no feminino que ainda julgam indigno do múnus.

O próprio diabo, que atazanava as almas das pessoas frágeis, emigrou. Foram-se as possessões e virou inútil o exorcismo.

Há mentiras piedosas que confortam. Deus era uma dessas aldrabices que regulava a vida e comandava a morte nas zonas rurais. Hoje, desertos os campos, despovoadas as aldeias, Deus reduziu-se à insignificância do mito enquanto a máquina do Vaticano, em desespero, se torna agressiva e inventa milagres.

13 de Junho, 2005 Cristiane Pacheco

Brasil 1 x Itália 0

Apesar da ICAR ainda ser uma pedra no sapato do Estado brasileiro, lendo hoje o noticiário fiquei com a impressão de que nem estamos tão mal cá neste país tropical. Enquanto os italianos deram ouvidos à campanha do Papa para o não comparecimento às urnas no referendo que valida da lei da fecundação assistida, o governo brasileiro decidiu financiar estudos com células estaminais embrionárias. O ministro da saúde brasileiro afirmou hoje ao anunciar a decisão: «Respeito as convicções religiosas e ideológicas, mas elas não podem atrasar o avanço da ciência». O Congresso Nacional brasileiro conseguiu aprovar em março deste ano a Lei de biossegurança que liberou as pesquisas com células estaminais, apesar da forte campanha e do lobby de católicos e evangélicos.

Já na Itália, a lei aprovada em 2004 e agora validada pelo referendo é uma das mais restritivas e conservadoras da Europa: proíbe a doação de sêmen e óvulos a terceiros, a pesquisa com células estaminais, limita a três o número de embriões a serem fecundados pelo método assistido, proíbe exames clínicos que detectam doenças graves no embrião antes deste ser implantado no útero e, por fim, tornam os direitos do embrião iguais ao de uma pessoa nascida. Como menos de 50% dos italianos compareceram às urnas o referendo fica invalidado e a lei de 2004 automaticamente mantida.

Lamentável que os italianos tenham, ao que parece, aderido à campanha do boicote ao referendo promovida pela ICAR, pois além desta lei ser um atraso evidente para a ciência, tal campanha é um atentado contra um dos mais legítimos instrumentos do processo democrático.

13 de Junho, 2005 Palmira Silva

Sem palavras



Eugénio de Andrade
19 de Janeiro de 1923 – 13 de Junho de 2005

As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?