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Categoria: Religiões

16 de Abril, 2024 Onofre Varela

Vamos enterrar Deus?

Não. Não vamos. O meu discurso de ateu não pretende acabar com a ideia de Deus. Não é essa a minha intenção nem tal coisa é possível. São bem profundas as raízes do divino na estrutura da mente e na história das civilizações. O Homem “criou Deus à sua imagem e semelhança” porque precisou dele… e contra tal necessidade não se pode lutar irracionalmente. Mas é sempre possível lançar na mente de quem ainda alimenta a curiosidade, a interrogação sobre o porquê das coisas, incluindo nelas a sua própria fé, não se deixando embebedar pelo “medo do castigo divino”.

A cabeça do crente é o verdadeiro “reino de Deus”… fora dela, não há Deus em lado algum, nem há castigos ou prémios divinos. Deus é um conceito civilizacional para ser guardado no baú dos avós como objecto de extrema importância na História do Pensamento… aí o devemos manter com a consciência de ter sido um elemento de peso na nossa evolução e na construção das civilizações, mas hoje não passa de elemento folclórico com valor antropológico. Pertence a uma “arqueologia do pensamento” e só é usado como artimanha fantasiosa pelos industriais da exploração da fé, no sentido de burlarem os necessitados da droga do divino na convicção de que a “necessidade de Deus” é fundamental para se “viver com decência religiosa”… o que me parece indecente!…

Gianni Vattimo em 1980. Adriano Alecchi /Alamy

Tal como diz o filósofo italiano Gianni Vattimo, “chega um momento em que [as religiões] já não são necessárias. E esse momento é a nossa época, porque, como pode ver-se em muitos aspectos da vida actual, as religiões já não contribuem para uma existência humana pacífica nem representam um meio de salvação. A Religião acaba por ser um poderoso factor de conflito em momentos de intercâmbio intenso entre mundos culturais diferentes” (Gianni Vattimo, filósofo e político italiano, no artigo de opinião: “É a Religião Inimiga da Civilização?” Jornal El País, 1/3/2009).

O sentido religioso não está morto nem morrerá jamais… ele é intrínseco ao funcionamento do nosso cérebro. Somos um ser religioso por excelência. Mas a “morte de Deus” vaticinada por Nietzsche é factível e pode considerar-se, já, nesta realidade actual: “o que está morto, num sentido mais profundo, são as religiões morais como garantia da ordem racional no mundo”, como diz o filósofo citado. Hoje o valor da prática de uma qualquer religião só é encontrado a nível da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia, os ramos da Ciência que estudam os complexos sistemas de crenças que formatam as sociedades.

Desformatá-las desse modelo não é tarefa fácil nem é coisa que se consiga em duas ou três gerações. Aliás… entre nós podemos aquilatar dessa dificuldade olhando para o resultado da “Revolução dos Cravos” tão acarinhada há 50 anos pela esmagadora maioria dos Portugueses que tanto a desejavam como libertadora de uma ditadura. Duas gerações depois, os inimigos dos militares da Revolução e dos ideais que a fizeram, e que são amigos do regime deposto querendo recuperar sistemas sociais indesejados por quem respeita o próximo, sobem as escadas do poder empurrados, também, por seitas religiosas!…

É um fenómeno resultante dos problemas sociais que os governos que temos tido não foram capazes de resolver… e não os resolveram por uma questão muito simples: é que nas cadeiras do Poder nunca estão sentados os melhores de nós… são os mais “reguilas” (reguila é sinónimo de “burro-armado-em-inteligente”) que se perfilam nos actos eleitorais e são votados. E nós acorremos às assembleias de voto com a mesma convicção de “obrigação satisfeita” sentida pelo católico quando toma a hóstia na santa missa!…

Os cultos religiosos só são operantes porque há uma sedimentação do pensamento do divino como resquício do nosso primitivismo. Em alguns locais deste meu lindo país, quando me afirmo ateu pedem-me para “falar baixo”, olhando em todas as direcções para comprovarem a intimidade da minha declaração! É um medo patético semeado por quase nove séculos de monarquia de mãos dadas com a Igreja medieval, adubado por 40 anos de ditadura política de braço dado com a mesma Igreja, e pouco regado por cinco décadas de Democracia que se esqueceu de prolongar no tempo o Ideal Social da Revolução dos Cravos… a qual hoje é contestada, também, pelos piores de nós!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

8 de Abril, 2024 Onofre Varela

O Negócio da Fé

A fé é um negócio como qualquer outro, e quem o explora espera obter lucro. É como vender hambúrgueres e Coca-Colas… se a loja não der lucro fecha-se a porta ou muda-se de ramo… mas as lojas que são as igrejas, estão isentas de alguns impostos, o que lhes dá alguma folga económica nas despesas. Os lucros são óbvios… a demonstrá-lo está a divulgação do santuário de Fátima que obteve um rendimento superior a 21,70 milhões de euros ao longo do ano de 2023, superando todos os números de visitantes pré-pandemia Covid: um total de 6,8 milhões de peregrinos.

A fé tem esta característica: depois de o cliente se habituar ao produto, passa a consumi-lo desregradamente (como se fosse uma droga viciante) porque foi para isso que os seus clientes compulsivos foram educados. Ao contrário do jogo e do álcool, que são viciantes e têm contra-indicações merecendo alguns recados de instituições governamentais no sentido de se ter atenção a regras, na fé isso não acontece!… Não há livro de reclamações nem manual de instruções para evitar consumo exagerado de missas e deglutição de hóstias.

O Papa Francisco I é mostrado como uma boa pessoa cheia de excelentes intenções e que quer o melhor para o mundo… não só para as comunidades da sua religião. É um sentimento universalista que só lhe fica bem, o qual ficou sublinhado em 8 de Junho de 2019, segundo notícia divulgada pelo jornal espanhol El País: o Papa mostrou-se escandalizado com o marketing comercial do santuário de Lourdes (França), onde crescem as visitas, aumentam as receitas, e os peregrinos se transformaram em clientes turistas.

Os visitantes do santuário viajam desde paragens longínquas na tentativa de ali encontrarem algum milagre que lhes alivie as vidas sofridas e cure doenças. O Papa entende que o marketing comercial de Lourdes se sobrepõe à fé, no sentido em que ele quer que se entenda a fé: na “humanização da Igreja”. Por isso encarregou o arcebispo Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, de meter mãos à tarefa de melhorar o cuidado pastoral dos santuários, a qual se inicia em Lourdes… mas presume-se que não se ficará por aí.

Foto de Milada Vigerova na Unsplash

Lourdes é considerada a “jóia da coroa dos milagres” desde que a pastorinha Bernardette Soubirous disse ter visto a imagem de Maria, há precisamente 166 anos (1858), na gruta de Massabielle. Desde então a receita recolhida em Lourdes atinge somas multimilionárias!…

Fico sem perceber a verdadeira intenção do Papa!… Não é ele o chefe de uma empresa exploradora do sentimento de fé religiosa em Deus, em Jesus, em Maria e numa panóplia de santinhas e de santinhos que enfeitam as paredes dos templos como deuses menores da medieval Igreja Católica?

