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Dia: 29 de Abril, 2005

29 de Abril, 2005 Carlos Esperança

João Paulo II – um santo papa

A devota subserviência e o benevolente esquecimento sobre os pesados pecados de JP2 são o prenúncio da reabilitação do cardeal Ratzinger de que o Opus Deis, a Comunhão e Libertação e os Legionários de Cristo se esforçam por levar a cabo. Estas instituições pouco recomendáveis lembram-me – não sei porquê – a PIDE, a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa na defesa do salazarismo e da figura sinistra que o inspirava.

Sabe-se que a manifestação organizada no funeral de JP2 a exigir a rápida canonização, «santo súbito», foi organizada por um padre polaco e por membros da igreja do seu país natal, que distribuíram os cartazes e orquestraram os slogans.

JP2 considerou Pinochet e a amantíssima esposa como «casal cristão exemplar», ministrou-lhes embevecido a eucaristia e apareceu à varanda do Palácio La Moneda com o frio torcionário para ser ovacionado pelos devotos, sem se lembrar de que, naquele palácio, se tinha suicidado Salvador Allende, presidente eleito, deposto pelo golpista seu amigo.

JP2 intercedeu pela libertação de Pinochet quando foi detido em Londres, por crimes contra a humanidade, por ordem do juiz Baltasar Garzon, usando argumentos jurídicos. Pediu a sua libertação, alegando que os crimes foram cometidos quando gozava da imunidade de Chefe de Estado. No entanto nunca censurou a sentença islâmica que condenou à morte Salmon Rushdie ou intercedeu por ele.

JP2 não se limitou a apoiar as ditaduras fascistas da América do Sul, empenhou-se em derrubar os governos democráticos de esquerda numa cegueira insana de quem confundiu sempre as ditaduras estalinistas com o socialismo democrático resultante de eleições livres e submetido à alternância democrática.

Em 23 de Fevereiro de 1981, quando o grotesco tenente-coronel Tejero Molina tentou restabelecer a ditadura, deu-se a coincidência de estar reunida a Conferência Episcopal Espanhola. Nem o Papa, nem os bispos nem o seu núncio apostólico condenaram a tentativa de golpe de Estado, limitaram-se a recomendar aos espanhóis o piedoso exercício da oração.

Em relação à SIDA o defunto Papa portou-se como um verdadeiro criminoso. Não se limitou a aconselhar a castidade como propalam os seus sequazes, foi cúmplice da mentira que atribuía ao preservativo «minúsculos orifícios» permeáveis ao vírus e promoveu a informação sobre a sua inutilidade em países africanos onde o flagelo está sem controlo. O arcebispo de Nairobi foi ainda mais longe atribuindo aos preservativos responsabilidade pela SIDA sem ter sido desautorizado pelo Papa, apesar do ruído mediático feito à volta da boçal declaração.

Muitas violações de crianças se teriam evitado se em vez de um silêncio cúmplice, exigindo discrição à ICAR sobre os casos de pedofilia dos padres americanos, apesar das repetidas chamadas de atenção que lhe foram feitas, tivesse mandado comunicar os casos às autoridades dos EUA.

Mas que poderia esperar-se de um admirador de Josemaria Escrivá de Balaguer, a quem fez santo, esse admirador de Franco que mandou assassinar centenas de milhares de adversários políticos mas nunca faltou à missa e à eucaristia?

29 de Abril, 2005 Ricardo Alves

O catolicismo é uma doutrina relativista

Não falta quem, na sequência da entronização do «anti-relativista» Ratzinger (e movido mais por razões políticas do que teológicas), elogie a ICAR como um baluarte de «verdades intemporais» que supostamente «atravessam o tempo» e pretensamente se opõem ao «relativismo» que atribuem à época contemporânea. Em boa verdade, esta visão simplista esquece que o catolicismo romano, como a generalidade das doutrinas humanas, é relativista.

Efectivamente, a ICAR justificou doutrinariamente, durante a maior parte dos últimos quinhentos anos, a perseguição e o genocídio de minorias religiosas e filosóficas. Hoje, os católicos declaram, e com uma veemência tal que eu sou levado a assumir que estão de boa fé, que essas práticas foram condenadas doutrinariamente. Relativizaram-se portanto os argumentos genocidas e anti-semitas da doutrina católica, relativização essa que foi imposta de fora, mas que nem por isso deixa de ser de saudar.

