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“Religião ou negócio”

Por

ONOFRE VARELA

O título desta prosa copiei-o de um artigo de opinião do jornal espanhol El País publicado na edição de Sábado último, e já falo dele. Quero começar por dizer que sou visitante de igrejas e aprecio Arte Sacra. Na visita de uma cidade há dois rituais que cumpro: entrar no posto de Turismo para colher folhetos informativos, e na igreja paroquial. Visito as igrejas como visito museus. O meu interesse é o mesmo. Algumas delas cobram para se ter acesso a partes do templo, tal como no Porto se paga para subir à Torre dos Clérigos, mas não para entrar na nave onde se celebra o culto (penso eu). Já lá entrei e não paguei.

Há cerca de 30 anos entrei na igreja, ou capela, de Fradelos (junto ao silo-auto, no Porto) para apreciar dois painéis de azulejos da autoria de Jorge Rey Colaço (o autor dos painéis da estação de S. Bento). Foi difícil consegui-lo porque, sempre que por lá passava o templo estava encerrado, ou nele se celebrava missa. Por respeito aos crentes e ao culto, não entro em igrejas no momento da celebração. Um dia encontrei-a com a porta aberta e sem missa. Entrei e vi uma senhora a limpar o chão, exactamente na zona para onde me dirigia. Parei em frente do primeiro painel, e a senhora desapareceu. Pouco depois surgiu, aproximou-se de mim e estendeu-me dois postais com imagens daquelas duas obras, proferindo as sílabas bem entoadas: “A-zu-le-jo. A-zu-le-jo”. Sorri-lhe e disse: “Eu sei, minha senhora!”. “Ah!… É português!?…”. Conversamos um pouco. Só os estrangeiros ali entravam para apreciarem os azulejos, desabafou a senhora. Eu quis pagar os postais. Não aceitou. Era uma oferta.

Também a igreja de Santo Ildefonso é decorada com azulejos da oficina do mesmo ceramista e caricaturista, Rey Colaço. Apresentam muito mau aspecto… o vidrado está a cair, levando partes do desenho. Se não houver uma intervenção rápida, corre-se o risco de se perder aquela obra. Sei que o sacerdote responsável pelo templo está a colectar dinheiro para tratar da recuperação, não só dos azulejos, mas também do interior do templo que está muito degradado.

Agora vamos ao título: o jornalista e escritor espanhol Julio Llamazares publicou um artigo de opinião lamentando a reacção da Igreja a propósito de uma entrevista que concedeu ao mesmo jornal, pela publicação do segundo volume da sua obra sobre catedrais espanholas. Na entrevista disse que “a Igreja sequestrou as catedrais”, e por isso foi acusado de anticlericalista (que é o rótulo clássico que a Igreja tem para colar em quem tem o hábito saudável de pensar e divulgar o seu pensamento) por algum bispo mal disposto que esqueceu, ou não sabe, que Llamazares é um amante de edifícios religiosos, tendo dedicado 17 anos da sua vida a contemplar todas as catedrais espanholas. Já escreveu 1.200 páginas contando as maravilhas que viu. E do que viu desaprovou a entrada paga nas catedrais (que no princípio eram apenas meia dúzia a fazê-lo e hoje são todas), o que as transforma em museus e não em lugares de culto. Llamazares discorda da entrada paga, porque as obras nas catedrais são custeadas pelo erário público, isto é, são pagas com dinheiro saído dos bolsos dos contribuintes… que depois pagam para entrar nelas, para cuja recuperação já pagaram com os seus impostos! Pagam duas vezes!… E lamenta: “o que acontece é que as catedrais são da Igreja para cobrar as entradas, mas são de todos os espanhóis no momento da sua conservação!” Para os bispos mal dispostos, esta constatação lógica é… anticlericalismo!

Nada sei do financiamento das igrejas em Portugal, mas sei que Fátima é uma mina, onde há mais dinheiro do que fé. Alguma da choruda receita pode, muito bem, ser canalizada para recuperar a igreja de Santo Ildefonso, que está muito precisada… ou será um pecado que a seráfica Maria não tolera?

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV