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Dia: 8 de Julho, 2018

8 de Julho, 2018 Carlos Esperança

A primeira missa como patriarca — Há 5 anos

D. Manuel III e a sé de Lisboa

Começou mal a patriarcar a sé de Lisboa o Sr. D. Manuel III, da dinastia dos Manuéis. A missa era a peça de abertura do espetáculo pio que lhe cabia abrilhantar no coliseu da fé – o Mosteiro dos Jerónimos. Bastavam os pios funcionários de Deus a brilhar nas vestes femininas, com que têm o hábito de se travestir, para transmitirem o colorido exótico de que a missa precisava para refulgir na televisão a cores.

O paradoxo esteve na assistência. Eram restos do governo morto, com um presidente em estado terminal. Eram primeiras figuras do Estado laico a tornarem-se as últimas de um regime que teimam em inumar. Eram homens e mulheres que juraram respeitar a CRP, a pôr as mãos, a fazer flexões a toque de campainha, a balbuciar orações ao ritmo da peça, de joelhos, como apraz à fé, e de rastos como gostam os padres e se destrói a laicidade e a honra.

Alguns, de olhos vagos e esgares medonhos, afocinharam junto à patena que protegia o cálice donde saíram hóstias transubstanciadas por sinais cabalísticos do último Manuel, sem que o alegado sangue se visse a pingar da comissura dos beiços ou se adivinhasse a carne a errar pelo aparelho digestivo e a fazer o trânsito intestinal.

O Manuel e acompanhantes foram recebidos com palmas. Foi a primeira vez, depois de tanto tempo, que insultos deram lugar aos aplausos, no ambiente lúgubre que a luz das velas tornava mais tétrico. Quem desconheça os hábitos canónicos há de ter pensado que a joia arquitetónica do templo se convertera numa casa de alterne e que a estrela do espetáculo era a primeira bailarina.

Não foram os incréus que desonraram o espetáculo pífio, foi o bando subserviente que, ao prestar vassalagem a uma religião particular, cobriu de opróbrio o Estado e a Igreja.

À falta de colunas vertebrais salvaram-se as colunas de pedra do esplendor manuelino, a ossatura da joia arquitetónica que, no espetáculo de abertura do novo gerente da Sé de Lisboa, foi convertida num circo para arlequins mediáticos.

8 de Julho, 2018 Carlos Esperança

A Blasfémia e o Sagrado

Há um crime medieval que os códigos penais de países civilizados ainda acolhem, por incúria, inércia, temor do Inferno ou do clero, dos legisladores. É um anacronismo perigoso numa época em que os valores da liberdade estão em regressão.

A jurisprudência portuguesa privilegia o direito de expressão em relação à blasfémia, mas não podemos dar por adquirida uma regra quando o Tribunal Constitucional, ao arrepio da CRP e da sua própria jurisprudência, que interdita designações confessionais aos partidos políticos, aprovou em 1-07-2009 o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC), a partir de uma pouco recomendável associação onde a D. Isabel Jonet trata da vida e cuida da alma – Portugal pro Vida (PPV).

O sagrado é um estado de espírito em relação a uma ideia, pessoa, mito ou sistema. O esforço para proteger o sagrado através da censura é uma obsessão recorrente das religiões, dos seus funcionários e dos respetivos exércitos de devotos. O objetivo é comum a dignitários de todas as religiões e chefes de partidos políticos que se julgam detentores da verdade única. Quando conseguem, é o poder totalitário que instalam.

O sagrado de uns é blasfémia para outros. Quando os islamitas apedrejam o Diabo, em Meca, são um bando de dementes para outros. Os cristãos, ao celebrarem a eucaristia, são infiéis capazes de beber vinho que, como se sabe, provoca acessos de raiva e descontrolo a Maomé. O próprio toucinho é motivo de rivalidades teológicas e ódios mortais, tal é a demência da fé e a perturbação dos crentes.

Há quem tenha crenças profundas em Jesus, Maomé ou Jeová tal como outros adoram Mao, Estaline, Hitler e Franco, ou ainda o Sol, uma vaca, um imperador ou qualquer outro animal. Cada um com sua mania.

Imagine-se a sociedade repressiva que se cria se o direito à blasfémia – a ofensa a tais criaturas –, for coartado. Se o direito de vexar, julgar ou satirizar figuras históricas, sinistras ou excelsas, for postergado, surgem ditaduras de geometria variável e contornos impossíveis de definir.

Se acontece com pessoas reais, imagine-se a condenação de alguém por difamar o Pai Natal e a Branca de Neve ou pôr em causa a sua virtude ou existência! A Pantera Cor-de-rosa, Deus e os profetas gozariam de proteção contra qualquer crítica ou zombaria.

A vocação totalitária das crenças combate-se com o laicismo.