Não é a Igreja a grande inventora e exploradora de milagres e fazedora de santinhos?!…

Não é ela que alimenta a fé em todas as missas, sublimando o deus alojado nas mentes religiosas?!

O Papa só agora teve consciência da exploração que a sua Igreja faz do pensamento de fé?!…

Começando esta purga por Lourdes, será que ela vai chegar a Fátima?

Que dirão os adoradores dos pastorinhos de Ourém que já os elevaram ao altar e conduziram à construção de uma basílica (que já são duas) transformando o local numa outra Lourdes… que, pelos vistos, o Papa Francisco entende ser uma vergonhosa máquina de marketing comercial para extorquir dinheiro a crentes intelectualmente indefesos?!…

Oh valha-nos Deus e o São Cricalho!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

25 de Março, 2024 Onofre Varela

Quando a crença comanda o pensamento

A Natureza dotou-nos com um tipo de inteligência que nos tornou em “Homo sapiens sapiens”, um ser superior aos restantes animais nossos companheiros de vida na Terra. Pela mesma razão somos religiosos por excelência, cuja característica nos levou à criação dos conceitos da Beleza, do Sagrado e dos Deuses (de Deus). Por sua vez, esta última encaminhou-nos para a prática de cultos religiosos tão diversificados como diversificado é o pensamento de cada um de nós perante os outros. 

Na Alta Idade Média a Igreja pretendeu (parece que ainda pretende) ser proprietária do conceito de Deus, sobre o qual, no decorrer da História do Homem e do Pensamento, erigimos civilizações… mas, na verdade, do mesmo modo como a Língua que falamos é propriedade nossa, também o conceito de Deus a todos pertence, independentemente de seguirmos, ou não, uma religião… porque os deuses (o conceito de Deus) e os cultos inerentes, são fruto da nossa invenção… logo, como representantes da espécie “Homo sapiens”… cada um de nós é “co-autor” da ideia de Deus!

Foto de Kenny Eliason na Unsplash

Na pretensão vaidosa, ignorante e prepotente, de possuir “todas as verdades”, a Igreja Católica já perseguiu e puniu com tortura e morte quem se atreveu a abordar a divindade fora do âmbito da sua fé. E o Islamismo extremista ainda hoje mata em atentados terroristas praticados em nome de Deus, com os assassinos a gritarem “Allahu akbar” (Deus é grande). No século XXI voltamos à barbárie, desta vez refinada, que os mais bem intencionados de nós já tinham arrumado nas prateleiras da História mais macabra e longínqua que tanto desilustra a Humanidade. 

Relativamente à crença é conveniente termos a noção de que crer em Deus” não é o mesmo que saber sobre Deus”. O saber precisa de conhecimento, obrigando à constante renovação das ideias, sem o que o verdadeiro saber não existe. E depois, o saber” é lento, frio e racional. A crença”, não! A crença é emotiva, ferve em pouca água e por vezes provoca danos irreversíveis. 

Na crença afirma-se sem se saber, com a mente aquecida pela emoção cega. O crente não sabe, de saber certo, aquilo que afirma saber, porque crer não é saber”. Por muito que eu “creia” que o comboio parte ao meio-dia, eu vou perdê-lo se não “souber” que ele parte às dez horas da manhã. (Se não houver greve!) 

A crença rejeita a dúvida e afirma a certeza na fé. O saber obriga à constante investigação e abertura ao que é duvidoso, novo e contraditório. Sem esta atitude de curiosidade e humildade, podemos ser crentes… mas nunca seremos sabedores. Em tudo, na vida, por uma questão de honestidade para connosco e com os outros, e até para que cada um sinta segurança no seu próprio raciocínio, é indubitavelmente preferível que se “saiba”, do que se “creia”. 

Há que dizer que as religiões também são “modos de saber”, no sentido emocional da crença. Isto é: quando “eu sei que Deus existe porque o sinto”, adquiro um “saber” que ninguém destruirá, pois o meu sentimento mais profundo me diz estar a verdade do meu lado. É este “saber” que faz a “razão” dos crentes… embora não seja saber, nem razão, na verdadeira acepção dos termos. É um “saber” que não pode ser aferido pelas ciências, nem pela razão filosófica enquanto forma de chegar a conclusões reais, porque estas são contrárias àqueles saberes que não passam da imaginação que a fé alimenta. Este “saber religioso” constrói  fundamentalistas… e alguns até são criminosos. 

OV

20 de Março, 2024 Onofre Varela

Perdoar a quem nos agride

“A quem te bater na face direita, dá-lhe também a esquerda” (Mateus, 5: 39-42). Esta frase evangélica foi escrita num tempo em que a lei era “Olho por olho e dente por dente”. Convenhamos que a moral contida em Mateus é bastante mais positiva e pacífica do que o conflito que emerge da frase que então fazia lei e mandava tirar os olhos a quem cegasse alguém.

As frases moralistas que podem ser encontradas nos Evangelhos têm de ser entendidas à luz do tempo em que foram registadas e das razões que as motivaram. Dois mil anos depois de Jesus Cristo (JC), as sociedades evoluíram, os Códigos Comportamentais também, e nós… bem… nós continuamos a ser os mesmos animais de sempre!

A nossa mentalidade pouco mudou com o decorrer dos séculos! Em termos de Consciência, somos, hoje, os mesmos homens que escreveram a Bíblia e os Evangelhos. A técnica evoluiu; na escrita passamos das placas de barro para o papiro, do pergaminho para o papel e deste para o computador, mas a nossa mente bélica e de predador continua a mesma de antanho. O Homo sapiens é a última experiência da Natureza na vida do planeta (temos menos de 200.000 anos, em cerca de 4,5 biliões de anos que tem o planeta). Somos, ainda, primitivos, por mais evoluídos que, por vaidade, nos consideremos.

Quando oferecemos “a outra face” a quem nos bate, partimos do princípio que o outro vai entender a nossa posição e sentir-se envergonhado por nos ter agredido. A nossa atitude pacífica contrasta de tal modo com a do agressor que, este, se for inteligente e sensível, vai sentir-se mal e pedir perdão pelo seu acto hostil, abandonando as suas incorretas atitudes. É esta a intenção da frase evangélica atribuída a JC e escrita por Mateus provavelmente no ano 70 (40 anos depois da morte de JC).

E os ditadores? Serão inteligentes?… Provavelmente sim… talvez usem uma “sub-espécie de inteligência”… mas… serão sensíveis?!… Entenderão o discurso de JC e a razão do próximo?

Foto de Polina Petrishyna na Unsplash

É neste quadro que eu entendo a frase do Papa Francisco I (F1) tornada pública no último dia 10 de Março, quando pediu ao governo ucraniano que tenha “a coragem da bandeira branca e de negociar com a Rússia”, acrescentando que “a palavra «negociar» é uma palavra corajosa […] quando percebemos que estamos derrotados e que as coisas não estão a correr bem, é preciso ter a coragem de negociar”.

