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Dia: 30 de Novembro, 2004

30 de Novembro, 2004 André Esteves

Os Andorinhos andam mais bonitões…

Nos últimos 30 anos foram observadas mais de 1.500 mudanças morfológicas em espécies por todo mundo, documentando os processos naturais da evolução. Agora chega-nos a notícia das mudanças mais dramáticas de que há conhecimento: um aumento em 10% das penas posteriores laterais nas andorinhas macho do norte da Europa.

Anders Pape Moller da Universidade Pierre e Marie Curie de Paris, juntamente com o seu colega, Tibor Szep do Colégio de Nyiregyhaza na Hungria,medem há 20 anos as características físicas das andorinhas europeias. Neste período de tempo assistiram a mudanças dramáticas nos machos da espécie.

A andorinha europeia realiza um ciclo anual de migração entre o norte da Europa e a África do Sul atravessando um hemisfério entre os seus terrenos de procriação no norte da Europa e os de invernia na África do Sul. Pelo meio, encontram o Sahara.

A hipótese apresentada por Moller e Szep indica que as modificações globais no clima, ao aumentarem as fronteiras do Sahara introduziram também uma maior pressão evolutiva nas espécies migratórias que o atravessam. Assim, ao tornar-se mais difícil atravessar o Sahara só os machos com características genéticas de maior estamina e saúde natural conseguem sobreviver às dificuldades acrescidas. Essas vantagens genéticas manifestam-se por sua vez durante o periodo de acasalamento no crescimento de enormes e saudáveis penas. Outros biólogos evolucionistas, no entanto, acham que para uma mudança tão dramática deverá haver a sobreposição de várias pressões selectivas que proporcionaram esta mudança tão significativa.

Quantos aos criacionistas que passavam o tempo a reclamar que a evolução não se via a olhos vistos: mostrem-lhes agora o cu das andorinhas, se fazem favor…

30 de Novembro, 2004 Mariana de Oliveira

Os imparáveis fanfarrões

A Sociedade Bíblica Portuguesa avaliou como um sucesso o projecto «Bíblia Manuscrita», por ela organizado, e, assim, este continuará, envolto em novas roupagens, até Outubro de 2005. Por essa altura, um exemplar da dita obra será entregue à Biblioteca Nacional no âmbito da abertura da exposição «A Bíblia e a Cultura Portuguesa».

Alfredo Abreu, coordenador geral da iniciativa, afirmou, muito profunda e democraticamente, que «o livro mais lido do mundo é, em Portugal, o livro que o povo escreveu». Se continuarmos iguais a nós próprios, o livro estará cheio de erros ortográficos e, quiçá, de sintaxe.

A decisão de prolongar a cópia bíblica foi tomada depois de a SBP ter recebido missivas de várias partes do país, que se sentiram ?excluídas? da iniciativa por se encontrarem distantes dos «scriptoria», instalados nas capitais de distrito, a pedirem por um «scriptoriozinho».

Não se contentando com a notícia de que a propaganda vai continuar por mais um ano, a Sociedade Bíblica apresenta uma série de «improbabilidades» que ocorreram no âmbito deste acontecimento. A primeira é a Bíblia ter entrado «na agenda dos media em novos moldes, tendo o pleno dos jornais televisivos do horário nobre feito directos da abertura de uma iniciativa relacionada com este livro dos livros». Isto não é de estranhar a partir do momento em que vimos estátuas que choram sangue ou cera a abrir noticiários, em que temos um programa na televisão pública dedicado a algumas religiões presentes em Portugal, em que havia um canal exclusivamente religioso ou em que um sem número de missas são transmitidas em directo. Já para não dizer que, nos dias que correm, não é muito complicado arranjar uma notícia mesquinha e sem interesse para preencher os horários nobres.

A segunda «improbabilidade» é, nas mesmas páginas, terem escrito o Presidente Jorge Sampaio e o primeiro-ministro Santana Lopes. É triste isto ter-se verificado. É triste ver representantes da República Portuguesa (regiões autónomas incluídas), que é laica, a vergarem-se face à religião.

