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Dia: 12 de Setembro, 2004

12 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Reguengos de Monsaraz – A devoção autóctone atingiu o êxtase com o abate de um touro preso ao muro da arena, um acto de diversão em honra do Nosso Senhor Jesus dos Passos, patrono das festas religiosas que conduziram à imolação do animal. Em Roma largavam-se feras contra os cristãos – diz a lenda – hoje largam-se cristãos contra as feras, como se vê.

Igreja Ortodoxa – O patriarca grego de Alexandria e de toda a África, Pétros VII, morreu ontem no mar Egeu onde se despenhou o helicóptero em que viajava com outras 16 pessoas. Ou o helicóptero estava benzido e foi inútil ou não estava e foi incúria. Eis um caso típico de acidente onde não se sabe se as pessoas vão para ao céu, mas há a certeza de que caíram do céu.

ICAR – Na sequência da evocação do acto terrorista de 11 de Setembro de 2001, JP2 recebeu bispos americanos a quem informou de que rezava pelo fim do terrorismo. Se o Papa tem provas da eficácia da oração deve aumentar a frequência, duração e intensidade das rezas. Se não tem provas deve abster-se de intrujar os crédulos.

12 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Bispos e liberdade

Um artigo recente da Mariana Pereira da Costa refere os ataques do arcebispo de Pamplona, D. Fernando Sebastián, ao processo de laicização em curso, em Espanha.

O dever cívico e político de conceder a cada espanhol o direito de ter qualquer religião ou de não ter, provoca o azedume do arcebispo que duvida da modernidade da laicidade. A atitude não mereceria atenção se o arcebispo Fernando Sebastián fosse um mero epifenómeno de uma Igreja convertida à democracia, mas, desgraçadamente, é um bispo típico da ICAR espanhola, que apoiou com entusiasmo o franquismo e os seus crimes e não se resigna à perda de privilégios.

Afirmar que «a legislação deve conter referências a Deus e à lei divina» é um desafio ao Estado, que legitimamente devia exigir à «lei divina» referências aos direitos do Homem. Mas a «lei divina» ignora a liberdade e os seus intérpretes odeiam-na.

A tolerância não é apanágio de nenhuma religião, nem os livros sagrados (Tora, Bíblia, Corão) consentem o pluralismo, aceitam os direitos do Homem ou permitem o livre pensamento. Não se encontra em qualquer deles a mínima referência ou, sequer, complacência para com a liberdade ou o exercício de quaisquer direitos cívicos. A igualdade entre o homem e a mulher, o direito de voto, a liberdade de renunciar a uma religião para aderir a outra ou de se libertar da fé, são direitos que não se adquirem com a ajuda das religiões mas contra elas.

A democracia é a forma de Governo conseguida a partir da separação da Igreja e do Estado, execrada por clérigos de todas as religiões, abominada pelos papas, odiada por crentes, combatidas pelos que exigem sobrepor a vontade de Deus à dos homens. Nenhum livro sagrado expurgou os interditos que envergonham as sociedades modernas e tornam os homens e as mulheres infelizes. Malditos livros.