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Dia: 24 de Janeiro, 2005

24 de Janeiro, 2005 jvasco

Peregrinação a Meca e «Capital Cultural»

Acabou mais uma peregrinação a Meca.

Todos os anos se vai repetindo o ritual: cerca de 2 milhões de fiéis islâmicos de 160 países participam na hajj.

A peregrinação inclui a vigília no monte Arafat, o sermão na mesquita Namirah, a ida ao Muzdalifah depois de passar o dia em oração, lendo o Alcorão e pedindo perdão.

Neste local os peregrinos rezam durante o pôr do sol, enquanto recolhem pedras para o ritual do dia seguinte: o apedrejamento do demónio. Os peregrinos vão a Meca, e atirarão pedras sobre os três pilares que representam o mal. No ano passado, nesta fase do ritual, morreram 244 pessoas, mas este ano apenas ocorreram alguns «ferimentos ligeiros».

Esta peregrinação deve ser feita, pelo menos uma vez na vida, por qualquer muçulmano com capacidade física e financeira.

Sempre que vejo notícias sobre esta peregrinação, lembro-me de uma conferência internacional da fundação Calouste Gulbenkian, dedicada ao tema «Globalização, Desenvolvimento e Equidade». A conferência estava dividida em temáticas, as quais iam desde as questões cambiais até às questões tecnológicas. Uma destas temáticas consistia numa análise aos problemas de subdesenvolvimento de África. Um dos oradores explicou detalhadamente aquilo que entendia por «capital cultural» e a influência que podia ter no desenvolvimento: falou sobre as questões da confiança entre as pessoas, de como isso facilita o empreendimento e pode tornar desnecessária a burocracia; falou sobre a corrupção e sobre a forma de como ela pode ser ou não tolerada; falou sobre a sociedade civil, sobre a forma como pode ser activa ou amorfa, e uma série de outras questões. Na sua opinião, o «capital cultural» tinha um grau de importância no desenvolvimento equiparável ao «capital financeiro» e «capital tecnológico», e era possivelmente mais determinante que os recursos naturais.

Curioso foi quando ele decidiu dar exemplos concretos. Falou sobre como em África as Igrejas podem ter muitas vezes uma acção paralisante e contrária ao desenvolvimento, enquanto mantêm uma grande influência sobre a sociedade. Enquanto na África sob influência do catolicismo, são as políticas anti-natalistas que tendem a ser minadas pela Igreja local, no norte de África são os líderes islâmicos que conseguem obter dos governos dinheiro para subsidiar, a quem não tenha recursos (quase ninguém os tem), uma peregrinação a Meca durante a sua vida. Atentem nisto: governos de países que enfrentam sérias dificuldades económicas, que precisam de canalizar todos os seus recursos para se desenvolverem, «patrocinam» peregrinações a Meca aos seus habitantes, tal é o fervor religioso dessas sociedades.

Ele deu outros exemplos relacionados com o «capital cultural» que nada tinham a ver com a religião, mas este aqui dá que pensar…

24 de Janeiro, 2005 jvasco

Blasfémia! Vejo-me grego para entender isto

Fiquei sem palavras. Simplesmente sem palavras.

Aliás, é caso para ficar sem palavras, porque é de censura que se trata.

Na Grécia, Gerhard Haderer foi condenado a 6 meses de cadeia, por ter sido autor do livro «A Vida de Jesus», já comentado neste blogue.

O livro é uma paródia à vida de Jesus, na qual alguns milagres são «explicados» pelo consumo de cannabis (eu já li o livro e achei engraçadíssimo).

A Associação Internacional de Editores condenou a resposta da justiça grega, mas a Igreja Ortodoxa aplaudiu-a.

Gerhard Haderer vai recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Parece que não há pudor em demonstrar o total e completo desrespeito para com a liberdade de expressão. Desrespeito esse abençoado pela Igreja Ortodoxa.

Isto seria anedótico se não fosse triste e perigoso.

PS- Aproveito para agradecer ao Boss, que nos comentários ao artigo anterior chamou a atenção para esta situação, através de uma hiperligação para um artigo do renas e veados sobre este caso preocupante.

Agradeço também ao Ricardo Alves que me facultou uma hiperligação para uma tradução inglesa da constituição grega, a qual mostra claramente o artigo 14º, que foi central neste triste episódio. A primeira alínea desse artigo é aquela que permite que estes atentados à liberdade de expressão possam ocorrer em nome da religião. Mas logo nas primeiras palavras desta constituição («em nome da Santíssima Trindade») podemos concluir que a mesma não é uma constituição laica.