Outro exemplo do relativismo católico é a defesa supostamente inflexível de uma (vaga) «lei natural», que hoje nos dizem proscrever a homossexualidade, mas que até ao ano muito recente de 1878 não impedia a ICAR de encorajar as castrações praticadas em crianças com o objectivo de fazer eunucos que abrilhantassem, em tons agudos, os coros do Vaticano. Uma castração parece-me uma violação da «lei natural» (entendida, por mim, como o respeito pelas características inatas do animal humano) muito mais óbvia do que a homossexualidade. Novamente, a ICAR aproximou-se neste caso de um princípio ético, a integridade da pessoa humana, que se afirmara em oposição ao catolicismo.Deve acrescentar-se que ainda em 1866 Pio 9º defendia que a escravatura «de forma alguma é contrária à lei natural e divina» e que a liberdade de culto devia ser negada aos não católicos. Também aqui a ICAR relativizou a doutrina, principalmente a partir do Concílio Vaticano 2º.

Um assunto de grande importância dogmática e no qual a relativização da doutrina católica é flagrante é o dogma da Imaculada Concepção de Maria. Trata-se de uma invenção modernista com uns meros 150 anos, que reflecte a adaptação ao papel das mulheres nas sociedades pós-rurais, em que estas deixaram de viver em meios fechados e passaram a ser submetidas às tentações pecaminosas das praças urbanas.

Conclui-se portanto que a ICAR é relativista na doutrina ética e mesmo nos dogmas, ou seja, adapta-se aos tempos e aos costumes, no que não difere, aliás, de outras instituições humanas.
Formalmente, é claro que a ICAR não é relativista quando afirma que a origem da sua doutrina é divina e portanto exterior ao mundo a que todos temos acesso pelos sentidos e pela razão, e neste aspecto assemelha-se ao Islão. No entanto, as únicas «verdades intemporais» que a ICAR verdadeiramente perpetua (no sentido de as manter quase inalteradas desde a concepção, histórica e culturalmente relativa, da doutrina católica) limitam-se a extravagâncias como a «ressurreição» de JC, a presença «real» de JC no pão e no vinho da missa e a imortalidade da «alma». Todas estas «verdades intemporais» são disparates evidentes que qualquer adolescente com um mínimo de formação científica percebe que não passam, numa visão benigna mas herética, de metáforas. No entanto, ao manter estes dogmas a ICAR procede a outro tipo de relativização, a relativização da realidade física. Acontece que a realidade material, o mundo físico, não é de todo relativizável, ao contrário do que argumenta a ICAR (aqui, apoiada pelo pós-modernismo)(*).

Pelo contrário, os princípios éticos podem e devem evoluir, e têm-no feito quase sempre contra a doutrina católica que, como vimos, mantém hoje muito pouco daquilo que defendeu na maior parte dos últimos 1700 anos. O papel da ICAR, historicamente, tem sido de resistência ao progresso político, científico e ético, e por isso a instituição romana é uma favorita dos conservadores políticos e dos obscurantistas. Com Ratzinger, é-o sem ambiguidades.
(*) A ciência permite compreender e descrever a realidade, mas por métodos que tentam (e, geralmente, conseguem) ultrapassar os relativismos culturais, por serem acessíveis a todos independentemente da cultura de origem.
29 de Abril, 2005 Palmira Silva

E mais tolerância cristã…

As declarações do Cardeal espanhol Ricardo Maria Carles estão a levantar ondas de indignação em Espanha já que este compara a decisão do governo espanhol em permitir o casamento de homossexuais às decisões do governo de Hitler, considerando que seguir a nova lei em vez da consciência «conduzirá a Auschwitz».

Reiterando a objecção de consciência preconizada pelo «intelectual» Trujillo, o tal que exigia terem os preservativos avisos sobre a sua «insegurança» já que supostamente deixariam passar o HIV, o cardeal afirmou numa entrevista à TV3 que «os que fizeram Auschwitz não eram delinquentes, mas pessoas que foram obrigadas, ou pensavam que deviam obedecer às leis do governo nazi, e não à sua consciência»!

É caso para perguntar por que razão a Igreja Católica que tanto apela à consciência dos seus crentes sempre que estão em causa privilégios da Igreja ou os seus dogmas, se cala ensurdecedora e sistematicamente quando os direitos humanos são atropelados por quem mantem esses privilégios ou permite a imposição desses anacrónicos dogmas!