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Dia: 11 de Abril, 2005

11 de Abril, 2005 Carlos Esperança

O momento Zen da segunda-feira

João César das Neves (JCN) raramente desilude. A homilia de ontem tem por título «Intercessão de São João Paulo Magno», epíteto que parece designar JP2 canonizado por JCN com a mesma legitimidade com que se aventura nas lucubrações teológicas com que semanalmente se dedica ao proselitismo que o há-de levar aos altares.

Com a displicência de quem não está na corrida para substituir JP2 vai dando conselhos para que a santa madre igreja, católica, apostólica, romana, se não transforme numa seita protestante. Para JCN «seita» é a religião cristã quando não obedece ao Papa.

O concílio de Trento, um momento ignóbil da ICAR, em que as mais retrógradas posições e os mais fanáticos desvarios teológicos foram consagrados, é definido pelo pio escriba do DN desta forma: «O século XVI viu o grandioso concílio de Trento (1545-1563), aplicado por um santo, São Pio V (Papa de 1566-1572(…)» contra a «terrível Reforma».

«Em 1590 cerca de metade da massa terrestre europeia estava sob o controlo de Governos protestantes e/ou da cultura protestante; em 1690 o número era apenas cerca de um quinto.» (MacCulloch, D. Reformation, Penguin Books, Londres, 2003, p.669). JCN nem lhe treme a mão a escrever estas enormidades, nem sente vergonha a lembrar-se da brutalidade criminosa da contra-Reforma que os santos papas promoveram com a prestimosa ajuda da santa inquisição.

JCN, na sua mistificação habitual, considera que JP2 teve «um imponente pontificado» e que a sua morte pôs termo ao concílio Vaticano II que, supostamente, teria levado à prática com as suas posições autoritárias, retrógradas e estalinistas. Claro que foi justamente o contrário. Mas que poderia esperar-se de quem acredita que «a presença do Espírito Santo dá vida ao corpo místico de Jesus Cristo, que conta agora com a poderosa intercessão de São João Paulo Magno»?

11 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

E, assim, acontece

Depois de, na passada sexta-feira, os peregrinos presentes nas cerimónias fúnebres de João Paulo II terem reclamado a sua imediata beatificação, os «milagres» não demoraram a ser noticiados.

Uma família mexicana afirma que o falecido papa curou miraculosamente o seu filho, que sofria de leucemia, em 1990. Cura milagrosa esta apoiada pela diocese de Zacatecas, no Norte do México. O rapaz, agora com dezanove anos, Heron Badillo diz que está convencido «de que foi um milagre». «Sua Santidade tocou-me a face, e fez-me baixar a cabeça. Eu tinha quatro anos e estava muito doente, mas fui salvo». Segundo o que se conta, a família de Heron ter-se-á aproximado de João Paulo II no aeroporto de Zacatecas por intermédio do bispo da diocese, Javier Lozano Barragan. «Ele estava gravemente doente, o médico já o havia condenado, mas eu tinha esperança que a visita do Papa o pudesse salvar. E foi isso que se passou», explicou o pai de Heron.

O outro milagre foi visto pelo secretário pessoal do ex-papa, Stanislav Dziwisz. De acordo com este senhor, João Paulo II terá salvo um americano que sofria de um tumor no cérebro administrando-lhe a comunhão. Ainda para mais, o curado não era cristão, mas sim judeu.

A beatificação de João Paulo II – que, seguramente, será célere – será muito conveniente para a Igreja Católica uma vez que imortalizará toda a propaganda com que fomos bombardeados na semana passada e que fez passar a imagem de que o antigo papa foi uma figura que trouxe progresso e felicidade para a Humanidade… o que é, no mínimo, controverso.

11 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Habemus Pontificem

Agora que terminou o circo mediático em volta das exéquias fúnebres do Papa JP2, a ICAR prepara o lançamento do próximo.
Desta vez o Papa morreu de morte natural, não há a falência do Banco Ambrosiano a comprometer a Cúria romana e o arcebispo Marcinkus, que financiou a candidatura de Karol Vojtyla através do banco do Vaticano, encontra-se esquecido numa diocese americana fugido à justiça italiana com a cumplicidade de JP2 que negou a extradição do seu antigo protector.

O Espírito Santo está de férias e o Opus Dei encontra-se no centro da intriga, dos golpes e influências que hão-de levar o colégio cardinalício a entregar o poder nas mãos do novo papa, sem que qualquer escândalo se vislumbre no horizonte. O consumo de cereais para o fabrico de hóstias baixou drasticamente.

Os conclaves têm histórias pouco edificantes e duração indeterminada. Júlio II foi eleito após algumas horas. Para eleger Gregório X o conclave arrastou-se 1095 dias. Desta vez não se prevê grande demora e é provável que no dia 18 próximo seja escolhido o novo gerente porque há negócios urgentes da ICAR à espera de despacho.

Dos 117 cardeais que vão sentar-se na Capela Sistina apenas três não devem o barrete cardinalício a JP2 que foi substituindo os que eram abatidos ao activo por bispos dóceis, conservadores e subservientes. A ICAR de hoje é mais monolítica do que a que Wojtyla confiscou em seu proveito para maior glória de Deus e proveito do Opus Dei, de quem fez prelatura pessoal, e de outras seitas mais ou menos fanatizadas.

Os órfãos de JP2, que tanto choraram o defunto, serão os mais histéricos a manifestar o júbilo pelo seu sucessor, cujo perfil é o seguinte:

Católico do sexo masculino, cardeal, sem escândalos públicos ou vícios conhecidos, bem visto pela prelatura Opus Dei, preferencialmente italiano, conservador, poliglota e que finja acreditar em milagres e aparente acreditar em Deus.

Habemus Pontificem.