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Dia: 18 de Fevereiro, 2005

18 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

A canonização de Lúcia


Os interesses do Vaticano e da Igreja católica portuguesa são tão coincidentes que tudo está a ser tratado de modo a arranjar rapidamente um milagre para a falecida irmã Lúcia.
O padre Luís Kondor, vice-postulador da Causa dos Pastorinhos já advertiu que «os bispos portugueses vão estar atentos» aos sinais que indiciem o mais leve milagre e, de algum modo, apela a que seja pedida a intercessão de Lúcia, em detrimento doutras devoções, nas numerosas aflições dos portugueses, acompanhadas de rezas.

Poder-se-ia considerar já milagre o facto de o Vaticano abdicar da cobrança à postulação portuguesa do valor que habitualmente custa uma beatificação, entre 250 e 300 mil euros, valores que são considerados investimento pois a venda de artigos religiosos rapidamente faz ressarcir a despesa inicial da igreja nacional empenhada no negócio.

Este Papa que já criou 483 santos e mais de 1300 beatos (uma criação que supera em número a de muitos industriais do ramo da agro-pecuária), está fortemente empenhado em patrocinar a carreira de santidade da irmã Lúcia. Mesmo o sucessor não fica em condições de duvidar dos milagres que já estão a ser fabricados nem de negar a santidade de quem descobriu em Salazar um enviado de Deus.

18 de Fevereiro, 2005 Carlos Esperança

O exorcismo

Não foi a água benta, o sinal da cruz ou as orações que expulsaram o diabo do quotidiano. Foi a alfabetização, o progresso e os avanços científicos que o remeteram para espaços rurais remotos onde ainda estrebucha em competição com Deus. Aliás, Deus e o Diabo estão condenados a disputar o mesmo espaço e a competir nos mesmos clientes.
Cristo começou a actividade profissional no ramo dos milagres e na expulsão dos demónios que fazia afogar no Mar Morto transportados por porcos. Através dos séculos, o clero, além de outras actividades com que preencheu o vazio intelectual, nunca deixou de recorrer ao exorcismo como forma de purgar o corpo das maleitas da alma. O hissope e a cruz são os instrumentos de trabalho apoiados na água benta e no latim.

A falta de demónios levou os padres católicos a abandonarem a prática do exorcismo e, apenas, um ou dois por diocese possuem autorização episcopal para se dedicarem à actividade, que exige força, habilidade e muita fé. Segundo o padre Humberto Gama, experiente a enxotar Satanás de muitas almas atormentadas do distrito de Bragança, às vezes são precisas várias sessões para extirpar o Maligno, que se agarra à alma do paciente com o desespero de um sem-abrigo que não tem para onde ir.

O inferno foi abolido já no presente pontificado, embora sem efeitos retroactivos, não havendo habitat extraterreno para Satã se aplicar a empunhar o garfo de três dentes com que no catecismo da minha infância mergulhava as almas no azeite fervente. Mas, há tempos, talvez depois de a doença de Parkinson se agravar, JP2 anunciou, com espanto para muitos, que o diabo existia. De resto a Igreja Maná, a IURD e outras que se estabeleceram por conta própria, dedicaram-se à prática de milagres em directo na televisão e à prática do exorcismo com grande sucesso nos telespectadores e enorme benefício para os possessos, aliviados pelo saber e determinação dos clérigos.

É nesta fase do mercado da fé que a Universidade do Vaticano lança um curso de exorcismo. O curso, no «prestigiado Athenaeum Regina Apostolorum, terá a duração de dois meses e incluirá a história do Satanismo e o seu contexto na Bíblia, aulas de psicologia e direito e seminários sobre o trabalho espiritual, litúrgico e pastoral dos exorcistas».

Acautele-se o Demo. O curso tem o prestígio da instituição mais antiga e experiente no ramo e com maior credibilidade no mercado. As possessões estão condenadas graças aos exorcistas encartados pela Universidade. O Vaticano está para o Demo como a vacina esteve para varíola.