Loading

Dia: 24 de Maio, 2004

24 de Maio, 2004 André Esteves

Sinfest, a festa dos pecados.



Legendas:

1ºQuadrado: À volta do século 19, o ateísmo espalhou-se, como os Backstreet Boys.

2ºQuadrado: Filósofos anunciaram a morte de deus. Psicólogos sonhavam teorias sem necessitarem dele

3ºQuadrado: A igrejas esvaziaram-se. A fé entrou em declínio. As pessoas sentiam-se desiludidas com deus.

4ºQuadrado: Não é de admirar, que ele esteja tão desesperado.

Muito raramente, encontramos a excelência. Sinfest é a excelência. Esta banda desenhada ateia consegue quebrar com todos os preconceitos que possamos ter sobre o tema colocado nos quadradinhos. As histórias andam à volta de um conjunto de personagens que personificam a condição humana moderna. Slick e Monique são o foco central do trama. Ele um epicuriano perverso que procura a realização material sem nenhum esforço. Ela uma vamp que procura esconder a mulher sensível que é, encontrando sempre mais fundo, a vamp que realmente é.

Por sua vez, deus e o diabo, bem como o dragão oriental colocam o pano de fundo filosófico nesta autêntica festa dos pecados. (deus está sempre a lembrar ao diabo que ele não passa de uma marioneta da sua vontade, e procura ignorar a existência do sarcástico e independente dragão oriental, personificando os problemas filosóficos do mal, do livre arbítrio e do choque alienígena das culturas orientais na visão, até à pouco tempo exclusiva, da religião judaico-cristã.)

As paródias politicamente incorrectas misturam-se com caligrafia japonesa e comentários profundos revestidos de uma simplicidade e subtilezas desarmantes.

Tatsuya Ishida, o autor, gosta de se apresentar como um rebelde. E é-o pela excelência. O traço clássico em tinta de Nanquim, quase no plágio de «Calvin e Hobbes» (em que Slick é a homenagem final) é desmontado com regularidade e cuidado sistemático revelando um artista com um controle magistral da sua técnica.

Consumir com meditação e uma boa gargalhada epifânica.

A não perder!

Sinfest – A banda desenhada

24 de Maio, 2004 Carlos Esperança

O culto que a igreja quis silenciar

«Muitos dos habitantes de Asseiceira, Rio Maior, continuam a crer que Nossa Senhora apareceu ali várias vezes a um menino chamado Carlos Alberto. Cinquenta anos depois da primeira aparição, o culto mantém-se apesar da rejeição da Igreja Católica. No local pedem-se graças, pagam-se promessas e movimenta-se dinheiro» – lê-se em «O MIRANTE», semanário regional, de 20 do corrente.

O admirável acontecimento ocorreu pela primeira vez em 16 de Maio de 1954 quando o Carlos Alberto, então aluno da 4.ª classe da escola primária de Asseiceira, se encontrava a rezar. Apresentou-se-lhe como «Mãe do Redentor», junto a um loureiro que ainda lá está de pé. A partir daí, até Janeiro de 1955, a Mãe do Redentor apareceu todos os dias 16 ao garoto, altura em que compromissos de agenda a levaram para outras paragens.

São muitas as pessoas que dizem ter presenciado acontecimentos sobrenaturais e assistido a milagres. No entanto o milagre mais difícil foi o do cego Silvério da Costa que de repente começou a ver.

Não obstante a cura de cegos ser uma especialidade bem difícil, onde JC firmou créditos, nem assim a ICAR procura ir além do que afirmou numa nota patriarcal de 7 de Agosto de 1954 «nada existir que confirme ou pareça confirmar a veracidade de tais aparições», recusando-se a conceder o alvará para exploração do milagre.

Todavia se a tendência religiosa de limitar os milagres por hectare, vier a desaparecer, a Mãe do Redentor de Asseiceira tem condições para se tornar numa das maiores vedetas do culto mariano em Portugal.

24 de Maio, 2004 Ricardo Alves

Sim à Laicidade, não à Concordata (1)

Existem boas razões de princípio para se ser contra qualquer Concordata que comprometa a República de que somos cidadãos.

1) Os direitos necessários ao exercício da liberdade religiosa já são garantidos pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente a liberdade de consciência, a liberdade de culto, a liberdade de expressão e a liberdade de associação (ver os artigos 37, 41, 45 e 46). Os católicos exercem estes direitos diariamente e é legítimo que o continuem a fazer. A Concordata não é, portanto, necessária do ponto de vista da garantia das liberdades fundamentais dos cidadãos portugueses.

Só se compreende a sua existência como forma de impôr privilégios para a comunidade católica portuguesa, ou seja, para criar desigualdades entre os cidadãos. (Este aspecto será desenvolvido num texto futuro.)

2) Qualquer Concordata implica o reconhecimento por Portugal do estatuto estatal do Vaticano. Ora, a Santa Sé não governa um Estado, mas sim uma igreja. Não existe um povo do Vaticano, mas sim cerca de 400 pessoas que acumulam o passaporte da Santa Sé com a nacionalidade de outros Estados, e geralmente também com o estatuto eclesiástico. Além disso, o território administrado é o mais exíguo do mundo, e a Santa Sé não ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não sendo por essa razão um membro efectivo da ONU. Apenas um acordo de 1929, assinado por Mussolini, impede que a República italiana reclame a soberania total sobre os 0.44 km2 vaticânicos. Este pseudo-Estado, a última ditadura da Europa, tem usado o seu estatuto de “observador” na ONU para impôr concepções dogmáticas em matérias de planeamento familiar (e outras).

A República não deve reconhecer igrejas, mas sim cidadãos livres e iguais. Reconhecer uma igreja como se fosse um Estado é portanto um insulto à laicidade.

24 de Maio, 2004 André Esteves

Pequenos absurdos históricos incómodos

O imperador romano Constantino, o homem que se «converteu» ao cristianismo e o tornou religião do império, morreu há 1667 anos. (e um dia…)

Embora bem morto, o seu corpo embalsamado continuou a actuar como chefe de estado, recebendo as figuras do estado e relatórios diários dos seus ministros, como se nada se tivesse passado.

Esta situação continuou até ao inverno.

Muito cristão… Seria?

Quando li este pequeno pedaço de história (e são tantas histórias) que coloca a nossa visão do passado de sobreolho, lembrei-me de uma pequena piada soviética:

Estaline morreu. Puseram-no em câmara ardente. O «paizinho dos povos» foi visitado por todo o povo de Moscovo. Na noite antes do enterro, reuniram-se os seus comparsas à volta do caixão.

No meio da escuridão, olhavam uns para os outros, desesperados. Enquanto se entreolhavam, sussurravam com horror nos olhos.

– Estaline morreu… Estaline morreu…

E assim continuaram durante horas. Até que Béria finalmente ganhou coragem e disse a meia voz:

– Estaline morreu!

Todos gelaram de terror. Béria perguntou, aterrado:

– E quem é que lhe vai dizer?