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Dia: 3 de Abril, 2005

3 de Abril, 2005 Carlos Esperança

JP2 – um papa obsoleto no antro do Vaticano

A morte de JP2 relembra a dor e sofrimento que atingiu a URSS quando o pai da Pátria, José Stalin, exalou o último suspiro e recorda o histerismo demente que rodeou a morte do ayatola Khomeini em todo o mundo árabe, particularmente no Irão. Em comparação, a morte de Salazar foi chorada de forma contida, mas os déspotas produzem emoções mais fortes do que os democratas.

O absolutismo papal, restaurado com o apoio entusiástico do Opus Dei, da Comunhão e Libertação e de outros movimentos integristas, fez de JP2 o Papa da «Contra-Reforma», anti-modernista, infalível e retrógrado, que substituiu os anacrónicos autos de fé pela comunicação social e pela diplomacia.

O Papa da Paz, como os sequazes o alcunharam, apoiou a Eslovénia e a Croácia (maioritariamente católicas) e a Bósnia e o Kosovo, nações muçulmanas, contra a Sérvia cuja obediência à Igreja Ortodoxa constituía um entrave ao proselitismo papal que tem nos ortodoxos a principal barreira ao avanço do catolicismo para leste.
A protecção aos padres que participaram activamente no genocídio no Ruanda é mais um desmentido do boato sobre o alegado espírito de paz e justiça que o animava.

A intervenção de JP2 a favor da libertação de Pinochet, quando foi detido em Londres, é coerente com a beatificação de Pio IX, do cardeal Schuster, apoiante de Mussolini e do arcebispo pró-nazi Stepinac. O auge da ignomínia foi a meteórica canonização do admirador de Franco e fundador do Opus Dei, Josemaria Escrivá de Balaguer.

JP2, ele próprio profundamente supersticioso e obscurantista, chega a ser obsceno na forma como inventou milagres para 448 santos e 1338 beatos cujos emolumentos contribuíram para o equilíbrio financeiro da Santa Sé e para o delírio místico dos fiéis fanatizados.
Da prática do exorcismo à exploração de indulgências, da recuperação dos anjos à aceitação dos estigmas como sinal divino (canonizou o padre Pio), tudo lhe serviu para alimentar uma fé de sabor medieval e uma moral de conteúdo reaccionário.

O horror que nutria pela contracepção, o aborto, a homossexualidade e o divórcio são do domínio da psicanálise. O planeamento familiar era para o déspota medieval um crime. A SIDA era considerada um castigo do seu Deus e, por isso, combateu o preservativo, tendo o Vaticano recorrido à mentira, afirmando que era poroso ao vírus (2003).
O carácter misógino, o horror à emancipação da mulher, a crença no seu carácter impuro, foram compensados pelo culto doentio da Virgem, recuperado da tradição tridentina.

Como propagandista da fé, pressionou Estados, condicionou a política de numerosos países, ingeriu-se nos assuntos relativos ao aborto, à eutanásia e ao divórcio e acirrou populações contra governos democraticamente eleitos. Apoiou comandos anti-aborto, estimulou a desobediência cívica em nome dos preconceitos da ICAR, influenciou a redacção da Constituição Europeia, e chegou ao despautério de pedir aos advogados católicos que alegassem objecção de consciência e se negassem a patrocinar o divórcio.

O Papa da Paz condenou a atribuição do prémio Nobel da Literatura a José Saramago; envidou todos os esforços para obter o Nobel da Paz para si próprio, que justamente lhe foi negado; excomungou o teólogo do Sri Lanka, Tyssa Balasuriya por ter posto em causa a virgindade de Maria e defendido a ordenação de mulheres; perseguiu ou reduziu ao silêncio Bernard Häring, Hans Küng, Leonardo Boff, Alessandro Zanotelli e Jacques Gaillot; marginalizou Hélder da Câmara e Oscar Romero; combateu o comunismo e pactuou com as ditaduras fascistas. João Paulo II morreu uns dias depois de o Vaticano ter proibido a leitura ou a compra do «Código Da Vinci» do escritor Dan Brown e sem nunca ter censurado a fatwa que condenou à morte o escritor Salmon Rushdie.

