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Ser ou não ser…

Um amigo faceboquiano postou um desabafo de religioso sentindo-se agredido no seu raciocínio. Diz ele: “Para alguns, ser católico é ser palerma… e ser ateu é ser esclarecido, moderno, intelectualmente superior (…)”. O meu amigo virtual não se sinta assim, tão negativamente tratado, porra!… Uma das questões que muitas vezes me coloco, é esta:

Porque é que um licenciado (médico ou advogado, por exemplo) tem do conceito de Deus a mesma convicção de um servente de pedreiro analfabeto? Será que o licenciado não aprendeu nada, ou o analfabeto sabe muito?!…

Não é verdade que a crença em Deus pertença aos ignorantes. O saber e a crença podem coabitar na mesma mente. A religiosidade é natural, é um atributo humano, e a ideia de Deus está alojada no cérebro de todos nós. O berço de cada um, o meio em que cresce e é educado, pode ditar o interesse e o valor que cada indivíduo dá à ideia do divino. O culto de Deus está presente nas famílias desde que se nasce (pelo baptismo na igreja da paróquia), na celebração religiosa da Comunhão (como referente da passagem da meninice para a juventude), no casamento frente ao altar, e mais tarde no baptismo e na Comunhão dos filhos, até ao enterramento depois de finado, com funeral presidido por um sacerdote que encomenda a alma do defunto ao Altíssimo!…

Toda a vida do temeroso crente é votada à religiosidade, e isso tem o seu peso na vida de cada um de nós, pois não há quem possa fugir à ética social e religiosa presente na construção das suas origens e do seu dia-a-dia. Para além desta verdade antropológica e sociológica, há o comércio religioso nas lojas que as igrejas são (veja-se Fátima), prestando assistência à alma a qualquer hora do dia. Igrejas, capelas e alminhas de parede estão mais disseminadas pelo país do que as caixas Multibanco (o deus-dinheiro). Qualquer produto religioso que se mostre de interesse geral (ou mesmo sem se mostrar; a fé basta) passa a ser comercializado, a alimentar indústrias, a ser massivamente publicitado e consumido, tal como a Coca-Cola, os hamburgueres e as telenovelas (veja-se a seita IURD!).

O “produto-Deus” está colado a nós. Tem a mais valia de nos acompanhar desde o Paleolítico, com reforço na Idade do Ferro, acrescentado pelo medo dos castigos divinos induzidos na Idade Média, e embelezado com a espectacularidade da Arte Renascentista. Na nossa civilização a história de Deus já vem de longe, desde a Idade Clássica, importadora dos enigmáticos deuses da Mesopotâmia, e acompanha-nos nos momentos mais emblemáticos das nossas vidas, o que, por si só, exerce muita influência no nosso modo de ser. Mas há muitíssimo mais por detrás da ideia de Deus!…

Também serve interesses políticos, sociais e económicos, o que tem muito peso e demasiada importância para os mandantes deste mundo. Agora já percebe porque é que a ideia de Deus também habita as cabeças com raciocínio superior ao de um servente de pedreiro analfabeto?!…

(Artigo de Onofre Varela a ser publicado no jornal Gazeta de Paços de Ferreira na edição do dia 27 de Junho)