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Dia: 9 de Novembro, 2004

9 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Blasfémias

Nos últimos tempos alguns dos posts do Blasfémias têm motivado acesas discussões sobre religiões e relações religião/política. Gosto especialmente deste post do blasfemo CAA:

«o anti-clericalismo, numa cultura impregnada com o ar bafiento de sacristia como é a nossa, nada mais é do que uma forma sã e desempoeirada de abrir a janela da razão e conseguir respirar ar puro e, sobretudo, de combater o atrofiamento cerebral que colectivamente nos ataca há tanto tempo. Ora, acontece que o clericalismo – entendido como a devoção pela máquina administrativa que detém posição dominante no mercado das crenças, bem como a quase-adoração idólatra pelos seus agentes in personna – vivifica precisamente nesses ambientes intelectualmente entupidos.

Donde, o anti-clericalismo é um esforço válido de romper a má tradição do estado abúlico em que os portugueses estão submersos.

E nunca será fanatismo porque não conheço qualquer posição anti-clericalista que reivindique ter «visto a Luz». Esta imagem não faz nenhum sentido – quem julga ver «luzes» e ouvir «vozes» são os que pretendem encontrar em qualquer acaso um milagre e em qualquer cura uma intervenção divina, i. e. os devotos das crenças atreitos ao amor clerical.

Os anti-clericalistas só querem a boa separação das águas entre as crenças dos outros e as sua próprias vidas, entre o sagrado e o profano. No fundo, só desejam que os servos dos auto-intitulados intermediários com o divino os deixem em paz.

E ao contrário destes, nada pretendem impor, antes fazer pensar para melhor se poder optar.»

Um post que faz jus ao motto do blog, A Blasfémia é a melhor defesa contra o estado geral de bovinidade!

9 de Novembro, 2004 jvasco

Espiral de violência?

Espero bem que esta notícia do público sobre uma resposta, sob a forma de uma bomba, ao assassínio de Theo van Gogh, não signifique o início de uma escalada de violência.

Se as motivações religiosas do assassínio eram claras, e foram aqui veementemente condenadas, as motivações deste atentado, religiosas ou não, merecem também o nosso repúdio.

Duvido que a violência se alastre incontornavelmente, e que situações destas se voltem a repetir na Holanda a curto-prazo. Mas se estiver enganado, e em vez disso as tensões culturais e sociais se agravarem (como muitos receiam) ao ponto destes eventos terem sido apenas o início, não será a primeira vez que a causa dessa violência pode ser atribuída ao fanatismo religioso.

9 de Novembro, 2004 jvasco

A navalha de Occam

Kepler descobriu que os planetas circulavam em volta do Sol com órbitas elípticas. A terra não era o centro do mundo, e as órbitas não eram esferas perfeitas. Ele conseguiu isso através dos dados de Thyco Brahe, os mais precisos da época. Mas ele podia ter concluído outras coisas, ele podia ter concebido um modelo muito mais complexo, do ponto de vista matemático, no qual a terra fosse o centro do Universo, e que fosse coerente com os dados.

Em termos epistemológicos, hoje ainda podemos conceber a possibilidade de criar um modelo no qual a terra está no centro do Universo, o qual seja coerente com todos os dados experimentais até agora obtidos. De forma mais extrema, podemos supor que todos os corpos se movimentam ao acaso e que a força da gravidade foi uma gigantesca coincidência que se verificou até hoje, e que, curiosamente, se continua a verificar.

Epistemologicamente, no extremo, não podemos contradizer essa teoria, considerando-a falsa. Então porque é que essas parvoices são descartadas? Pelo princípio da navalha de Occam.

Entre duas teorias coerentes com a totalidade dos dados experimentais (obtidos no passado, ou que possam ser obtidos por experimentação acessível), escolhemos a mais simples, a que necessita de menos suposições e menos coincidências. É um princípio razoável e racional.

E, ao longo da história da ciência, tem-se mostrado muito útil e certeiro.

Podemos sempre supor que possa existir um Deus que é coerente com a sua ausência de manifestação até hoje.

Mas eu, enquanto não descobrir dados incoerentes com a hipótese mais simples (a sua inexistência) vou escolhê-la como a minha «hipótese de trabalho» ou seja, aquilo em que acredito.

Tal como em relação à existência da força da gravidade e demais leis físicas.