Obviamente que os responsáveis políticos ucranianos se sentiram indignados ao interpretarem esta atitude de F1 como um apelo à rendição do país perante a invasão russa. Também obviamente, Putin se regozijou com o apelo do Papa por o sentir do seu lado, e fez saber que está disponível para negociações e que a Ucrânia não quer terminar a guerra (?!). Obviamente (também) eu só posso pensar o contrário do ditador e de F1! Quem tem de terminar com a guerra é o país invasor que a começou… e não o país invadido que não faz guerra… apenas se defende!

Sublinhando a sua maldade de invasor, Putin acrescentou ao seu discurso de “paz”, este “pacífico” recado dirigido a todo o mundo: “a Rússia está pronta para uma guerra nuclear”.

F1 – que para mim é o melhor Papa de todos quantos no último século se sentaram na cadeira de S. Pedro – tem de perceber que as frases evangélicas são para consumo caseiro dos fiéis cristãos, mas nunca serão consumidas, nem entendidas, pelo mau vizinho que é a Rússia (sob a ditadura putinista) paredes meias com a Ucrânia.

Em resposta, a Polónia sugere a F1 que “encoraje Putin a retirar o seu exército da Ucrânia”. Por seu lado, Zelensky pediu ao Papa para apoiar o plano de Paz ucraniano onde se reitera a restauração da integridade territorial da Ucrânia, a retirada da tropa russa e a cessação das hostilidades. Este plano não está aberto a negociações… e eu assino por baixo.

Vamos lá a ver, leitor. Raciocine comigo: o seu vizinho invade-lhe o quintal que é seu, destrói-lhe parte da casa que é sua e mata a sua família. Depois quer que você “negoceie” com ele de acordo com a vontade dele, que nunca é a sua; ele propõe que você fique com o anexo do fundo do quintal que tem o telhado destruído pela bomba que matou a sua família, enquanto que ele fica com o quarto e a cozinha, únicas partes que se salvaram da destruição que as bombas dele provocaram na sua casa. Só assim o seu vizinho lhe “garante” a Paz. Você aceita?…

EU NÃO ACEITARIA!

A “Paz” alcançada deste modo não é Paz; é um conflito latente e não é por eu dar a outra face que vou viver bem e que o meu vizinho jamais me incomodará!… Não!… Este meu vizinho nunca deixará de me incomodar nem retirará a sua bota do meu pescoço.

Vamos aceitar “ultimatums” de todos os bandidos que nos invadem a casa e que nos matam a família? O que fazemos com um psicopata assassino? Ajoelhámo-nos perante ele, ou enclausurámo-lo?

Espero que o Mundo nunca deixe de se unir em favor do invadido, e condene o invasor… porque este é quem deve abandonar o país que invadiu, pagar a reconstrução das cidades que destruiu e indemnizar as famílias que enlutou. Se isto não acontecer assim… então vivemos num mundo imensamente pior do que aquilo que eu imaginava!…

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

14 de Março, 2024 Onofre Varela

Espírito missionário

Quando cumpri o serviço militar em Angola (de Dezembro de 1965 a Fevereiro de 1968) não tinha o interesse cultural que adquiri mais tarde, no sentido de aproveitar o tempo passado em África para me engrandecer intelectualmente.

E não foi assim por mais do que uma razão: primeiro, por não ser de minha vontade prestar serviço no Exército (conto a experiência no livro 191 – Memórias de um Soldado em Angola. Editora Verso da História, 2016 / comercializado pela Book Cover Editora). E depois, porque nos meus 20 anos de idade não tinha a maturidade de que necessitava para, naquela fase da vida, ter outro interesse que não fosse o de chegar vivo ao fim de cada dia, esquecendo (ou melhor: não sabendo) outros interesses de ordem cultural e antropológico que bem podia ter aproveitado.

Só muito depois de regressar me dei conta de ter perdido oportunidades únicas que desperdicei por desconhecimento. Estive em terra africana, no berço da Humanidade, e não vi, nem senti – do modo como, obrigatoriamente, deveria ter visto e sentido – o que me rodeava. Não só a paisagem, mas principalmente aquela gente maravilhosa que tem chocolate na pele; os seus usos e costumes, mais o entendimento que tinham das coisas e da própria vida. Um manancial de estudo antropológico que desperdicei por não estar culturalmente preparado para isso nos meus 20 anos mal vividos!

Recordo que numa outra zona – por onde não passei mas de cuja existência sabia – havia militares aquartelados na “Missão”. Era um lugar de sanzalas que rodeavam o quartel militar estabelecido num edifício que serviu de morada a missionários protestantes, daí o termo por que era referido. A partir de Março de 1961, com os violentos ataques dos guerrilheiros aos colonos, e depois com o evoluir da guerra, os missionários acabaram por abandonar a “Missão” que, só então, o Exército ocupou como quartel.

Quero aqui dizer que tenho a maior admiração pela figura de “missionário” e do consequente “espírito de missão”. Muito provavelmente terei uma visão romântica do que é ser missionário (como tinha do jornalismo… antes de entrar nas redacções dos jornais).

Foto de Ben White na Unsplash

Li relatos que me mostraram o sacrifício e a heroicidade dos missionários na ajuda de populações, desde o fornecimento de comida e prestação de cuidados de saúde, acalentando a necessária confiança no futuro a quem nada tem. Bem sei que toda essa dádiva tinha a intenção de conquistar almas para um culto religioso representado por quem prestava aquela ajuda social, com a intenção de levar os pobres angolanos a abraçarem o Cristianismo. A ajuda era só a sementeira… a colheita seria feita depois.

Só quando procurei informação sobre a atitude missionária, constatei haver uma indústria do sector!… Encontrei uma lista de 23 “empresas missionárias” que procuram jovens com espírito de missão evangélica!

Empresas que ostentam nomes como: Missionários do Preciosíssimo Sangue; da Consolata; do Coração de Maria, e de São João Baptista… e li a declaração de interesses, que diz: “Missionário é ser chamado, escolhido, separado e preparado por Deus, para levar a mensagem do Evangelho (…) com o intuito de converter alguém à sua fé”.

Esta constatação dissipou o romantismo do entendimento que eu tinha da atitude missionária, por se afirmar no acto de recrutar fiéis para uma religião (tal como se recruta soldados para um exército de mercenários), no auto-convencimento de ter havido por ali uma “mão de Deus na escolha e na preparação dos eleitos” (!!!).

Mas para além desta atitude proselitista, ficou-me a certeza de haver um espírito fraterno dos jovens generosos que se deixam recrutar para prestarem serviço em missões humanitárias em regiões como África, Ásia, Oceânia e América Latina, merecendo o meu maior respeito e admiração.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

11 de Março, 2024 Onofre Varela

Acreditar em Deus

Um dia perguntaram a Agostinho da Silva, sem mais nem para quê… assim à “queima-roupa”: “Acredita em Deus?”. O filósofo respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta! Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir a essa negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque é que estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento, caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que eu conheço do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não merece crédito de existência real fora do conceito que é, nem fora da mente de quem o afirma. O deus apregoado pelas religiões é definido como um ser espiritual, mas tem personalidade e forma, produz milagres e orienta os homens, castiga e premeia, dá e tira, e reina num universo paralelo onde nos espera depois de morrermos para nos premiar com felicidade eterna, ou nos condenar também eternamente.

