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  • 28 de Abril, 2018
  • Por Carlos Esperança
  • Vaticano

A Associação Ateísta Portuguesa e a santidade

Assunto: A canonização de Nuno Álvares Pereira

À Comunicação Social

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) ficou perplexa com a canonização de Nuno Álvares cuja antiguidade começa a contar a partir de 26 de Abril de 2009.

A AAP entende que o prestígio do Condestável não se altera com o milagre que lhe foi adjudicado, mas Deus podia mais facilmente ter evitado os salpicos de óleo que atingiram o olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, enquanto fritava o peixe, e a consequente «úlcera da córnea, uma coisa gravíssima» – segundo o cardeal Saraiva Martins –, do que ter de a curar para o beato virar santo.

Um vulto histórico, da dimensão de Nuno Álvares, não se engrandece com a cura de uma queimadela ocular quando há tantos amputados a quem o crescimento de uma perna facilitaria a vida e era mais relevante para o seu prestígio.

A AAP duvida da capacidade do guerreiro para actuar como colírio e fica surpreendida por se ter lembrado dele a D. Guilhermina que, em vez do desabafo habitual, quando um pingo de óleo fervente atinge um olho, recorreu à intercessão de um taumaturgo, sem antecedentes no ramo, para lhe salvar a visão.

Há nesta maratona pia uma sucessão de coincidências suspeitas. Começou pelo facto de a D. Guilhermina ter optado por fritar peixe em vez de assá-lo; perante a dor que se adivinha, em vez de recorrer a uma expressão que não cura, mas alivia, ter pedido a intercessão de quem precisava do milagre para ser promovido a santo; ter dado conhecimento à Igreja católica e estar na presidência da Prefeitura da Causa dos Santos o experimentado pesquisador de milagres e criador de santos, o cardeal Saraiva Martins; finalmente, haver no Vaticano médicos para certificarem a cura do olho e, em Lisboa, devotos à espera do novo santo.

Só quem sabe distinguir a água benta da outra pode rubricar um milagre que, não sendo excepcional, foi o que se arranjou. O patriarca Policarpo preferia que D. Nuno fosse dispensado das provas públicas do milagre mas resignou-se com a exigência papal; o presidente da República já anunciou a sua satisfação, certamente a título pessoal, e a Pátria, angustiada com a crise, ficou estupefacta.

Os espanhóis que, durante muitos anos, não toleraram a santidade do carrasco que os humilhou nos Atoleiros, em Aljubarrota e em Valverde, têm agora tantos santos que não ligam à elevação de D. Nuno aos altares.

Durante os dois últimos pontificados emergiu um tsunami de santidade que exumou os cemitérios da catolicidade em busca de taumaturgos. O folclore dos milagres é certamente uma forma de propaganda religiosa mas a AAP, temendo estar perante uma burla com a conivência das mais altas instâncias do poder, quer saber:

1 – Quem foram os médicos que comprovaram o milagre;
2 – Qual o critério para o atribuir a D. Nuno;
3 – Que exames mostram o olho esquerdo da D. Guilhermina antes e depois do milagre;
4 – O que pensa a Ordem dos Médicos portuguesa sobre o acto clínico de D. Nuno.

A Associação Ateísta Portuguesa não será cúmplice, com o seu silêncio, da manobra obscurantista em curso e, por isso, a denuncia.

Apela ao espírito crítico dos portugueses para não crerem em afirmações sem provas e não confundirem a superstição com a realidade.

Recorre ainda à comunicação social para prevenir os simples da manipulação, acautelar os frágeis contra a crença de que as dificuldades se resolvem com milagres e advertir os compatriotas de que as soluções se procuram com quem está vivo e não com quem é defunto há séculos.

Associação Ateísta Portuguesa – Odivelas, 24 de Fevereiro de 2009