A «improbabilidade» seguinte foi todos os órgãos de soberania terem estado «representados ao mais alto nível, com excepção do Supremo Tribunal de Justiça por razões de impedimento de saúde do seu Presidente». Dá-me uma urticária brutal esta fanfarronice de a SBP ter tido as instituições da República prostradas no beija-mão. Os poderes legislativo, executivo e judicial, em nome da Justiça, da Democracia e da Igualdade, não têm nada de participar em eventos que dizem respeito a apenas uma fracção da população e que estão relacionados apenas com as convicções íntimas dos cidadãos.

Por último, mas não menos importante, a presença da «Bíblia Manuscrita» em escolas e universidades públicas, hospitais públicos e estabelecimentos prisionais, usurpando um espaço que devia ser de todos e não de apenas alguns crentes.

E, assim, a SBP regozija-se.

Outros artigos do Diário sobre este assunto:

Propaganda Copista, de 21 de Março de 2004;

50 mil jovens criam Bíblia manuscrita, de 23 de Março de 2004;

À conquista da Nação, de 04 de Novembro de 2004;

O Presidente da República e a Bíblia, de 06 de Novembro de 2004;

Alguns ateus são amorais…, de 06 de Novembro de 2004;

Promiscuidade estadual, de 18 de Novembro de 2004;

Presos e doentes, copiai, de 18 de Novembro de 2004.

30 de Novembro, 2004 André Esteves

Tabaco, genes e livre-arbítrio

Do Reino Unido chega-nos a notícia de um estudo que relaciona o vício na nicotina e o facto de sermos portadores de um determinado gene. O estudo realizado por um jornal britânico antitabagista, a Tabaco Control, incidiu sobre um grupo de 281 adolescentes com uma média de idades de 13 anos, que tinham começado a fumar mas que ainda não se podiam considerar viciados. Treze por cento dos envolvidos eram portadores de uma versão deficiente de um gene que permite às células do fígado metabolizarem a nicotina.

Ao longo dos cinco anos seguintes, 25% dos adolescentes com a versão mais deficiente do gene ficaram viciados, comparativamente com 9% dos que tinham a versão normal do gene e 10% dos que tinham uma versão levemente modificada. A presença de nicotina durante mais tempo no organismo, e logo no cérebro, aumenta significativamente a probabilidade de ficarmos viciados no tabaco.

Se o vício fosse uma questão de livre-arbítrio, deveríamos observar a mesma taxa de viciação nos três grupos estudados, com genes diferentes. É isto que nos permite dizer que o vício é uma doença, não um pecado.

Podemos perguntar-mo-nos então: Mas que Deus é este que dá a uns o fardo de ficarem mais viciados do que outros? É um bom Deus? O clássico problema do mal…

A esta pergunta, existem duas respostas padrão: É a vontade de Deus.

Mas se é a vontade de Deus, e ela demonstra ser livre e arbitrária, porque hei-de levar a sério as promessas que Deus fez aos seus seguidores? Ele vai dar-lhes um eternidade cheia de pacotes de tabaco? Mas não poderá mudar de ideias, durante essa eternidade? Se não mudar, não têm livre arbítrio, nem é omnipotente porque se auto-castrou com as suas promessas. (Suspeito mas é que a meio da eternidade irá tirar a toda a gente o tabaco.)

A outra resposta, mais habitual nos protestantes, é a queda do estado de graça… As diferentes versões do gene são o resultado do homem ter provado da arvore do conhecimento. Que automaticamente se corrompeu fisicamente juntamente com toda a criação… E o livre arbítrio, então? Não sobra nada da àrvore do conhecimento no meio de tanta «corrupção»?

Ou será que na verdade, é a religião um vício como o tabaco?

30 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Dia Mundial da luta contra a SIDA



Amanhã comemora-se o Dia Mundial da luta contra a SIDA. No continente mais flagelado por esta pandemia, a África sub-saariana, onde se estima que 70% da população está infectada, os preparativos estão em marcha, nomeadamente com várias iniciativas que visam a recomendação da prática de sexo seguro e o uso de preservativo.