Este deus, pintado assim, desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto saudável, definitivamente, não pode existir. As leis da física e da química não permitem a existência de uma coisa com tais poderes!

Imagem de Michelangelo Buonarroti no Freepik

As opiniões que contrariam a fé dos crentes costumam incitá-los à recusa imediata da opinião do outro, sem qualquer raciocínio crítico que os levasse a comparar ideias antes de negarem o “incrédulo demoníaco”. Seria mais razoável enfrentarem os factos contrários à sua fé, analisá-los com isenção, e concluírem depois. Se assim fizessem, as crenças religiosas perderiam a maioria dos seus adeptos por terem adquirido conhecimento ou se encontrarem com a dúvida.

A ignorância produz fé religiosa, e a informação, elimina-a. A fé que hoje habita o pensamento da maioria dos crentes, tem características da medievalidade do pensamento e não é compatível com a nossa época. As Ciências Humanas e Naturais arruinaram definitivamente as premissas dos dogmas religiosos que pertencem, cada vez com mais consciência, ao reino da fábula, ou da fantasia.

Na crença entregámo-nos ao sonho mais inconcretizável e à simulação, e somos vítimas de alucinações! Para o princípio da causa das coisas, há religiosos que defendem o Génesis contra a Ciência, convictos de estarem com a verdade!… Para uma mudança de atitude, bastaria que se entendesse uma coisa tão simples como isto: Para produzir um petisco tão comum e rotineiro, como é um ovo estrelado, é necessário, no mínimo, a existência de cinco elementos prévios. A saber: 1 – O ovo; 2 – Uma gordura; 3 – Um recipiente resistente ao calor; 4 – Uma fonte de calor capaz de fazer ferver a gordura; 5 – O cozinheiro, que prepara o cenário e parte o ovo sobre a gordura, esperando o momento certo para o retirar e servir. Sem estes cinco elementos podemos ter muita vontade de comer um ovo estrelado, e por mais que rezemos na esperança de que o ovo apareça estrelado à nossa frente… nunca mais saciaremos a nossa vontade, e morreremos ougados por um ovo!… Tal como morremos “ougados por saber”, quando tudo o que pensamos tem a marca de uma qualquer religião deísta.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

5 de Março, 2024 Onofre Varela

Fundamentalismos e “Verdades Falsas”

As relações entre os Homens nunca foram fáceis. Jamais o serão. Manifestam-se mais complicadas na Política por ser a “arte de governar povos”… a qual nunca foi pacífica. Cada grupo social ou político (às vezes, até, cada elemento da mesma família na mesma casa) tem a “sua verdade”, apregoada como oposta à “verdade dos outros”. Todos os partidos políticos querem (ou dizem querer) o melhor para o país (às vezes só para um extracto social), estando em total desacordo com as práticas de outros partidos que, mesmo apregoando a defesa dos mesmos interesses, usam modelos não coincidentes. Cada um considera-se detentor da verdade que imagina, e garante, ser única… e sua!

Quando se trata de aferir a verdade sobre qualquer tema, o modo de o conseguir com realidade só se encontra na “explicação científica”. Porém, em Política a “verdade” não é de cariz físico nem químico… é uma “filosofia gestora”, e cada um defende a sua com a mesma legitimidade do outro. A “verdade” apregoada por cada um, será aferida pela prática da filosofia publicitada, o que só acontece depois de sufragada… e muitas vezes revela-se um fracasso para o Povo que votou nela, ao constatar que foi enganado… e aprendeu tarde!

Quanto à “explicação científica”… ela também pode estar submetida a uma certa dúvida e por isso a porta da explicação nunca é fechada definitivamente, já que a todo o momento pode haver uma investigação, um achado ou uma observação, que venha alterar aquilo que, até aí, era “a verdade” sobre aquele assunto.

As religiões também se apresentam como “filosofias da Verdade”. Esta “Verdade” (com inicial maiúscula, porque divina) é das “verdades mais mentirosas” que eu conheço… imensamente mais do que as políticas!

No campo da Religião a verdade nunca é científica. Por exemplo: não é verdade Maria ter engravidado sem relações sexuais, porque a natureza da gravidez só dispensa o acto sexual se for conseguida em laboratório por inseminação artificial (o que não podia ter sido o caso de Maria). Do mesmo modo, Jesus nunca poderia ter ressuscitado se estivesse morto… se “ressuscitou”… estaria no estado de coma?!… Não é verdade a transformação da água em vinho, nem a multiplicação dos pães, nem o caminhar sobre as águas. Trata-se de narrativas fabuladas… e até são bonitas!… Mas não configuram realidades históricas.

Também não é verdade que santinhas e santinhos possam intermediar curas milagrosas levando o pedido a Deus, o qual, com o seu poder sulfamida curativo à distância, resolve o problema do olho da senhora Guilhermina que foi todo queimadinho com azeite a ferver! Se esta intermediação fosse verdadeira, tínhamos “no céu” o mesmo efeito parasitário das “cunhas” que tão bem conhecemos cá na Terra… o que, convenhamos, não é digno de um deus… ou será?!…

E depois há a própria ideia de Deus… que, assim, tal e qual como o inventado deus é pintado pelas religiões que o criaram e adoram, não passa de um aborto mal parido, de existência real impossível de ser concretizada, já que as leis naturais da Física e da Química não só o permitem, como até o contradizem!

Os Fundamentalismos não passam de colecções de “verdades falsas” impossíveis de confirmação, mas, curiosamente, são sempre apregoadas com o estatuto de verdadeiro e acrescentado da qualidade de “única Verdade”, tanto na filosofia religiosa apregoada por credos transformados em igrejas, como na filosofia social apregoada por credos políticos transformados em partidos com laivos de Religião deísta à mistura, quando se consideram uma espécie de “salvadores da Humanidade”.

Mas não se pense que o Ateísmo escapa a esta análise!…

Os ateus também contam com os seu fundamentalistas! Não são só os profundamente crentes que detêm tal estatuto… os profundamente descrentes também podem usá-lo!

Foto de Sara Calado na Unsplash

Assisti a uma manifestação fundamentalista de um companheiro ateu que criticou o modo de trajar de uma muçulmana por quem nos cruzamos na rua. Aquela senhora (com toda a legitimidade) vestia de acordo com a prática típica do grupo social, antropológico e étnico a que pertencia. O meu amigo, ao insurgir-se contra aquele modo de vestir (com a intenção de atingir criticamente uma Religião) esqueceu-se que vociferava contra uma vestimenta regional… que naquele caso era muçulmana, mas pertencia à mesma característica inserida numa etnia, que poderia ser de uma peruana, de uma sevilhana, de uma vianesa, de um campino do Ribatejo, de um sargaceiro da Póvoa ou de um pauliteiro de Miranda!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

29 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Mandar o Papa para o Céu

A publicação no X, acerca dos primeiros minutos da tertúlia, pode ser encontrada aqui.

