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O Santo Condestável

B16 anuncia a canonização de D. Nuno

Em 14 de agosto de 1951 foi inaugurada a igreja do Santo Condestável no bairro de Campo de Ourique, quando o herói de Aljubarrota era apenas beato e nada fazia supor que atendesse súplicas e entrasse no ramo dos milagres para ser canonizado em 2009, antecipando em mais de meio século a dignidade que B16 lhe conferiu.

Deus podia não saber, mas sabia o cardeal Cerejeira do que o beato D. Nuno era capaz, depois do denodo com que matou cristãos castelhanos, em Alfarrobeira, Aljubarrota e Valverde, para defender o mestre Avis e aumentar o património próprio. Antecipou-lhe a inauguração de uma igreja o título que lhe exigiu o milagre.

Estava escrito nas estrelas que seria criado santo logo que a fé esmorecesse em Espanha e o poder político não se opusesse à canonização do carrasco de Castela no século XIV. Há sempre uma cozinheira sujeita a salpicar o olho esquerdo com óleo de fritar peixe, disposta a dispensar o colírio e pedir a intercessão de um herói no milagre de que ambos carecem, a cozinheira para sarar a queimadura e o beato para ser criado santo.

Portugal, esquecido pelo Vaticano nos negócios da santidade, viu Nuno Álvares Pereira ser criado santo. O herói resistiu à apropriação de Sidónio e de Salazar, mas, com cinco séculos de cadáver, não resistiu aos interesses da Igreja e à satisfação dos beatos.

O PR e o presidente da AR, Cavaco e Jaime Gama, fizeram parte da comissão de honra da canonização de Nuno Álvares a cujo espectro se atribuiu a cura do olho esquerdo da cozinheira de Ourém.

Foi grave que o Estado se tivesse enredada na cura miraculosa do olho esquerdo de uma devota; foi ridículo que os seus altos representantes confundissem as legítimas crenças individuais com factos; arruinaram a reputação do Estado laico a rubricarem, em nome do Estado, um grosseiro embuste de sabor medieval. Foi abusivo enviar a Roma uma comitiva, a expensas do tesouro público, para rezar ave-marias durante a canonização e trazer, depois, santinhos para os amigos.

Se D. Guilhermina tivesse rezado quatro novenas, em vez de duas, e passado a noite aos ósculos na imagem do Condestável, teria curado o olho esquerdo e feito a profilaxia das cataratas. A medicina está obsoleta, basta, na altura certa, rezar a um beato em lista de espera para ser canonizado. A felicidade conquista-se a rezar o terço.

Nuno Álvares foi o herói que a Igreja transformou em colírio rasca para a cura de um olho esquerdo, queimado com óleo de fritar peixe. Com a espada nas mãos não se teria deixado capturar, mas, desfeito em cinzas, sucumbiu com duas novenas e deixou-se trespassar pelo ósculo de uma beata numa imagem sua.