A Igreja Anglicana em África, especialmente o prémio Nobel da Paz, o arcebispo Desmond Tutu, têm sido muito vocais a recomendar o uso de preservativo como forma de prevenção da doença.

Desmond Tutu foi especialmente crítico da posição da Igreja Católica sobre este tema. Que envolve a disseminação de informação errada, nomeadamente que os preservativos não protegem da SIDA e a promoção da queima de preservativos.

30 de Novembro, 2004 Ricardo Alves

Refutando BSS (1)

A corrente filosófica nossa contemporânea que melhor tem servido a religião é o pós-modernismo. Não é, portanto, perda do tempo ateu compreendê-la e desmontar quer os argumentos que fornece aos religiosos, quer os novos obscurantismos que fomenta. Consideremos um caso bem português: Boaventura Sousa Santos (BSS), guru pós-modernista cuja devoção na promoção do obscurantismo só é comparável à de alguns professores da Universidade Católica. No seu célebre «Um discurso sobre as ciências», BSS resumiu assim a sua posição:

«Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor não estão antes nem depois da explicação científica da natureza ou da sociedade. São parte integrante dessa mesma explicação. A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão porque privilegiamos hoje uma forma de conhecimento assente na previsão e no controlo de fenómenos nada tem de científico. É um juízo de valor.»

A resposta mais óbvia que se pode dar a este arrazoado gratuito, injustificado (e injustificável) é que privilegiar a ciência como forma de conhecimento não tem efectivamente nada de científico, sendo antes uma questão de bom senso. A ciência é preferível porque efectivamente explica a realidade, ao invés de meramente a discutir (caso da metafísica), ou de a interpretar estimulando a nossa sensibilidade (caso da poesia ou da arte), ou de lhe enxertar relações e mecanismos desnecessários ou mesmo errados (caso da astrologia e da religião). Evidentemente, a ciência não será uma explicação acabada e definitiva da realidade, mas é o melhor que temos (o que é dizer muito!). Posto isto, é com certeza também um juízo de valor preferir a ciência à religião e quejandos, mas qualquer pessoa intelectualmente honesta reconhece que a ciência recupera paraplégicos, enquanto rezar pelas suas melhoras ou procurar uma cura nos astros se revela inútil.

No trecho reproduzido mais acima, vemos todo o esplendor (e tragédia) da relativização da realidade material. A acreditar em BSS, não haveria qualquer razão científica para considerar qualquer uma das quatro explicações seguintes para os acontecimentos de Fátima melhor do que a outra:

(1) «Uma galilaica morta há dois mil anos falou em Fátima no dia 13/10/1917 do seu horror por Afonso Costa e Lenine»;

(2) «Um OVNI esteve em Fátima no dia 13/10/1917 e um extra-terrestre tentou dizer-nos que os habitantes da Próxima de Centauro nos querem bem»;

(3) «Os horóscopos de Francisco e Jacinta Marto para o dia 13/10/1917 determinavam que os acontecimentos desse dia lhes poderiam ser fatais a prazo»;

(4) «No dia 13/10/1917, um grupo de padres montou em Fátima uma encenação com objectivos políticos e religiosos».

As afirmações (1), (2), (3) e (4) acima têm diferentes graus de credibilidade demonstráveis através do uso da razão e da experiência. (1) é falsa porque a morte é definitiva (e o ser humano nunca dura mais do que 115 anos aproximadamente…); (2) é presumivelmente falsa porque a existência de ET´s não está demonstrada e seria pouco provável que cá chegassem; (3) é falsa porque os alinhamentos de astros distantes não influenciam significativamente o movimento do Sol, quanto mais os nossos humores e sentidos; (4) não está provada, mas não viola lei da Física alguma, nem contradiz a nossa experiência da História do mundo e dos homens. Se seguíssemos BSS, não poderíamos decidir.

30 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Diário Ateísta – 1.º Aniversário

Hoje, dia 30 de Novembro, o Diário Ateísta comemora o seu 1.º aniversário.

«Quem faz o que pode, faz o que deve». Miguel Torga

«Quem faz um filho, fá-lo por gosto». Ary dos Santos