Tempos houve em que mandar alguém para o inferno era mau. Agora, até mandar para o céu é insulto. Eu diria que é, porque a parte má está em morrer e não no que acontece depois, que é rigorosamente nada. E se isto não fosse claro e universal, não teria lido a notícia que li hoje no Observador – Programa Sacerdotal torna-se viral no YouTube depois de padres desejarem que Papa “possa ir para o céu o quanto antes”.

Não me chocou particularmente que estes padres desejassem a morte do Papa. Muitos não devem gostar dele, sejam católicos ou não. Se para um ateu a Igreja é uma coisa medievalista e retrógrada, para muitos dos seus membros, está a tornar-se um absurdo de modernidade. O contexto é simples: trata-se do episódio de dia 22 de fevereiro de uma terúlia sacerdotal – La Comunión en la mano: doctrina, mentira y desobediencia – La Sacristía de La Vendée: 22-02-2024 – que discute por sua vez um documentário (?) intitulado Comunhão na Mão, o Triunfo da Desobediência. O tema? Comungar na mão ou comungar na boca. Vamos pôr aqui um pin, que já cá voltamos.

Quando morre um Papa, o representante de deus na terra, outro é eleito, num conclave que reune o Colégio dos Cardeais no Vaticano. Não me vou alongar nos procedimentos através dos quais um Papa é eleito, porque já me bastou o tempo que dediquei aos vídeos acima, mas para quem realmente estiver interessado nos detalhes e rituais que compõem este momento da Sé Apostólica, pode ler mais aqui. Certo é que se entende, no mundo católico, que deus participa deste conclave inspirando o voto dos seus participantes. Assim, o cardeal eleito é escolhido por deus através do voto dos seus principais sacerdotes.

Seria de estranhar que sendo deus a escolher, ou a inspirar a escolha do seu representante na terra, do herdeiro do Apóstolo Pedro, a Igreja na sua representação humana, alguém então detestasse, odiasse, desejasse a morte deste ser tão santificado, especialmente no seio da própria organização sagrada que representa. Seria estranho se não soubéssemos que esta organização é inteiramente constituída por homens, sem intervenção divina, e que não representa na terra mais do que 2000 anos de patriarcado, crendice e atentados à inteligência humana. Vistas as coisas por esta perspetiva não me é assim tão estranho que sete padres católicos se juntem durante duas horas para cascar forte e feio no Papa que os rege.

É interessante que começam por rir de forma irónica quando um deles faz votos que o Papa vá depressa para o céu. Mas é mais interessante ainda que ir rapidamente para o céu seja negativo. Não é isso que se pretende? Quanto mais depressa se morre, mais depressa se acede à vida eterna de contemplação de deus. Aquele sorriso, no entanto, não engana. Ele que vá com os porcos, é o que leio ali. Que coisa tão… cristã de se dizer.

E tudo isto porque supostamente o Papa é muito progressista, é de esquerda. Sim, aparentemente o padre Charles Murr considera que se pode estar à esquerda, seja na política, seja na religião. E estes senhores, por essa ordem de ideias, estão mesmo à direita. Qualquer dia começam a celebrar a missa em latim, virados de costas para os crentes. Queixa-se de tudo, que há gente que não se confessa, mas vai comungar, que no funeral de uma pessoa trans, havia ateus e maçons e foram todos comungar. Isto é uma balbúrdia!

Então qual é a queixa central que lhes levou duas horas a discutir apesar de estarem todos à direita religiosa? Comungar com as mãos ou comungar com a boca, conforme aliás, é o tema do documentário supracitado. Esta vossa ateia muito riu com isto! Há fóruns onde fãs acérrimos de obras de ficção discutem teorias com este fervor, mas depois vão todos à livraria mais próxima comprar outros livros e tomar um café amigável. Isso eu entendo. Agora, se o crente leva a hóstia na mão ou se a toma na boca para mostrar reverência ao corpo de cristo, isso já me dá para a perplexidade.

Resumidamente, as pessoas começaram a pensar na porcalhice que é um padre enfiar os dedos nas bocas dos crentes todos. E passou a ser prática comum receber a hóstia na mão e levá-la à boca. Estes padres consideram que isso é desrespeitoso para com o corpo de cristo e acham que o Vaticano agora inventa liturgia. Caberia aqui dizer que tudo o resto que está para trás é igualmente inventado e que a hóstia é só um pedaço do alimento mais sem sabor que se conseguiu criar para o efeito. Foi como assistir a uma partida de Magic The Gathering, mas sem a emoção de saber quem vai ganhar. Só me ocorria que eram dezenas os participantes no chat do YouTube sem noção do quão ridícula é a questão.


Certo é que a piadola lhes correu mal e vieram depois desculpar-se num Tweet (Xweet?). Seriam mais corajosos se assumissem o que disseram. Alguém lhes explique que para alguém ir para o céu, tem que morrer antes. Basta ouvir o restante do conteúdo para entender que consideram que este pontificado é o pior de sempre, e que não gostam do chefe deles. Para um ateu, não seria problema. Faz-mequestionar se estes homens são mesmo crentes ou se são apenas adeptos dos jogos de poder, das fofoquices, do corta na casaca, enfim das cantigas de maldizer. Hei-de confessar-vos (mas não de joelhos), que gosto mais deles assim do que a pregar a palavrinha do senhor. Só não gosto é que ainda haja quem dê importância a isto e nos queira atirar para a Idade Média.

19 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

O Dom do Dom Aguiar, Que Afinal é Política

Não foi uma grande entrevista, mas foi uma entrevista grande. Digo isto porque me chateou quase do início ao fim, a Grande Entrevista (Temporada 17, Episódio 7, 14 de fevereiro de 24) com Américo Aguiar. Ponderei se devia fazer aqui um comentário ou não. Em boa verdade, que é isto se não o dia a dia de uma ateia? Desculpem-me os meus consócios que preferem uma postura mais neutra quanto à influência da Igreja Católica em Portugal e no mundo, mas eu calada fico com azia e diz que isto dá úlceras.

Vítor Gonçalves caracteriza-o como o “rosto da JMJ” e como tendo tido uma “ascensão fulgurante na Igreja portuguesa”. Tudo coisas que eu não escolheria para elogiar alguém, mas que não deixam de ser verdade. Depois refere que Américo Aguiar decidiu encontrar-se com os cabeças de lista de todos os partidos que concorrem no círculo eleitoral de Setúbal. Eh lá, foi aqui que comecei a pensar, “dá-lhe o Papa um dedinho, já o homem quer um braço e uma perna”. Mais me espanta que os ditos partidos lhe tenham feito a vontade, mas sabemos que a Igreja continua a movimentar esse tipo de influência.