O Papa que morreu, segundo a versão oficial, no dia 02-04-2005 (soma = 13), às 21h37 (soma = 13), curiosidades «assinaladas» pelo bispo de Leiria/Fátima, não pode ser o algoz da liberdade, o déspota persecutório, o autocrata medieval, o ditador supersticioso e beato que conhecemos. É capaz de ser outro papa o que consternou chefes de Estado e de Governo, que alimentou os noticiários de todo o mundo, que rendeu biliões de ave-marias e padre-nossos, que ocupou milhões de pessoas a rezar o terço, vestígio do Rosário da Contra-Reforma, que recuperou graças ao apoio da Virgem Maria que também o promoveu nas suas aparições na Terra.

O Papa que morreu era talvez uma pessoa de bem que, modestamente, ocultou tal virtude. Foi celebrado por dignitários políticos, religiosos e outros hipócritas que, na morte, lhe enalteceram as virtudes e calaram os defeitos. Foi o cadáver que milhares de abutres aguardavam para exibir e explorar numa derradeira campanha de promoção da fé católica.

É, todavia, o mesmo Papa que anatematizou os ateus, fez inúmeras declarações contra o laicismo, silenciou teólogos, beatificou fascistas e combateu o planeamento familiar. A sua obsessão era reduzir o mundo a um casto bando de beatos, tímidos e idiotas, sempre de mãos postas e de joelhos. O livre-pensamento, a modernidade , o prazer e a liberdade foram os seus inimigos figadais.

3 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Mais serviço público

No seguimento do artigo do Diário Ateísta sobre a recente transformação da RTP num canal da ICAR, chega-nos a programação para o dia de hoje:

07:00 Especial Informação Papa João Paulo II
13:00 Jornal da Tarde
14:20 Sessão da Tarde: «João Paulo II De Um País Longínquo
17:00 Missa – Sé Patriarcal de Lisboa
18:10 O Peregrino: As Visitas do Papa
19:30 Especial Informação: Papa João Paulo II
20:00 Telejornal
21:05 As Escolhas de Marcelo Rebelo de Sousa
21:45 A Vida do Papa
22:50 RTP Cinema: «A Bíblia»
01:50 Petit Messe Solennelle
03:25 O Peregrino: As Visitas do Papa
04:40 Requiem de Verdi

3 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Lembranças

O recente acontecimento lembrou-me um «sketch» dos Monty Python, com as necessárias adaptações:

«’E’s passed on! This pope is no more! He has ceased to be! ‘E’s expired and gone to meet ‘is maker!

‘E’s a stiff! Bereft of life, ‘e rests in peace! If you hadn’t nailed ‘im to the perch ‘e’d be pushing up the daisies!
‘Is metabolic processes are now ‘istory! ‘E’s off the twig!
‘E’s kicked the bucket, ‘e’s shuffled off ‘is mortal coil, run down the curtain and joined the bleedin’ choir invisibile!!

THIS IS AN EX-POPE!!»

3 de Abril, 2005 jvasco

Eles não compreendem

A questão dos crucifixos (e outros símbolos Católicos) pendurados nas paredes das escolas públicas, que me parecia ser uma questão burocrática menor e consensual, que só não estava resolvida por uma certa inércia social, e que teria o apoio de qualquer pessoa de bom senso, está, afinal, a causar muita polémica.
Muitos crentes parecem não concordar com esta medida de elementar defesa dos princípios constitucionais.

