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Dia: 15 de Abril, 2005

15 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Eu ateísta me confesso

Andam por aqui alguns crentes à espera da penitência pelos pecados cometidos. Vêm cheios de proselitismo, ansiosos por agradar a Deus. Não sei se é o desejo de mortificação que os atrai, se a inútil vontade de nos converter. Podiam ser mais originais no que escrevem, mas limitam-se a manifestações de subserviência para com o defunto Papa e a debitar louvores a um defunto mais antigo – Jesus Cristo. Depois, repetem até à náusea a prosa e a convicção.

Os créus têm as Igrejas, os órgãos de comunicação social, a Concordata, os padres, a água benta, o incenso, as orações e a eucaristia para ruminarem a fé numa posição de privilégio. Todavia arribam a este espaço de incréus onde não se apela ao terço, não se recomendam as orações, não se reconhecem os milagres nem a bondade do Papa milagreiro.

Aqui é um espaço de liberdade onde a Declaração Universal dos Direitos do Homem é a Bíblia que nos une, onde a igualdade dos sexos e a não discriminação por questões de raça, religião ou cor são o único credo. Aqui, no Diário Ateísta, consideramos que não há a mais leve suspeita da existência de Deus nem o menor motivo para pôr pessoas de joelhos e aliená-las com orações. Não reconhecemos à água benta mais valor do que à outra, nem à hóstia, depois de consagrada, mais calorias do que antes.

Os valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade, que a Revolução Francesa nos legou, são incompatíveis com o direito divino que as religiões defendem e com as ameaças e castigos com que os seus padres assustam. O Inferno somos nós que o fazemos, aliás, sois vós, os crentes. O Vosso Senhor, que se zanga com os homens que procuram a felicidade, que tem uma multidão de clérigos a administrar uma treta a que chamam sacramentos, que aliena as pessoas com ladainhas e orações, é uma ficção perigosa de raiz totalitária.

O Vosso Senhor, o Deus que as religiões do livro vendem, com atributos pouco recomendáveis e mau feitio, é uma invenção muito antiga, adaptada ao longo dos séculos e imposta com a barbaridade de que só os clérigos são capazes.

Nós sabemos que Deus vos ama. Não deixem que vos troque por nós, ateus, que apenas queremos que nos deixe em paz.

15 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Um taumaturgo em vida

João Paulo II tornou-se intocável para o bando de beatos que lhe exaltam as virtudes que poucos notaram e lhe escondem os defeitos que todos viram.
O Papa retrógrado que se opôs ao planeamento familiar, que contribuiu para o avanço da Sida com a paranóica obsessão contra o preservativo, que odiou o sexo com o mesmo vigor com que Maomé perseguiu o toucinho, que ajudou a derrubar o muro de Berlim mas protegeu ditaduras de direita, esse Papa é hoje um santo proclamado por multidões histéricas à procura do sobrenatural.

O Papa que condenou a invasão do Iraque (o Papa da Paz, como é alcunhado), não condenou os Governos que a apoiaram onde se contavam os seus mais fiéis admiradores (Portugal, Espanha, Itália e Polónia). Não terá sido um caso de dupla personalidade ou mais uma manifestação da duplicidade habitual do Vaticano?

O Papa que discriminou as mulheres, silenciou teólogos, foi autoritário e absolutista, que procurou impor os seus preconceitos à humanidade, que combateu a laicidade, chamou loucos aos ateus e passou o pontificado em fanático proselitismo, defendeu sempre os seus bispos mais fanáticos e ostracizou os mais liberais.

Nestes dias que correm, entre os cardeais conciliares circulam mais intrigas do que hóstias, sussurram-se mais calúnias do que orações, nota-se mais a pesada mão do cardeal Ratzinger do que a leveza do voo do Espírito Santo.

Cada um dos cardeais está ansioso para que lhe saia o prémio que dará direito ao poder absoluto vitalício, aos permanentes microfones, aos banhos de multidão e a um enterro com milhões de pessoas a chorarem por contágio e desequilíbrio emocional.

A tiara pontifícia tem um estranho brilho e constitui uma obsessão cardinalícia mas os interesses políticos da seita pesam muito na escolha do premiado.

Para os mais beatos, que ficaram embevecidos com os cinco milhões de fiéis que foram a Roma certificar-se se JP2 tinha efectivamente deixado arrefecer o céu da boca, é bom lembrar que outros ditadores tiveram um enterro igualmente apoteótico:

José Estaline – 5 milhões; Ayatollah Khomeini – 5 milhões; Gamal Abdel Nasser – 5 milhões, enquanto Gandhi «só» teve 2 milhões e a lady Di se ficou por 1,5 milhões.
Fonte: Visão de 14-04-2005.

Claro que dos outros não há notícias de milagres, enquanto de JP2 há imensos, feitos à mão, com a hóstia ou com o simples olhar. Um taumaturgo dos diabos.