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Crimes em nome de Deus

As religiões, ao longo da História, destruíram impérios, desenharam fronteiras e aniquilaram povos. A fé arruinou nações, impediu a liberdade e esmagou a felicidade dos povos. Deus foi sempre pretexto para destruir os inimigos e cometer os mais hediondos crimes, com o alibi de satisfazer a sua vontade.

Deus está, de facto, para azar dos homens, em toda a parte. O deus mais verdadeiro é aquele que está em maioria, tem por si as armas e tem o fanatismo a seu favor. Sempre que deus está em alta, a liberdade entra em perda; quando os homens adoram o seu deus, odeiam o deus dos outros. Os crentes imploram os seus favores com o mesmo fervor com que acalentam o ódio ao deus alheio.

É por isso que a democracia fenece onde a religião floresce, a liberdade mingua onde a fé prolifera e o progresso estiola onde a piedade medra.

Não há democracia onde a religião domina o aparelho de Estado. Os direitos do homem não são respeitados onde o poder temporal e o religioso se confundem. Foi na base da separação de poderes e, sobretudo, na separação da Igreja e do Estado, que os modernos Estados de direito se construíram. Foi o laicismo que permitiu o pluralismo ideológico, opondo uma barreira de proteção à vocação totalitária das religiões.

E, quando parecia que o Estado laico se transformava em paradigma das nações civilizadas, quando a sociedade multicultural se convertia num modelo de convivência cívica, quando os preconceitos étnicos e culturais pareciam derrotados pela instrução, inteligência e sensibilidade dos povos civilizados, eis que os demónios totalitários acordam ao som das orações e se revigoram com jejuns, pregações e liturgias.

A Holanda, a doce Holanda, era o exemplo de convivência cívica entre etnias diversas e diferentes culturas, um oásis de tolerância entre distintas opções políticas e religiões divergentes. Há um ano ficou em choque, quando Pim Fortuyn, um político da direita populista foi assassinado. Agora, o assassínio do cineasta Theo Van Gogh, após a denúncia que fez da forma como o Islão trata as mulheres, associado aos requintes de crueldade com que o fanático religioso o tratou, tornaram periclitante a manutenção da sociedade multicultural holandesa.

Incendeiam-se os templos e a opinião pública. O racismo e a xenofobia crescem. A extrema direita, que vive da aversão e da intolerância, vê a possibilidade de manipular paixões, instilar o medo e acicatar o ódio. A hostilidade aos estrangeiros começou. A fé das pessoas cultas e civilizadas nas sociedades multiculturais vacila. O fascismo islâmico rejubila com a intolerância de que é alvo. As religiões precisam de mártires. Os deuses querem sacrifícios. Os templos convertem-se em quartéis onde se faz a recruta para a guerra santa. Os homens entram em desvario ao serviço da esquizofrenia divina. A religião tem de ser contida. Os Direitos do Homem têm de ser defendidos. A igualdade entre os sexos tem de ser salvaguardada. A democracia tem de ser salva. Há que erguer um dique à fé que corrompe, intimida e mata.

Apostila – A ICAR, em Espanha, abriu as hostilidades ao Governo. O ensino laico, o aborto, o divórcio, a eutanásia, os financiamentos e a investigação em células estaminais, puseram a santa corja em luta aberta contra o Governo democrático. São os mesmos que apoiaram Franco e fizeram campanha por Aznar. São os mesmos que querem canonizar os «reis católicos». São a eterna lepra que corrói a democracia ao serviço de Deus.

Coimbra, 2004