A ideia que Américo Aguiar passa de que a Igreja não se pode afastar da política não é nova. Aliás, o seu maior problema é ser antiga. Desde que conseguiu deitar a mão, ou a cruz, a meia dúzia de pessoas influentes, que a Igreja se tem dedicado historicamente a influenciar a política das nações. No passado, fê-lo com tanto sucesso que um rei não era rei na Europa, sem beijar o anel ao Papa em Constantinopla. Mais recentemente, a Igreja Católica abraçou o Estado Novo em Portugal até se tornar evidente que estava do lado da História que teria de perder. No pós-25 de Abril, lá se agarrou ao poder que pôde manter, com a segunda Concordata (2004) que lhe garantiu muitos dos privilégios que Salazar lhe havia concedido em 1940. Antes fosse uma ideia nova. Mas a Igreja tem esta tendência de estender tentáculos para todo o lado.

Que conhecimentos tem o Cardeal de política para ser convidado a fazer este comentário na RTP? Ora, sabe que a raiz da palavra “política” vem do grego antigo, πολιτεία (politeía), que se refere à participação na vida coletiva de uma sociedade. A partir daí a coisa deixa de correr tão bem. Se calhar é porque já há muito que abandonou a política e já só lhe ficaram os chavões. Portanto, para Dom Aguiar, justifica-se que a Igreja meta o proverbial nariz na política porque tem de estar envolvida “naquilo que são as alegrias e as tristezas, os sorrisos e as lágrimas” do povo a que se dirige. E até é tão inclusivo que refere outras religiões, não que tenham muita importância no seu discurso. E até respeita muito os não-crentes. Só não o suficiente para não se meter onde não é chamado.

Ora, as decisões políticas referem-se (não só, mas também, e principalmente) à alocação de recursos. Vulgo, onde se gasta o dinheiro público obtido por meio de impostos. Portanto, o Cardeal quer ter uma palavra a dizer naquilo para o qual não contribui, dado que impostos não é coisa que lhe assiste. Pensando bem, é a postura tradicional da Igreja. Uma instituição de homens a quererem ter uma palavra a dizer sobre o que a mulher pode ou não fazer com o seu próprio corpo, uma instituição de supostos celibatários a querer ter uma palavra a dizer sobre o que constitui ou não uma forma de amor válido, uma forma válida de constituir família, até uma forma válida de morrer. Um conjunto de homens cujo objetivo é viver o menos possível a querer cortar as asas a quem só quer ser livre.

A influência que Américo Aguiar quer vai da freguesia ao mundo. Já não me devia chocar, mas a esta altura ainda vou nos dois primeiros minutos desta entrevista de quase uma hora, e já o coração me quer saltar da boca. Ah esperem! A igreja não se pode meter em questões partidárias. E qual é a diferença? – pergunta Vítor Gonçalves. E eu queria ter estado lá, para dizer “nenhuma!”. Falei para a TV, como os adeptos de futebol mais irascíveis. Mas o Cardeal não explica a diferença. Deixai-me dizer eu contudo, oh gentes da minha terra: o padre não precisa de dizer aos crentes em quem votar. Basta defender ativamente a mesma postura que o seu partido de eleição para que o crente entenda em quem deve votar. E essa manipulação sempre foi feita de uma maneira ou de outra. Não tivesse o Cardeal começado a sua enumeração de partidos candidatos ao círculo eleitoral de Setúbal com… a Aliança Democrática.

Valeu-me concordar com o Bispo de Setúbal numa coisa, não se justifica a abstenção. Já dizer que é pecado, foi um momento de humor que apreciaria, se quando se falasse em pecados se falasse sempre com esse tom jocoso. Mas o alívio é momentâneo. É que dizer que a Igreja deve meter-se na política é fácil, difícil é quando se lhes pede para identificar um partido que esteja a ir contra a ideologia da Igreja Católica. E parece que para Américo Aguiar, a pergunta é tão difícil que o discurso ora anda em círculos ora anda a fugir. Para o cidadão consciente, a pergunta não é assim tão complicada. Pensando uns segundos, conseguimos todos identificar os partidos que defendem o que a Igreja diz defender, e os que defendem o que a Igreja não admite defender.

Ei-de rir sempre de um bispo de critica quem vota num dado partido sem nunca ler a sua proposta. É o melhor tipo de humor, aquele que se faz sem querer. A Igreja é a instituição que mais aceita e promove que os seus crentes não leiam o programa. É para isso que o sacerdote serve, para dizer o que diz na Bíblia. Ora agora, ler aquilo tudo, e com páginas tão fininhas. Nem o padre na missa lê tudo, escolhe sempre a dedo o que convém mostrar, vai agora o crente ler o programa todo. Ainda mudava de ideias.

Não discordo, contudo, que os programas são para ler, os objetivos de um partido são para conhecer e a posição da Igreja ou bem que é clara ou bem que se deve calar. E de preferência deve calar. Num país laico, tem de calar. O Bispo de Setúbal lá foi forçado a criticar os partidos que são a favor do aborto ou da eutanásia. Que choque! No entanto, antes tinha falado da dignidade humana, pelo que fiquei sem saber o que quer, afinal, o sacerdote.

Ao menos posso encontrar outro ponto de concordância com o Cardeal, que é o de aceitar e receber bem os imigrantes que cá chegam, tal como gostaríamos que os nossos tivessem sido aceites lá fora. Concordo, sim. Também concordo que há ameaças à democracia em Portugal, na Europa e no Mundo. Só não concordo que fuja à questão da ascensão da extrema-direita em Portugal preferindo referir-se às políticas europeias e criticar Putin, Trump e a guerra na Ucrânia apenas para mais uma vez, evitar falar do elefante na sala. Só não evita sublinhar que tem amigos em todos os partidos. Acredito que tem.

Chega-se ao fim e Américo Aguiar fala como cidadão e não como sacerdote. Pouco fala sobre a Igreja naquilo que são as decisões políticas e sociais do país. Mas pega nisso como mote para defender que a Igreja se deve meter na política. Não deve não. O cidadão, independentemente de ser ou não crente seja no que for, deve votar. Não é preciso vir um Cardeal dizer isso, mas dá jeito.

Estava eu já a entrar numa certa simpatia pelo Cardeal e eis que surge o tema das JMJ. Afinal, esperem lá, já não quero beber um copo com o Dom Aguiar. Começa por agradecer a Portugal e aos Portugueses. É bom que agradeça, porque ao que tudo indica, a coisa não ficou nada barata e teve momentos verdadeiramente vergonhosos. Diz o Cardeal que as JMJ deram lucro. Ultrapassa os 20 milhões, diz orgulhosamente. Falou muito, mas não disse de onde tirou 20 milhões em lucros. A organização lucrou 20 milhões? Ah bom! Isso acredito. E quanto gastou o Estado para proporcionar as condições para que a organização das JMJ lucrasse 20 milhões?

Cito: “O senhor patriarca acha que a Fundação deve continuar, para concretizar agora a materialização do que se venha a fazer com o lucro”. Faz-me lembrar as frases que se dizem em reuniões com empresas de atividade corporativa que levam a cabo projetos empresariais. Ou seja, coiso. E daí não melhorou a sua competência em explicar exatamente para onde vão os 20 milhões que tantos mais milhões custaram aos bolsos dos contribuintes. A meu ver, as contas que antecedem esse lucro é que devem ser revistas. Ou seja, quanto pagou afinal o Estado, a fundo perdido, para que o evento se realizasse?

