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Sessenta anos depois… Um texto atual

“A educação religiosa, visando a incutir crenças indemonstráveis e emoções particularistas em idades nas quais o senso crítico é tão impossível quanto a credibilidade é absoluta, representa antes de tudo na ordem moral um crime análogo ao que na ordem jurídica se chama abuso de confiança.

O educador não tem, nos domínios da inteligência, o direito de impor uma fé, mas apenas o de demonstrar noções susceptíveis de prova, como no terreno afectivo e moral, não tem senão o direito de evocar e dirigir sentimentos de sociabilidade, indispensáveis à vida colectiva. Impor uma crença religiosa (e inculcá-la ou sugeri-la à infância o mesmo que é impô-la) significa desviar o espírito da sua evolução natural do estado teológico para o estado científico; por outro lado, determinar emoções religiosas é criar o estado afectivo da intolerância, que sempre caracterizou as seitas místicas e politicas, contribuir, portanto, para a insociabilidade.

Ninguém tem o direito de praticar esta dupla monstruosidade, como ninguém tem o direito de anquilosar uma articulação, de atrofiar um musculo, de impedir ou desviar a função de um órgão. Os que invocam a liberdade para ministrar na escola o ensino religioso, esquecem-se de que o seu funda- mental direito não é ilimitado, antes acaba no momento em que esse uso por parte do homem implica um obstáculo ao desenvolvimento natural doutros homens.

O menor dos perigos da educação religiosa é criar nos espíritos uma série de fantasmas intelectuais e de tendência emotiva, cujo combate na juventude ou na idade madura importa um exaurimento profundo e um desequilíbrio nervoso muito longo.

Na hipótese desfavorável de uma predisposição psicopática, esse combate é ponto de partida para a alienação mental, de que temos observado alguns casos, característicos sob a forma obsessiva e melancólica”

JÚLIO DE MATOS

In “O positivismo na vida e obra de Júlio de Matos” – Anais Portugueses de Psiquiatria vol. VIII, n.º 8 Dez 1956 – pág. 62