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A laicidade, a Páscoa católica, a Justiça e as escolas públicas

O país foi, este ano, assolado por um violento ataque de fé que levou às escolas públicas a liturgia e as orações.

A abertura do Ano Judicial foi, este ano, abrilhantado por um figurante de vestes talares, um cardeal objeto de saudações generalizadas, o que faz temer o regresso do direito canónico ao Código Penal, com punição exemplar para os casos de adultério feminino e homossexualidade, proibição do divórcio e penas severas para os pecados, talvez com a benevolente redução penal para a pedofilia e a violência doméstica.

A Universidade de Coimbra deu o exemplo ao introduzir a missa, pela primeira vez, na cerimónia de posse do reitor. Na próxima posse de um novo reitor será já uma tradição.
Nos Hospitais públicos, além dos nomes de santos com que são crismados, pululam nos corredores das enfermarias crucifixos e senhoras de Fátima onde se acoitam bactérias e fungos que a água benta e as orações não erradicam.

Em Vieira do Minho, a atividade pascal, da iniciativa dos pais dos alunos, levou a missa ao Agrupamento de Escolas Vieira de Araújo; em Famalicão, o compasso visitou as 27 escolas do Agrupamento D. Maria II; em Viana do Castelo, os alunos das escolas de Lanheses, Arcos de Valdevez e Ponte de Barca participaram em cerimónias religiosas; em Bragança a comunhão pascal foi facultativa no Agrupamento de Escolas Miguel Torga e nos restantes agrupamentos do concelho também se realizou; em Vila Real, a missa aconteceu no horário normal, mas o subdiretor de Escolas Diogo Cão ressalvou que “é uma atividade como outra qualquer”; e, em Vila do Conde, no Agrupamento de Escolas Dr. Carlos Pinto Ferreira, na Junqueira, no último dia de aulas, alunos, professores e funcionários da EB 2,3 foram em cortejo até à igreja do Mosteiro de S. Simão da Junqueira para assistir à missa. (Fonte deste §: JN de 10-04-2019).

O regresso ou reintrodução da evangelização romana foi facultativa, diferente da sharia, em “escolas com autonomia” como se o caráter laico do Estado e a CRP permitissem as manifestações contrárias ao espírito e letra da Constituição, como se o constrangimento social não violasse a liberdade religiosa que, sendo inviolável, não pode expor quem se sinta coagido ou se recuse.

A Igreja católica goza de privilégios incompatíveis com a laicidade a que o Estado está obrigado. O Estado português tem obrigação de defender a igualdade entre os cidadãos declarando-se incompetente em questões de fé, obrigando-se a promover a neutralidade religiosa. É um abuso de qualquer religião a interferência na esfera pública, tal como a ingerência do Estado nas religiões.

A autonomia das escolas não pode servir de alibi para ferir a legalidade democrática e constranger a liberdade religiosa. A separação do Estado e das Igrejas é uma conquista civilizacional e a única garantia para evitar exigências de outros credos e prevenir novas guerras religiosas, de que a Europa tem trágicas tradições.

Sobre a violação da laicidade pelas escolas vale a pena ler o que escreveu um respeitado constitucionalista, Vital Moreira:

https://causa-nossa.blogspot.com/2019/04/laicidade-7-basta-de-farisaismo.html