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Dia: 21 de Janeiro, 2005

21 de Janeiro, 2005 Ricardo Alves

A identidade contra a liberdade

Zita Seabra, cabeça de lista do PPD/PSD pelo círculo de Coimbra, protestou quarta-feira o seu «grande respeito pelo papel desempenhado em Portugal pela Igreja Católica», uma afirmação ritual comum em muitos políticos apostados na conquista do favor institucional da dita igreja e da sua (presumível) «orientação de voto». A afirmação, de tão rotineira, não choca, mesmo se um pouco de rigor histórico e de decência exigiriam que quem a faz ressalvasse, subtilmente que fosse, os crimes da inquisição, os pogromes católicos e a colaboração da ICAR com a ditadura fascista. Mas Zita Seabra foi mais longe ainda, e arriscou que «ao não reconhecer essa tradição [a da ICAR], alguns países da Europa – como a França, a Alemanha e a Espanha – correm um sério risco de perda de identidade». Aqui, confesso que a minha irritação explodiu. A palavra «identidade» serve hoje em dia para justificar todas as opressões e formas de controlo dos grupos sobre os indivíduos, e isso vê-se desde a defesa icarística de uma menção às «raízes cristãs» no projecto de Constituição da União Europeia, até à obrigação de raparigas de origem muçulmana usarem o véu islâmico. E quem fala em nome da «tradição» e da «identidade»? Sempre, sempre, o clero. (E o mais extremista, claro…)

Pessoalmente, como ateu que sou, jamais me conseguirei identificar com um Estado português que, como quer a candidata a deputada, seja baseado nos «nossos (…) valores católicos». Eu não faço parte do «nós» que ela conjuga, tenho todo o direito a isso, e passo bem sem as crises de identidade da senhora Zita Seabra. A «identidade cultural» ou é dinâmica ou não é democrática, e se há necessidade de valores comuns, e eu reconheço que pode haver, que sejam os da República e da Democracia, e as leis que democraticamente a comunidade política decida dar a si própria. Dispenso leis e valores «revelados» por uma entidade sobrenatural em que não acredito, e transmitidos por intermediários terrestres de que a História me aconselha a desconfiar. Evidentemente, o direito de se orientar por esses valores (no quadro das leis comuns) é intocável. Simplesmente, a comunidade política e a comunidade eclesial são entidades distintas e devem sê-lo cada vez mais.
21 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Sobre o Diário Ateísta

Há por aí quem nos ache supérfluos, indignos e mal formados, quem julgue a nossa presença inútil, prejudicial ou perigosa, quem secretamente gostaria de nos ver calados, amordaçados ou erradicados. E nós, ateus, teimosamente vivos, perante a indiferença divina e o espanto dos crentes, teimamos em ser uma voz ao serviço da liberdade, do livre pensamento e da descrença.

Da enorme quantidade de religiões que disputam o bazar da fé todas se julgam inspiradas no único Deus verdadeiro, donde se conclui facilmente que na melhor das hipóteses todas são falsas e só uma é autêntica ou, no caso mais provável, que nenhuma delas passa de um embuste de que se alimentam os parasitas da fé à custa dos crédulos.

Os ateus respeitam os crentes e desprezam as crenças. São como médicos que cuidam os doentes e atacam as doenças; são solidários com os que sofrem e abominam os que incentivam o sofrimento; defendem a felicidade, o conhecimento e a razão e combatem a resignação, a subserviência e a superstição.

Nunca o Diário Ateísta defendeu posições racistas, discriminações com base na raça, no sexo, na religião ou em qualquer outro pressuposto. Não faz a apologia do nacionalismo ou estimula atitudes bélicas. Reitera a cada momento a nossa determinação na defesa dos princípios que regem a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Qual a religião que se conforma com tais princípios? Defendemos a liberdade, os direitos humanos e a democracia. Combatemos a pena de morte, a prisão perpétua e a tortura. Somos contra o racismo, a xenofobia e a discriminação sexual. Há alguma religião que nos acompanhe? Quem é intolerante?

É ignóbil que alguém procure impedir a prática de uma religião mas é ainda mais abjecto haver quem imponha a sua prática, um hábito a que não renunciam facilmente os prosélitos dos diversos credos, determinados a fazer cumprir a vontade do deus a que se encontram avençados, escravos da vontade divina transmitida pela mente embotada dos seus padres.

As sociedades que aprofundam o laicismo não põem em causa o exercício da liberdade religiosa mas as que se submetem a uma Igreja facilmente confiscam todas as liberdades em nome de um Deus que não existe, com uma sanha persecutória e uma vocação totalitária própria de quem se julga detentor de verdades absolutas.

21 de Janeiro, 2005 André Esteves

A caridade cristã também mete água

Do Índico continuam a nos chegar notícias do apoio humanitário dado às populações. As piores estimativas foram ultrapassadas… Neste momento contabilizam-se 220.000 mortos e vários milhares de desaparecidos.

Mesmo tendo passado várias semanas, o apoio humanitário ainda encontra dificuldade em chegar às populações. Mas se ao menos fossem só os acessos e a geografia…

Da Índia, na região Tamil Nadu, chega-nos a notícia de uma forma muito peculiar de prestar caridade.

A aldeia de Samanthapettai tinha sido destruída pelo tsunami. Os sobreviventes desesperavam à dias por ajuda. Quando surgem, finalmente, a descer pela estrada camionetas. Sem conter a esperança, os camponeses correram a buscar ajuda.

Desceram dos carros missionários cristãos, que se prontificaram a dar ajuda… mas com uma condição: tinham que se converter ao cristianismo

Ultrajados os camponeses começaram a se queixar, quando surgem na estrada as carrinhas dos jornalistas e televisões. Que passaram a assistir à apressada debandada de tanta boa vontade cristã.

Do outro lado do Índico, em Aceh, Indonésia, a história repete-se. Aqui, foram os voluntários de ONG’s laicas que trouxeram a público, as várias investidas proselitistas que uma multitude de seitas e religiões estão a realizar a coberto da ajuda internacional.

Desde seitas cristãs americanas que recolhem órfãos para centros privados onde lhes darão uma boa educação cristã, a fundamentalistas islâmicos que ensinam o corão, à sua maneira peculiar, a todas as crianças que se refugiaram nos campos de ajuda. Grupos que no passado tinham sido inclusive expulsos de Aceh pela população muçulmana moderada local.

Até a igreja da Cientologia, têm voluntários no campo, onde realizam «massagens» e prestam auxílio psicológico com os «avançados» métodos psicológicos cientologistas…

Depois do caos, a experiência passada parece o castigo de Deus. Os seus proclamados representantes é que não querem perder essa oportunidade.

Lá longe, distante das democracias laicas, é que a medonha cara do proselitismo se mostra. Por cá, continuam alguns a invocar falsas tolerâncias e a criticar a formal agressividade de alguns ateus, para impedir uma forte laicidade do estado.

Nunca estiveram debaixo d’água… Senão, não estavam com tanta treta.