No Barnabé li a este respeito O mural da história, o qual me senti «obrigado» a citar. O artigo explica muito bem a posição que eu próprio tenho a este respeito, aflorando uns assuntos bem interessantes, que muitas vezes são esquecidos nesta discussão. Para quem não estiver completamente contextualizado convém dizer que, embora o artigo se possa ler independentemente, ele é a resposta ao Murais e Morais ou República e Laicidade 2, que por sua vez responde a Negócio fechado.

3 de Abril, 2005 Palmira Silva

João Paulo II e as mulheres

«Roma Locuta Est, causa finita est» (Roma falou, a causa acabou)

Os últimos dias de emissão da nossa televisão pública, paga com os impostos de todos, católicos e não católicos, foram devotados numa inusitada percentagem de tempo à crónica da morte anunciada do Papa, tendo o despautério assumido raias de absurdo quando passou a ser quasi exclusivo. Nos zappings em que confirmei que o tema era sempre o mesmo, verifiquei que padres, bispos e cristãos em geral aproveitavam o tempo de antena, sem qualquer direito ao contraditório, para tecer loas a um Papa que reputo do mais reaccionário e retrógrado que a corte do Vaticano poderia ter produzido.

Uma vez que, para mim, a morte é um processo natural que não aumenta o valor facial de alguém, indigna-me que se ignorem as manobras deste Papa para recuperar a velha máxima romana supracitada, especialmente aquelas que me tocam mais fundo como mulher e cientista.

Como mulher considero extremamente nociva toda a actuação deste Papa que tentou remeter a mulher para o papel tradicional consagrado pela Igreja de Roma e anular as conquistas duramente conseguidas de emancipação da mulher (que o Papa considerava perniciosa). Assim na Carta Apostólica de João Paulo II, em 1988, sobre a dignidade e a vocação da mulher, «Mulieris Dignitatem», este explica que Deus criou a mulher virgem para ser mãe e que a mulher só se realiza como virgem ou como esposa e mãe. Aliás em toda a carta nem sequer se concebe a realização da mulher sem um homem, nos auspícios de um casamento, claro.

Em 1994 «Tomando a estas duas mulheres como modelos de perfeição cristã» beatifica Isabella Canori Mora, uma mulher que suportou estoicamente a violência de um marido abusivo, santificando assim a violência conjugal, e Gianna Beretta Molla (posteriormente canonizada com o título Mãe de Família), que preferiu morrer a interromper uma gravidez de alto risco. O ideal de mulher para este Papa que é agora enaltecido é assim uma mulher completamente subjugada ao marido e aos filhos, sem valor intrínseco fora de ambos e que deve renunciar à própria vida em favor de um qualquer óvulo fertilizado.

Mensagem reforçada na «Carta às Mulheres» em 1995 onde se pode ler, no meio do discurso habitual de que a mulher só se realiza através de um homem: «quanto louvor merecem as mulheres que, com amor heróico pela sua criatura, carregam uma gravidez devida à injustiça de relações sexuais impostas pela força».

A que se seguiu a «Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a Colaboração do Homem e da Mulher na Igreja e no Mundo», emanada da ex-Inquisicão em Julho de 2004, em que a Igreja de Roma recomenda às mulheres cessarem de competir com os homens, reconhecendo o poder masculino. Diz o documento que a mulher tem direito a trabalhar fora de casa, porém sem prejudicar as tarefas domésticas. E que a sua emancipação e independência são prejudiciais à instituição da família.

Esta carta dirigida aos bispos – todos homens, todos celibatários, todos escolhidos pelo Papa – é reveladora do autismo e misoginia da Igreja que recrudesceram sob este papado. Revela que os homens do Vaticano, isolados num mundo artificialmente masculino continuam a não perceber e desprezar as mulheres, tendo agora como alvo uma fantasia que apelidam de «feminismo radical». Nenhuma mulher se considera «antagonista» dos homens mas antes antagonista do machismo. Não entendem que aquilo que as mulheres desejam não é serem «iguais» aos homens é serem reconhecidas como seres humanos de pleno direito!