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Dia: 22 de Junho, 2004

22 de Junho, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

Vinha a descer a avenida Lourenço Peixinho, em Aveiro, quando passei pela montra de mais um bric-á-brac chinês e eis que este Cristo me surpreende!

Num canto, rodeado de ditados de Confúcio, o Cristo encontra-se cercado, sem ter hipótese de fuga. Um caractere chinês encosta-se à jugular…

Definitivamente não há escapatória possível. Com 1.3 mil milhões de chineses no mundo não podemos fugir deles. Tal como eles não podem fugir de nós. O Cristo está pendurado na montra da loja, como sinal de boa fé. Os aveirenses são conservadores, e como é habitual, na sua população abundam certos extremismos. Os comerciantes, esses sábios da tolerância, usam os sinais sagrados dos outros para serem aceites e adoptados.

O Cristo, no entanto, dado o contexto, parece pedir ao pai por outros tempos. As sociedades multiculturais são tão aborrecidas…

É-se só mais um deus, no meio de tantos. Porque é que o pai o pôs em tal situação, de que não estava à espera!?

Um dos factores de crescimento da descrença na Europa, foram os Descobrimentos. Quando começaram a ser publicados relatos de viagens, de terras com povos estranhos, com deuses e sem deuses, o argumento da apologética cristã medieval de que o monoteísmo messiânico era implícito a qualquer ser humano caiu por terra. Hoje, nem sequer nos lembramos dele. Só encontramos alguns ecos seus nos argumentos do tradicionalismo esotérico (bem disfarçadinhos, claro). Em retrospectiva, percebemos porque a igreja correu para converter os novos mundos. A ameaça da diferença e logo da descrença eram demasiado reais. Escolheu-se a iniciativa, ao invés da defensiva. A um conquistador todos os povos parecem inferiores.

Ao império do meio, a China, o sistema imperial escolheu a estratégia inversa. A defensiva.

De nada lhes valeu.

A globalização é um fenómeno estranho. É uma onda de mudança imparável.

E só sobrevive quem souber mudar. E é melhor mudar por escolha própria, do que a isso ser obrigado.

Alguém seguirá as regras do feng shui, ao instalar o poster de «cantor de rock and roll» do Cristo.

22 de Junho, 2004 André Esteves

Epidemia de poliomielite de volta a África

Segundo a BBC News ( Em inglês), a poliomielite está de volta como epidemia na África. A culpa?

Os anciões muçulmanos do norte da Nigéria recusaram a campanha de vacinação da OMS – Organização Mundial de Saúde. Temiam que as vacinas estivessem adulteradas para matar crianças, por parte de uma conspiração ocidental para despovoar a África muçulmana.

Os casos de crianças doentes aumentaram dramaticamente e já se espalharam pelos países vizinhos, que estavam livres da poliomielite.

A guerra no Iraque e no Afeganistão provocaram uma reacção de desconfiança, no mundo islâmico, às instituições internacionais. A estrutura de tribo e de pequena igreja, que é característica do Islão profundo, também é um poderoso meio de transmissão do boato, da má-língua e da fantasia ideológica.

A verdade está mais na boca de um amigo do que no sentido crítico e na investigação pessoal.

Depois as crianças é que pagam…

22 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Iraque – Um cidadão sul-coreano sequestrado por um grupo da Al-qaeda (espécie de Opus Alá, com poucas habilitações literárias), acaba de ser decapitado. Fica-nos a dúvida sobre quem é mais cruel, se Alá ou os crentes.

NATO – Foi ratificada a renovação dos submarinos em Portugal. Como se sabe o Dr. Paulo Portas encomendou 2 submarinos (1 para subir e outro para descer), enquanto o nome do bispo que os vai aspergir e dar a eucaristia ao Sr. Ministro continua em segredo.

EUA – Bill Clinton parece ter sido um excelente presidente (sobretudo comparado com o actual) mas só é questionado, ainda hoje, pelo escândalo criado com a estagiária da Casa Branca, Mónica Lewinsky. Parece que os americanos não se importam que o presidente governe ou não, exigem apenas fidelidade à esposa legítima.

Vaticano – O papa anda possesso com a política de José L. Zapatero para a família. JP2 voltou a condenar ontem os projectos do Governo espanhol que visam autorizar o casamento entre homossexuais e a adopção por esses casais. O único ditador europeu, escolhido por umas dezenas de cardeais e por um clandestino Espírito Santo, atreve-se a censurar o presidente de um país livre eleito democraticamente.

Espanha – A derrota da selecção no Euro 2004, cuja protecção do apóstolo Tiago se revelou um fracasso, deu origem a um corrosivo comentário que circula em Espanha:

“Le doy la razón al presidente, hace meses Zapatero dijo que todos los

españoles que estuviesen fuera volverían a España antes del 30 de junio.”

22 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Padres de Aveiro recebem remuneração base

Num comunicado, D. António Marcelino, bispo de Aveiro, diz que a remuneração base de todos os padres passará a ser, a partir do próximo mês de Julho e incluindo já este mês, de 550 Euros e o subsídio de férias será ainda de 500 Euros e ao 13º mês serão atribuídos 525 Euros. Se o padre tiver mais de uma paróquia ou outros serviços pastorais remunerados e permanentes (professores e os capelães), seguir-se-á o que está determinado, ou seja, que o excedente, deduzidas as despesas de transporte não remunerado por outra entidade, reverta, em partes iguais, para o próprio padre e para o Fundo Diocesano de Compensação.

Considerando que o salário mínimo nacional é de 365,6 Euros, a salvação de almas até nem é um trabalho mal pago.

22 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Casamento: Evolução do direito português I

O sistema do Código Civil de 1867 era confuso e contraditório. Os arts. 1057º e 1072º pareciam consagrar o casamento civil apenas para os não católicos (sistema de casamento civil subsidiário), mas como não podia haver inquérito prévio acerca da religião dos contraentes (art. 1081º) e o casamento civil não podia ser anulado por motivo da religião (art. 1090º), reconhecia-se, afinal, que o Código admitia o sistema de casamento civil facultativo na segunda modalidade. As leis canónicas eram recebidas no país (arts. 1069º e 1086º) e o casamento católico só podia ser considerado nulo no juízo eclesiástico e nos casos previstos nas leis da Igreja (arts. 1086º e 1087º). Assim, o sistema do Código de Seabra tinha os mesmos inconvenientes que tem a segunda modalidade do sistema de casamento civil facultativo e que resultam de o casamento civil e o casamento católico serem admitidos como dois institutos diferentes, regidos por duas ordens jurídicas distintas, sendo diverso o seu regime, por exemplo, quanto à capacidade, consentimento, vícios ou nulidade do acto.

Apesar de tudo, o Código atenuou algumas destas desvantagens. Primeiro, com a ideia de aproximação dos dois sistemas de impedimentos, aplicou também ao casamento católico os impedimentos impedientes do casamento civil (art. 1058), responsabilizando o ministro da Igreja que celebrasse casamento mesmo quando existissem tais impedimentos (art. 1071º). Segundo, com o objectivo de unificar o registo dos casamentos, o legislador ordenou aos párocos que enviassem ao respectivo oficial do registo civil a acta do assento paroquial, para que fosse registada (art. 2476º).

Este foi o sistema que vigorou até à República.