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Dia: 10 de Julho, 2018

10 de Julho, 2018 Vítor Julião

Expliquem-me lá outra vez…

 

Alto, deixa-me perceber isso direito: os cristãos acreditam que há um ser invisível e indetectável, que é feito de nada e está em toda parte ao mesmo tempo, que criou realmente o universo inteiro a partir do nada e que pode ver e ouvir cada ser humano no planeta a cada segundo de cada dia e lembra-se do comportamento de cada um.

Eles acreditam que podem falar magicamente com este ser feito de nada, e pedir-lhe favores que o ser lhes pode conceder ou não conceder.

Eles acreditam nisso tão fortemente que muitos deles falam sobre isso várias vezes ao dia, todos os dias. Eles constroem grandes edifícios especiais para que possam se reunir e cantar para esse ser que eles acreditam que gosta de ouvir cantar, e em especial, gosta de ser adorado.

Para manter este ser apaziguado, essas pessoas (mesmo as pessoas muito pobres) muitas vezes dão uma parte substancial do seu ordenado ao longo de toda a sua vida, para aqueles que dirigem os grandes edifícios e que dizem que têm um canal de comunicação prioritário e especial para esse ser indetectável feito de nada.

E eles têm outra razão para dar seu dinheiro, tempo e devoção a este ser. Eles acreditam que quando morrerem, quando suas ondas cerebrais ficarem permanentemente na horizontal e o cérebro deixar de funcionar, quando o metabolismo e circulação parar, o corpo e o cérebro começarem a desfazer-se em compostos químicos simples, depois de tudo isso, esse ser indetetável feito de nada vai magicamente restaurá-los à vida, uma vida que nunca irá terminar, mesmo que o universo se extinga.

Por que é que eles acreditam em tudo isso? Porque há 2.500 – 3.000 anos atrás, algumas tribos hebraicas supersticiosas, escreveram um livro sobre as suas aventuras com esse ser indetetável feito de nada (aparentemente o ser era detectável então, mas não é agora). O livro é evidentemente um livro de superstição, magia, mitos, moral da Idade do Ferro e de ignorância científica, mas muitos cristãos preferem acreditar que ele é a verdade sagrada.

Agora, digam-me novamente por que é que acreditar em tudo isso não é uma doença mental?

 

Traduzido e adaptado de Bill Flavell

10 de Julho, 2018 Carlos Esperança

A Procissão da Senhora da Conceição (Crónica)

Para animar a fé e variar a liturgia eram frequentes as festas canónicas que esgotavam os ovos, o açúcar e a capacidade de endividamento das famílias na mercearia da aldeia.

A missa iniciava as festividades e prolongava-se com rituais de padres paramentados a rigor, vindos das paróquias vizinhas, e o sermão de um outro, contratado para enaltecer a santa e avivar a fé. O pregador subia ao púlpito e distinguia-se pela desenvoltura com que se exprimia, tanto mais apreciado quanto menos percebido, podendo confundir as virtudes e trocar os santos sem beliscar a fé ou pôr em risco os honorários.

Depois da missa, a procissão percorria as ruas da aldeia com uma ou outra colcha nas janelas e mantas de farrapos garridas, que era pobre a gente e a intenção é que a salvava.

À frente iam os pendões, empunhados por braços possantes que contrariavam o vento, seguidos de bandeiras com imagens pias e anjinhos, apeados, de asas derreadas. A seguir viajavam alinhados os andores do Sagrado Coração de Jesus e de alguns santos que aliviavam o mofo e o abandono na sacristia. No fim, vinha a estrela da companhia, a Senhora da Conceição, de virtude comprovada e milagres desconhecidos.

Os padres viajavam sob o pálio, conduzindo o arcipreste a custódia, que exibia a hóstia consagrada, com acólitos a empunhar as varas.

Em meados do século XX os cruzados gozavam ainda da estima de quem prevenia a salvação da alma e desconhecia a história das guerras religiosas. Assim, ladeando os andores, exultavam os garotos, meninos com uma faixa onde, a vermelho, se destacava a cruz e as meninas com uma touca que lhes escondia os cabelos e exibia uma cruz igual.

Depois dos padres e dos mordomos, orgulhosos dentro das opas, viajavam pelas ruas enlameadas as Irmandades. As Irmãs de Maria traziam o pescoço enfaixado com fitas azuis. Seguia-se a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus com fitas vermelhas e, finalmente, as Almas do Purgatório com fitas roxas atrás de um estandarte que as anunciava, não fosse o Diabo tomá-las como suas.

A cobrir a retaguarda a banda da Parada do Coa atacava música sacra enquanto os foguetes estalejavam no ar. A passo lento, se o tempo convidava, ou mais apressados, se a chuva fustigava, os crentes regressavam à igreja com deserções antecipadas a caminho de casa onde as vitualhas aguardavam.

Eram assim as procissões da minha infância percorrendo as ruas tortuosas da aldeia e os retos caminhos da fé.

Publicada no JF em 12-10-2006

In Pedras Soltas – Ed. 2006 (esgotada)