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Dia: 21 de Março, 2004

21 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

Propaganda Copista

Amanhã, segunda-feira, começará o projecto Bíblia Manuscrita Jovem, que porá 50 000 jovens estudantes, professores e funcionários de 233 escolas de todo o país a copiar a bíblia. Ao lado de tal actividade lúdica e deveras educativa, estão previstas exposições sobre monges copistas, edições de bíblias em diversas línguas, viagens gastronómicas pelos doces conventuais e um scriptorium contemporâneo, que permite a pesquisa interactiva da Bíblia em CR-Rom.

Esta iniciativa é organizada com parcerias católicas e protestantes e com o alto patrocínio da Secretaria de Estado da Educação. Sim, porque a senhora dona Mariana Cascais, esse poço de virtudes, inaugurará simbolicamente o inicio desta actividade.

Há que recordar ao Ministério da Educação e às organizações religiosas, uma vez mais, que a escola pública não deve ser palco de campanhas publicitárias a determinada religião. A nossa Constituição consagra expressamente o princípio da neutralidade do Estado face a qualquer confissão religiosa e, portanto, os estabelecimentos educativos não serão usados para tentativas de conversão. Muitas vezes interrogamos acerca do destino dos nossos impostos… Bem, este é um deles. O comunicado de imprensa da Associação República e Laicidade, Não ao proselitismo na escola pública, sim à escola laica, reflecte eloquentemente o que está em causa com este projecto proselitista.

Em nome da pluralidade democrática, do respeito pelos ideais do próximo não podemos tolerar tal intromissão do religioso no domínio público.

21 de Março, 2004 Carlos Esperança

A fé é uma doença contagiosa e altamente letal



Há um ano, George W. Bush ao pedir a Deus que abençoasse a América e os seus exércitos, limitou-se a imitar Ussama Ben Laden que, muito mais beato, se antecipara com um pedido semelhante acrescido do desejo suplementar de morte a todos os infiéis.

Na luta contra o terrorismo, cuja urgência e necessidade são óbvias, convém dispensar Deus do trágico jogo das paixões humanas.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Organização das Nações Unidas, é o código de conduta onde o mundo civilizado se revê, independentemente da religião ou da sua ausência.

Ninguém duvida que Ben Laden usa a religião como instrumento do seu próprio poder, razão acrescida para Bush evitar o uso do poder como instrumento da religião que professa, o que é injusto e perigoso.

Em todo o Médio Oriente perpetuam-se, sob pretexto religioso, ditaduras obscuras e cruéis, formas de opressão violentas e retrógradas, teocracias sinistras e tenebrosas. Não pode, pois, aceitar-se que o Presidente de um país livre misture a justiça com a oração, confunda a liberdade com a religião, ou faça depender da fé a democracia..

Para não comprometer Deus basta a Bush defender os valores humanistas da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, legado da Revolução Francesa que a Constituição Americana honradamente acolhe. E que, relativamente a estes princípios, se torne praticante.

É preciso que haja cada vez menos gente a morrer em nome de Deus e cada vez mais a viver ao serviço do homem. Para que a religião deixe de ser vista como ópio do povo e, sobretudo, evite transformar-se em anfetamina do terrorismo.

21 de Março, 2004 Carlos Esperança

O Iraque foi invadido há um ano

Pior desgraça do que a vitória de Bush só a improvável vitória de Saddam. Construir a Europa sobre os escombros de uma guerra que não levou apenas a morte e o ressentimento ao médio oriente, mas feriu gravemente a unidade europeia, é a tarefa que nos cabe com outro governo americano e novas lideranças ibéricas.

É possível que cem Ben Ladens surjam ainda e é urgente que se alterem as condições onde medram os facínoras de Deus. Pior seria que mil Bushes florescessem no pântano do fundamentalismo cristão. Esperar-nos-iam amanhãs que disparam, num mundo de joelhos. É execrável o estilo e obscena a substância desta administração americana, numa postura simétrica com o fundamentalismo islâmico.

Quem espezinhou o direito internacional para o fazer cumprir, quem assassinou um povo para libertar um país, quem desafiou a ONU para fazê-la respeitar, levou demasiado longe a hipocrisia e não está em condições de promover a paz.

Quando se paga com notas verdes, onde se lê “In God we trust”, a traição e o suborno, quando se pede a um país civilizado que faça jejum e oração pelos soldados que invadem outro que é obrigado a fazê-lo, quando um presidente se comporta como pastor evangélico antes de agredir um ditador que escraviza o povo em nome de Alá, quando se exibe a Bíblia para afrontar o Corão, quando se faz do poder uma tribuna religiosa, não existe um presidente, há um beato empenhado numa cruzada.

Foi longa e trágica a quaresma do Ano da Graça de 2003. Continuamos à espera da redenção de uma liturgia laica. E a ressurreição dos ideais da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. E sepultemos de vez esta letal confusão entre poder e religião.

Para partirmos para a construção democrática de uma Europa alargada e solidária, no interesse de europeus e americanos, parceiros iguais e não vassalos.

Não é de uma guerra entre o Eixo do Bem e o do Mal que precisamos. É da vitória do Eixo da Vida sobre o da Morte, da paz sobre a guerra, da tolerância sobre o fanatismo.

A derrota de Aznar, há uma semana, foi a primeira boa notícia. E, contrariamente ao que pretendia fazer crer o apaniguado do Opus Dei, não faltará aos que se opuseram à guerra determinação para combaterem o terrorismo. Com a vantagem de não terem apoiado uma invasão injusta e criminosa.