Outra questão que não vi abordada e que me parece uma falha indesculpável, é a questão dos outdoors que foram retirados da via pública, que chamavam a atenção para as mais de 4800 crianças cujo abuso no seio da Igreja Católica é conhecido. Aliás fica aqui, que é para o Dom Aguiar não se esquecer, já que fala da dignidade humana com tanto afinco:

Outdoor “+49800 crianças abusadas pela Igreja Católica em Portugal” censurado durante as JMJ.

Dos problemas sociais que aponta, abusos sexuais dentro da Igreja Católica não foi tema. Para mim, foi o único tema que valia a pena discutir na farsa das JMJ. Surpreendeu-me que o entrevistador tenha decidido tocar nesse tema. E que suavemente até tenha tentado que o Bispo se focasse na realidade ao invés do que ele deseja que a realidade fosse. Doeu-me ouvir que ele quisesse corrigir os números. Não foram 4800 casos, foram 500 e tal denúncias que permitiram essa extrapolação. E isso em 70 anos, nem foram 70 dias. Ah! Bom! Então muito melhor. Afinal nem é nada de assim tão grave.  E o Cardeal está muito contente porque a transparência e a tolerância zero começa a ser normal.

Sou só eu que acho que dizer isto é absurdo? Está contente? Eu não estou e duvido que alguma das vítimas esteja. Já os padres que foram denunciados e que continuaram com as suas vidinhas, devem partilhar dessa felicidade. Resta-me questionar onde está mesmo a tolerância zero, ou a transparência. E já agora, perguntar se numa instituição que insiste representar um deus omnisciente, omnipotente e bom, há espaço para que estas coisas sejam ditas sem uma gargalhada de desespero como som de fundo.

Por fim, aborda-se o tema do momento: abençoar os casais em situação irregular. Só a frase arrepia. Existem casais em situação irregular? E isso da bênção, é esmola? Casar não, mas olha, ide lá com a graça do senhor. Mas é piada? É a isto que se bate palmas? A meu ver não há que abençoar casais, nem há que os unir em sacramento. É uma não-questão para mim porque sou ateia. Mas permite-me ver a hipocrisia desta instituição.

Vem agora o Cardeal falar em opções. Abençoa as duas pessoas (homossexuais) e não as suas opções. Alguém de Setúbal que esclareça o Bispo da sua terra que ninguém escolhe ser quem é. Nasce-se heterossexual, como se nasce homossexual ou qualquer outra variação naquilo que sabemos ser um espectro. Portanto, dado que esta pessoa acredita que deus nos fez à sua imagem e dado que ser homossexual não é escolha, foi deus que criou a pessoa com aquela orientação sexual. Alto, que isso já é muito inclusivo para a Igreja. Todos, todos, todos, mas vontade não é à vontadinha. Este discurso cheira à velha máxima cristã “odeia o pecado não o pecador”. Bafiento.

Em momento algum o Bispo de Setúbal diz que se presta a abençoar a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Apenas a abençoá-las individualmente. No entanto, quer que todos se sintam acolhidos. Não são acolhidos porque a Igreja Católica é o que toda a organização religiosa é: opressiva, restritora das liberdades pessoais e com um complexo de superioridade moral que não aplica quando encontra atrocidades no seu seio.

A minha conclusão é simples. O mote desta entrevista era que a Igreja se deve meter na política. Afinal foi um político que se foi meter na Igreja. Em todas as instâncias em que o Cardeal fala, refere sempre a religião em último lugar. Por pouco que não se esquecia de agradecer a deus o “sucesso” das JMJ. O Cardeal é certamente um homem da religião, só não me parece muito religioso, e por esse motivo quem sabe se não nos sentaríamos à mesa, como ele diz, a beber um copo, amigos como d’antes.

7 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Não Blafesmarás

Fiz dois anos de catequese nos anos 90, que culminaram na primeira comunhão. Desde já, não recomendo. Aliás, por princípio, considero uma violação dos direitos da criança, dado que não tem idade para escolher se quer ou não associar-se a uma fé, e está longe da idade da razão, em que poderia ter o discernimento para recusar ideias dogmáticas e medievais. Em todo o caso, mandaram-me para lá, e para lá fui.

Para quem não sabe, não me bastou nascer mulher, tive que nascer canhota. Outrora juntar-se-iam esses dois elementos a uma personalidade pouco obediente ao dogma e ter-se-ia uma bruxa prontinha a assar no espeto. Ironicamente, na minha juventude, dediquei-me ao neopaganismo e a todo o tipo de espiritualidade new age. Não, não adivinhei o número do Euromilhões. Devo também acrescentar que, durante o primeiro ano da escola primária, a criatura de deus que me deu aulas tentou forçar-me a escrever com a mão direita. Desengane-se quem acha que nos anos 90 já tínhamos ultrapassado este tipo de ideias.

É importante este contexto porque há um episódio que não me canso de contar porque ilustra exatamente o que a Igreja Católica e a religião no geral representam para mim. Lembro-me de pouco dos ensinamentos de Cristo, a não ser que a maioria me pareceram ou fantasiosos ou de simples senso comum. Estes últimos mais raros. Lembro-me de um livro fino com uma capa branca ilustrada com um Jesus muito eurocêntrico, rodeado de crianças. Lembro-me que gostava tanto da catequista que arranjava qualquer desculpa para não comparecer. E lembro-me em específico, de aprender a fazer o sinal da cruz. Há que ajoelhar ao entrar na Igreja, tocar com a mão direita na testa -“Em nome do pai” – tocar com a mão no peito – “do filho” – no ombro esquerdo – “e do espírito” – e no ombro direito – “santo” – juntando as mãos – “amém”. Razão para fazer isto à entrada da Igreja? Disseram-me que era porque estava a entrar na casa de deus. Eu aprendi para que as beatas não ficassem a olhar para mim.

Ora, como mencionei, sou canhota, verdadeiramente infernal na mão com que escrevo e conduzo todo o tipo de funções terrenas. E esta é uma característica que uma criança não controla – é a sua mão dominante. Assim sendo, eis que, às vésperas da primeira comunhão, uma pequena Eva se levanta a mando da catequista e faz orgulhosamente o sinal da cruz. Sentia que era um momento decisivo, estava perante outras crianças e perante uma autoridade, que me solicitava que mostrasse o que tinha aprendido. Devo dizer que teria sido um sinal da cruz irrepreensível, não tivesse sido feito com a mão esquerda. Aqui d’el rei que a criatura estava a chamar o diabo. O senhor padre que não visse uma coisa dessas, dizia ela. Deus castiga! E ela também, se bem que não me recordo do castigo recebido. Sei que eventualmente o excelso senhor padre foi lá passar vistoria e eu já sabia que se não fizesse o sinal da cruz com a mão direita, estava em grandes sarilhos, quiçá entregue aos demónios e à blasfémia, qual verdadeira Eva caída de uma macieira.

Fui pesquisar os Dez Mandamentos, porque apesar de os ter aprendido à força, fiz todos os possíveis por mantê-los fora da mente na minha vida adulta. Encontrei um resumo no site da Opus Dei, que os resume.

Eu sou o Senhor teu Deus:

  1. Amar a Deus sobre todas as coisas.
  2. Não invocar o santo nome de Deus em vão
  3. Santificar os Domingos e Festas de Guarda
  4. Honrar pai e mãe
  5. Não matar
  6. Não cometer adultério
  7. Não roubar
  8. Não levantar falsos testemunhos
  9. Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos
  10. Não cobiçar as coisas alheias
Versão catequética dos 10 Mandamentos

Não acreditei muito nesta versão porque sabia que um dos mandamentos é não cobiçar a mulher do próximo. Desse lembrava-me porque é dos que mais se presta ao humor. Por isso, fui a uma das muitas versões da bíblia que os cristãos juram a pés juntos ser a original mensagem de deus, a mais correta e fiel e encontrei esta versão menos… catequética.

  1. Não terás outros deuses além de mim.
  2. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zelo­so, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus man­damentos.
  3. Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.
  4. Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor, o teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou.
  5. Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá.
  6. Não matarás.
  7. Não adulterarás.
  8. Não furtarás.
  9. Não darás falso testemunho contra o teu próximo.
  10. Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença.
10 Mandamentos segundo a bibliaon.com

Cada um destes mandamentos merece um texto que lhe seja exclusivamente dedicado e hoje não será o dia. Mas queria focar-me no segundo mandamento. E prometo que, tendo dado todas as voltas às rotundas cristãs, tenho um ponto a fazer.

A Queda e Expulsão do Jardim do Éden,1509-10, MICHELANGELO Buonarroti
Capela Sistina, Vaticano

Hei-de dizer que, de todos os mandamentos da cristandade, não invocar o nome de deus em vão é o mais importante. Sim, sim, mesmo acima de não matar e não roubar e até acima de não ter outros deuses. Mais valia ter-lhe chamado “Não blafesmarás”. Suponho que não é muito fácil de pronunciar. É que vivemos hoje numa sociedade em que ser ateu não é problema, desde que não se fale nisso. Ser ateu não é problema, desde que se respeite as crenças supersticiosas dos outros. E que se quer dizer com respeitar? Não criticar.

Ora, eu considero que tenho sim, um dever de aceitar o direito das pessoas a terem crenças. Não as posso querer impedir de as terem ou de regerem as suas vidas de acordo com preceitos religiosos. Mas as crenças não são senão ideias. E como ideias, podem ser criticadas. Devem ser criticadas. Um cristão pode dizer-me que se não me converter vou sofrer a eternidade no inferno com o a tortura de satanás como companhia. Reparem na ameaça. Ou fazes isto, ou acontece-te aquilo. Mas eu, como ateia canhota caída da macieira, não posso dizer “as tuas crenças são um bocado parvas”.

Ao longo da minha longa caminhada de desconstrução e de libertação do pensamento mágico, fui entendendo que a blasfémia é um ato de catarse, de purga, até de exorcismo diria eu. Por quê dizer em voz alta, isto é falso, isto não existe? Por que é que os satanistas ritualizam a blasfémia? Porque a forma de remover o medo da criança que acredita que o bicho papão está escondido no armário é abrir a porta e dizer “anda cá que não tenho medo de ti”. E quando nada acontece, a criança entende que o bicho papão não existe.

Temos medo. Já abrimos o armário e o bicho papão não nos papou. Mas quando o colega de escola vem dormir lá a casa e se cobre até aos olhos com medo que venha por aí o homem do saco, nós não nos permitimos rir. Não dançamos libertos no meio do quarto, com os pés expostos ao que o outro imagina que está debaixo da cama. Não lhe dizemos que cresça. Não dizemos a verdade. Não lhe tiramos os braços de debaixo das cobertas para mostrar que ninguém está ali para lhe agarrar as mãos. Que acreditar no bicho papão é estúpido.

Ah Eva, sua canhota do demo, comedora de maçãs. Mas tu também recorres à metáfora para dizeres o que realmente queres dizer. Que atrevimento!

É que a lei protege a religião. E apesar de ter a liberdade de não acreditar, e até de criticar a religião, seja ela qual for, não me posso dirigir a uma pessoa a dizer-lhe que as suas crenças são absurdas e que o seu deus é uma besta cruel, criatura abominável que, se fosse real, eu me recusaria a reconhecer ou adorar, já a pessoa se pode ofender. Se eu for para a frente de uma Igreja durante a missinha de domingo com um cartaz a dizer “párem de endoutrinar crianças”, estou a perturbar o ato de culto. E ambos são puníveis por lei. Contudo, se a um domingo de manhã uma parelha de Testemunhas de Jeová decidir vir proletarizar para a minha porta, acordando-me do meu merecido e mui antecipado sono matinal, já os meus direitos não estão a ser violados. Se durante a páscoa não posso escapar ao odioso dling dlong da sineta que acompanha a entourage das amêndoas e do peditório, já os meus direitos não estão a ser violados. Se durante as festas religiosas instalam colunas de som por todo o lado e decidem que toda a gente há-de ouvir a missinha, seguida da pior música que por cá se faz, já os meus direitos não estão a ser violados.

Só peço igualdade. Se não posso ofender o religioso, o religioso não pode proletarizar. Não me pode forçar a ouvir a missa, os sinos das igrejas, as celebrações religiosas que são dele e só dele. Não me pode impingir os santinhos e as rezas. Não me pode vir cá dizer “vai com deus”, “deus te guarde”, “deus a tenha”. O religioso não devia, também, misturar crença com a res publica. O religioso que mantenha resguardadas as suas crenças e deixe de usar símbolos religiosos no exercício de funções públicas, que não recrute para a igreja, templo, clube superticioso. O religioso que páre de impingir a sua crenca arcaica a uma criança que não se pode defender.

Ah Eva, canhota invertidora de sinais da cruz, mas os paizinhos é que sabem como educar um filho!

Sim? Experimentem tirar uma criança da escola sem mais nem menos que vêem logo a CPCJ a bater à porta com mais força que uma parelha de Testemunhas de Jeová. Se podemos exigir aos pais que permitam aos filhos um certo nível de educação, que dura um mínimo de 12 anos, não devemos impedir que durante esses anos de formação uma criança seja endoutrinada? Se temos provas concretas que o mundo não foi criado por deus há 6 mil anos, não devemos ter a expectativa que a criança não seja enganada?

Acima de tudo, dá-se um respeito desproporcional à fé. Não blasfemarás. Tudo o resto? Desde que varrido para debaixo de um tapete, faz-se. Podes matar, desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Podes trair, desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Podes [inserir acto horrendo], desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Falar contra a fé, alertar para as armadilhas mentais, para a subjugação da mente, a endoutrinação pelo medo, o condicionamento à criatividade e sentido inquisitivo das crianças, isso é que não. Isso, meus amigos, não se diz, é perseguição. E coitadinhos daqueles que, pertencendo inegavelmente ao status quo, são perseguidos pelos mauzões ateus. Deles será o reino dos céus.

Bom proveito.